quarta-feira, 9 de março de 2016

Metade da raça humana

O meu 8 de março deste ano:



Não gostei por aí além, podiam ter feito mais e melhor. Mas esta frase, senhores, deu-me arrepios:




'We're half the human race.'

Tão simples quanto isto.




S.

sábado, 5 de março de 2016

Walk a mile in her shoes

A minha reação foi exatamente a mesma que as comentadoras embaixo: 'bem, isto deve ser uma citação para incentivar o treino de velocidade na corrida'.





Esta diferença tão contrastante de interpretações de uma mesma frase dá para puxar conversa sobre privilégio, sobre pôr-se no lugar do outro, sobre empatia, sobre a necessidade de sermos ouvidas, porque claramente temos experiências diferentes da (aparentemente) mesma situação (e isto idem para minorias étnicas, religiosas, de orientação sexual, etc), mas hoje não me apetece entrar em detalhes. Vou deixar só isto aqui.





S.

sexta-feira, 4 de março de 2016

A melhor fandom do mundo



Toma. Resposta em duas palavras.

(Querem-se apoderar da HP fandom para os argumentos anti-aborto mas não conhecem a história como deve ser, depois sai-lhes mal. A profecia que era aplicada a dois meninos, lembram-se? 5º livro? Ninguém é insubstituível, nem mesmo o Chosen One.)





S.

quarta-feira, 2 de março de 2016

Desigualdade vs hierarquia

Desde que tive conhecimento da existência deste tipo de campanhas que sempre fui uma grande apoiante do Princess Free Zone, Pinkstinks, e afins. Tão apoiante quanto uma pessoa sem filhos e sem ideias de os ter no curto-prazo possa ser, pelo menos.  Parece-me muito óbvio que a pressão cada vez mais intensa de empurrar raparigas para tules, princesas, purpurinas, maquilhagem, tiaras e cor-de-rosas não só é redutora de interesses como potencialmente nociva para a formação da pessoa que serão no futuro; o mundo é muito mais vasto e muito mais interessante do que as princesas da Disney o pintam. Ultimamente, e especialmente depois de ter lido o Raising My Rainbow, tenho tido algumas dúvidas. Acho que este tipo de campanhas dá o tiro ao lado. They miss the point, se quisermos.

O Raising My Rainbow - Adventures in Raising a Fabulous, Gender Creative Son conta a história e as reflexões de uma mãe que tem um filho gender creative, como ela o apelida. Logo aos dois anos a criança demonstrou um fascínio tão grande por Barbies, bonecas, purpurinas, princesas e afins que só se intensificou com o tempo, e que os pais acabaram por aceitar e aprender a lidar, não com a criança propriamente dita, mas com as reações de todas as outras pessoas. As festas de aniversário temáticas, sempre uma escolha entre fazer o filho feliz com o tema princesas mas arriscar o gozo ou mesmo insultos das outras crianças ou pais, ou fazer festa com tema neutro (leia-se: masculino) como il faut mas transmitir ao filho que os gostos dele são errados, máscaras de Halloween idem, brinquedos levados para a escola, roupa preferida da criança, etc. Uma necessidade constante de policiamento dos gostos de uma criança ou uma necessidade constante de aguentar a reprovação social de quem não obedece à norma.

Agora imaginem se tivesse sido o contrário: se lhe tivesse calhado uma filha gender creative. Mal daria uma história. Uma rapariga ter interesses 'masculinos' mal é digno de nota. Quanto muito, é motivo de orgulho. Uma rapariga gostar de futebol, de subir às árvores, de brincar com carrinhos, negar Barbies e princesas é uma rapariga empoderada, muito à frente, diferente das outras raparigas*. E a autora do livro está consciente deste facto durante todo o discurso, referindo-o explicitamente várias vezes: 

'If a little girl had been pretending to be a prince, people would have applauded her in their minds for being empowered. How come when girls play with gender it's a sign of strength and when boys play with gender it's a sign of weakness? I could slap whoever made our society that way.'  

Portanto, campanhas que pretendam incentivar raparigas a fugir às princesas parecem-me um bocado redundantes: a penalidade social por fazê-lo não é elevada. Uma rapariga gostar de brinquedos/atividades de rapaz é muito mais aceitável, até aplaudido, do que rapazes brincarem com coisas de rapariga.

