quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Motins, viagens-sonho e leões

Acho que o meu corpo - e, desta vez, o meu espírito por arrasto - ficou traumatizado com os 15k de domingo. Não foi assim tão mau, acho eu, mas se calhar só afirmando em retrospetiva. Isto porque eu estive a tentar convencer-me, ao corpo e ao espírito, (já somos três, não sei quem é este terceiro, talvez a consciência), até hoje, que tínhamos que nos fazer à estrada novamente. Foi a semana toda nisto:




A consciência lá acabou por ganhar, depois de ter mandado um murro na mesa e exclamado: "Mas qu'ésta merda, afinal quem é que manda aqui?! E tu 'tás-te a preparar para uma meia-maratona ou não, minha menina?? Olha que já só faltam 6 semanas, aquilo vai ser para acabar ou para fazer figura triste e desistir? Calça-me esses ténis e vam'embora, vá!"

Corri pouco mais que uns míseros 6 km porque percebi que as minhas pernas não estavam para ali viradas.



Ainda tiveram o desplante de me mandar este sorriso cínico do "eu bem te avisei". Estúpidas.

Sou agora uma pessoa muito infeliz depois de ter constatado que são as minhas pernas a parte fraca disto tudo. Muito infeliz. Às vezes correm três quilómetros sempre a chorar, canelas a parecer que se abrem, enquanto pulmões e coração olham atónitos, para aquela mariquice toda, e confusos pela dificuldade que estão a presenciar mas que não sentem. Quem é que percebe que às vezes corram 15 km e outras mal 6 aguentem? Bipolaridade física, ou caraças.

Ora, o que acontece então é que tenho que esperar impacientemente que o esforço acumulado se vá embora das patas antes de voltar a fazer-me à estrada, mas sem saber exatamente quanto tempo posso esperar sem que comece a perder resistência. É um equilíbrio tão delicado que me põe nervosa, às portas da prova dos 21.

Anseio que passe a Meia-Maratona e a Corrida dos Sinos para poder voltar a correr sem pressões durante os treinos de quilómetros a conquistar. Apetece-me voltar a correr na minha zona de conforto, durante um tempinho, para depois me começar a concentrar na velocidade em vez de na distância. Porque a chatice com as distâncias é a longa duração do passeio e o auto-entretermo-nos enquanto vamos em esforço. Costuma ser esse o papel da música mas começo a ficar farta da minha playlist e um álbum de Arctic Monkeys já não chega para os passeios mais longos. E estava a começar a estragar as músicas por associá-las ao esforço, muito ao jeito do cãozinho do Pavlov. De maneiras que hoje parti sem phones nos ouvidos, pela primeira vez. Não me aborreci. Mas foi pouco mais de meia-hora...

Um dia destes vou a Waterloo. É a minha viagem-corrida de sonho. Fica a 14 km da minha casa e desde que cheguei à Bélgica que lá quero ir, mesmo, mesmo muito. Palmilhar o caminho a patas deve elevar a experiência ao quadrado. Terei que me embrenhar na Fôret de Soignes para lá chegar, já que a estrada até lá não tem sempre passeio (sim, já andei a stalkar o caminho no Street View. À séria. É o quanto quero ir lá). Nunca corri pelo meio de florestas daí que estes 14 km ganhem outra dimensão dantesca. A parte do vir para cá é que é pior... Se me inspirar no Napoleão não consigo. Haha.

Vou lá dar um beijinho ao leão e volto.


Hahaha, ou então não. Escalar uma rampa daquelas após arrastar-me durante hora e meia?? Não me parece. Mando cá de baixo.



S.

E você, já mostrou a sua dose de indignação hoje?

Por falar em manifestações:


O projeto de lei do governo espanhol sobre a interrupção voluntária da gravidez está a provocar reações um pouco por toda a Europa.

Esta quarta-feira, cerca de duas mil pessoas, na maioria mulheres, vindas de toda a Europa, participaram numa marcha que começou junto à embaixada espanhola em Bruxelas e terminou junto ao Parlamento Europeu:

“Esta lei não respeita um mínimo de direitos de outras leis na Europa, porque trata as mulheres como se fossem menores”, diz uma manifestante espanhola.

Um cidadão belga explica:
“Pedimos ao governo espanhol que reveja o projeto de lei que tenciona aprovar, para garantir que o direito ao aborto não é restringido como está previsto na proposta de lei”.

Para os manifestantes, o assunto não diz respeito só a Espanha. Uma cidadã lituana fala da situação no seu país:

“Estou aqui porque temos uma situação semelhante na Lituânia, com uma lei que está no parlamento prestes a ser votada”.

No dia 1 de fevereiro está também prevista uma manifestação junto da embaixada de Espanha, em Paris.