A questão é porquê. Porquê? É porque há realmente uma diferença qualitativa nos dois tipos de brinquedos/brincadeiras (tipo, os brinquedos de menina são bastante menos interessantes, só que ver com tomar conta de bebés, que envolvem bonecas, roupas e maquilhagem, etc, enquanto os brinquedos de rapaz estimulam o intelecto, a criatividade, etc)? Isto para mim - e acho que para todos os que apoiam as campanhas que são especificamente dirigidas a raparigas como a Princess Free Zone e a Pinkstinks (diferentes da Let Toys Be Toys ou da 'polémica' - lol - do McDonald's) - estava dado como certo, certinho. As princesas da Disney dão um mau exemplo por serem tão passivas, e terem como único propósito na vida arranjar um príncipe rico e bonito, e ronhonhó, e jogar à bola é que é saudável e estimula a coordenação motora e o espírito de equipa, e os brinquedos mais científicos e os legos e assim são cada vez mais marketizados é para os rapazes e esses é que são brinquedos interessantes.

Entretanto existe outra perspetiva que me tem permeado o pensamento sobre os assuntos de género e de igualdade, do que é realmente o feminismo e o patriarcado, e que me fez ver isto de outra forma: e se é antes porque simplesmente valorizamos as atividades masculinas de forma muito mais elevada do que valorizamos as atividades femininas, e portanto qualquer coisa tradicionalmente associada aos homens é desejável, enquanto as atividades associadas às mulheres são ridicularizadas como superficiais? Quantas mulheres têm orgulho em afirmar 'eu não sou como as outras mulheres!', ou 'eu nem gosto de [inserir atividade/produto de gaja ou que grande parte das mulheres gosta], gosto é de [cerveja/futebol/piadas sexistas/qualquer outra coisa geralmente identificada como masculina]'? Essa é tipicamente considerada uma 'gaja fixe', especialmente nos filmes mais mauzinhos. Mas tenho reparado muito no reflexo inconsciente de tantas mulheres - eu incluída - de constantemente se distanciarem o mais possível dos gostos estereotipados de mulher para serem vistas numa melhor luz. Ora isto é nada mais nada menos que o reflexo muito humano de querer pertencer ao clube dos fixes, de almoçar com os importantes, de estar onde se é valorizado. O que me faz questionar seriamente se o ódio às princesas e ao cor-de-rosa não é mal direcionado.

Porque, vejamos, se é a primeira hipótese - se é realmente uma questão de os brinquedos/atividades femininas serem qualitativamente piores, então não é desejável que ninguém brinque com princesas/bonecas/cozinhas. Nesse caso essas campanhas estão a ir na direção certa e os pais que proíbem os seus filhos rapazes de brincar com brinquedos de gaja estiveram sempres corretos. Só precisamos agora é de elevar as raparigas ao pódio dos brinquedos masculinos e ignorar o cor-de-rosa e as purpurinas para todo o sempre. Mas se é a segunda hipótese - se o problema é o problema do patriarcado em poucas palavras: um problema de hierarquia de géneros, e não de desigualdade - então já temos um problema muito mais colossal. Neste caso, pode ser que campanhas como o Pinkstinks estejam a reforçar a vergonha nas atividades femininas, em vez de empoderar raparigas.

Pode ser uma mistura das duas coisas. Legos e brinquedos mais científicos são muitas vezes direcionados a rapazes, quando antes não era assim, e realmente a Disney com os seus filmes mais antigos de princesas era do mais clichezinho que havia; mas deixem que vos diga que quando eu brincava às Barbies com as minhas primas nós construíamos cidades inteiras com todos os serviços e profissões para manter uma cidade a correr, e representávamos verdadeiras histórias de vida completas ao longo de várias gerações que só podia contribuir para o estímulo da criatividade e do pensamento complexo! E não somos únicas nisto, garanto. 

E agora uma reflexão em jeito de provocação: mesmo que os brinquedos das raparigas conduzam a papéis de cuidados e os de rapazes a papéis científicos, so what? Eu sei qual é o problema: a nossa sociedade valoriza muito mais uma carreira científica do que as tarefas rotineiras de criar uma criança, portanto brinquedos que promovam estes papéis de forma estereotipada são indesejáveis. Mas porque é que continuamos a dar mais valor a uma carreira científica do que às tarefas de criação de um ser humano?**  




*Se há elogio mais pernicioso, que toda a feminista deveria desprezar, é precisamente quando lhe dizem 'tu não és como as outras raparigas'. Evitar afirmar 'eu não sou como as outras raparigas' com sentimento de superioridade pode ser difícil mas é essencial.

** Pista: será porque ciência e fazer coisas no mundo em geral seja tradicionalmente coisa de homens e criar pessoas seja coisa de mulher e portanto desinteressante/subvalorizado? Who Cooked Adam Smith's Dinner é um bom começo.




S.