O governo espanhol apresentou um projeto de lei que só autoriza o aborto em caso de risco fisico ou psicológico para a mulher ou violação, se tiver sido apresentada queixa."

Copyright © 2014 euronews




Segui o meu próprio argumento do "não fazes lá falta mas se todos pensarem assim ninguém vai" e fui lá marcar presença.

Algumas mulheres levaram cartazes ("Take your rosaries off of my ovaries"; "Church and state, you don't own my body"; "Free women give birth to free sons"; "Procreation is not an obligation"; "Mère quand je veux, si je le veux"; "Droits de l'homme pour les femmes aussi"), algumas levaram chapéus de bruxa (na Idade Média, quem abortava era as gentes que tinham pactos com o diabo). Vi bandeiras do Bloco de Esquerda português, vi a eurodeputada Marisa Matias e a Edite Estrela, cujo relatório sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres na Europa foi chumbado no Parlamento Europeu há umas semanas (mesmo não sendo vinculativo, certos governos europeus têm um medo que se pelam deste assunto. E a tendência, como se vê pelo exemplo da Espanha e da Lituânia, é para regredir.) 




S.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

As 6 sombras da persuasão e a Dança do Bilião

Andei alguns dias a remoer este post porque eu queria falar sobre isto, convencer mesmo alguém a ir, mas não sabia por onde começar. Por aqui vê-se logo que não tenho curso de marketing, publicidade ou comunicação, no geral. Fez-me falta conhecer as técnicas para convencer alguém. Não tenho jeito, não me é natural, e acabo por nunca ter paciência nem perserverança suficientes, mesmo em debates. O que é bastante infeliz numa pessoa que se intitula feminista, mas bom, cada um faz o que pode. Ainda assim, ocorreram-me várias maneiras de começar:

Persuasão através da instigação da culpa:

Ler e acenar com a cabeça que sim, coitadinhas, é muito fácil. Meter um like num post indignado, também. Partilhar uma notícia sobre o assunto no Facebook, apesar de envolver um nisquinho mais de compromisso, continua a ser 99,9% de conforto, 0,1% de eficácia. Levantar o rabo do sofá/carro/escritório ao fim de uma tarde de pleno inverno, já não é assim tão fácil. Por isso prova o quanto nos indigna, enoja e o quanto queremos ser parte da solução. Ide ao Lisboa V-Day, mulheres desse Portugal. E homens desse Portugal, ide por quem amam. 14 fevereiro. 18h30.

Persuasão através da responsabilidade moral:

É por uma causa nobre. Desejar que o flagelo da violência de género tenha fim. Eu sei que causas nobres há muitas, e nós somos e sentimo-nos pequeninos individualmente. Não temos a capacidade de fazer tudo o que é nobre, ou de lutar por tudo aquilo em que acreditamos. Mas isto afeta muita gente, demasiada gente, por todo o mundo. É pela segurança e bem-estar de potencialmente metade da população humana, pelo menos um terço dessa metade. Como ficar indiferente, se toca a tanta gente? Ide mostrar que não são indiferentes. Ide ao Lisboa V-Day. 14 fevereiro. 18h30.

Persuasão através da chantagem emocional:

É que é um bilião. Um terço de todas as mulheres do mundo. Uma em três. Isto significa que pelo menos uma mulher próxima de vós (mesmo se forem parcos nos sentimentos e anti-sociais como eu, entre irmã, mãe, avó, cara-metade, haverá sempre três. Se forem mulheres, como eu, podem mesmo ser vós) será agredida ou violada durante a vida. Isto está bem assim? Não vos causa horror, abjeção, sentimento de injustiça? Ide mostrar a vossa indignação. Ide ao Lisboa V-Day, mulheres desse Portugal. E homens desse Portugal, ide por quem amam. 14 fevereiro. 18h30.

Persuasão através do testemunho pessoal:

O ano passado, quando a ideia do One Billion Rising surgiu, eu participei na minha primeira manifestação. Bichinho avesso às confusões, aos gritos, aos ajuntamentos e a pessoas a fazerem coisas estranhas, amante das ideias e teorias mas pouco afoito na ação, enfiei-me no meu casaco mais quente e saí para a rua, a temperatura a roçar o zero. Timidamente, encostei-me às colunas da praça a sondar aquela coisa estranha, em que centenas de mulheres e muitos homens cantavam e dançavam pelo fim da violência contra as mulheres no mundo. Acabei a tarde com o nariz a pingar mas com olhos brilhantes e um grande sorriso na cara (os olhos brilhantes podia ser do frio, mas bom, o sorriso não era). Foi a coisa mais sensacional que já fiz fora da minha zona de conforto. O que, tenho noção, não é dizer assiiim tanto. Também tenho a noção que se eu não tivesse lá estado não fazia falta, era só uma entre centenas. Mas se eu não tivesse estado lá, se a rapariga que dançava ao meu lado de sorriso rasgado não tivesse estado lá, se a mãe não tivesse levado a filha de 2/3 anos, se a octagenária que dançou até ao fim não tivesse estado lá, se calhar já começávamos a fazer falta. Pensem que fazem parte de um movimento de milhões, que a esse momento hão-de estar todos a dançar pelo mesmo objetivo. Tem que se começar por algum lado, não é? Ide ao Lisboa V-Day. 14 fevereiro. 18h30.

Persuasão através da perspetiva do divertimento:

É uma flash-mob, gente. Tem coreografia e não há muitas coisas tão fixes de se fazer a 500 como movimentos sincronizados. Ninguém vai saber de cor, haverá tempo para ir aprendendo. É libertador, primitivo mas profundamente libertador, e estupidamente divertido balançar o corpo ao ritmo de uma música sem outro propósito que não a diversão. Sem o propósito de agradar, de atrair, de convencer. Só aquele, de estar ali presente, com aquelas pessoas todas que defendem a mesma coisa. Ide ao Lisboa V-Day. 14 fevereiro. 18h30.

Persuasão através do ataque ao cinismo:

"Eh, realmente o mundo há-de mudar assim, com danças. É a dançar nos vossos países riquinhos de primeiro mundo que se acaba com a violência sobre as mulheres no mundo, realmente." Duas respostas a isto, uma curta e outra longa:

Curta: Bardamerda. Cada um faz o que pode. Ao menos importo-me o suficiente para sair à rua por isto. 

Longa: Isto é um bocado como a história do Dia do Pai, Dia da Mãe, Dia da Mulher, não é? É quando se quiser, é todos os dias, blá blá blá, depois nunca é verdadeiramente. Pelo menos arranjou-se uma maneira, um dia, um evento, um ajuntamento, que faz com que as pessoas reflitam na coisa, se importem, e potencialmente que vão mudando a sua maneira de pensar sobre aquilo. Senão, bom, pelo menos um dia no ano lembrar-se-ão. Um em 365 já não é mau. Em relação à questão da dança, a ideia surgiu através da escritora Eve Ensler ("Monólogos da Vagina") depois de uma visita à República Democrática do Congo e de ter visto a forma como muitas mulheres tentavam curar a dor psicológica e emocional da violência. Há qualquer coisa de primordial na música, quase mágica, todos sabemos. Embalamos os bebés para os acalmar, não é? Cantamo-lhes canções de embalar. Dançamos como diversão. Não está assim tão deslocado o ato da intenção.

Vão, a sério. Mostrem que se importam, e divirtam-se pelo meio. Eu cá estarei em Bruxelas, a dançar também.

Lisboa V-Day AQUI.     






S.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Ele há coisas... #40

Fiquei a saber hoje, através da fatura dos acertos, que 63% da eletricidade que consumo é de origem nuclear.

Não sei muito bem como me sinto em relação a isto mas descansada não é.




Mas o melhor mesmo são uns cerca de 3% que têm como origem o seguinte: "inconnu". Como assim, não sabem donde vêm esses 3% de eletricidade? Se o resto está tão bem explicadinho e contabilizado em percentagens, como é que há uma parte que não sabem de onde vem? Estranha gente, esta da eletricidade.





S.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Media, é assim mesmo #8

Ia inaugurar nova rubrica, que seria exatamente o contrário desta, mas tenho medo. Programas muito errados a vários níveis, incluindo o nível sexista, é o que não falta por aí e as razões de muitos deles serem sexistas são demasiado óbvias para tornar a tal rubrica sobre o que os media andam a fazer de errado interessante. Por isso vou tentar fazer a proeza de advogar a favor do diabo para ver se no final, este programa que tem tudo para se tornar numa guerra dos sexos do mais baixo que há, consegue afinal dar a volta e sair exemplo. Um bocado aquilo do ser tão mau que se torna bom, de tão mau que é.

Eu ultimamente tenho andado complacente que mete nojo. Mete-me nojo a mim, porque dou comigo a olhar para coisas evidentemente erradas feministicamente e a tentar justificá-las cheia de benevolência: "deixa lá, se calhar o rapaz não disse aquilo por mal, ele até é boa pessoa"; "este texto não é assim tãão mau, já li coisas piores"; "é claro que esta besta iria dizer isto, qual é o escândalo". Estou numa demasiado zen, de tentar desesperadamente justificar a justiça das coisas como elas são, de compreender a posição da pessoa que está do outro lado que temo estar a tornar-me numa daquelas pessoas amorfas, em que nada acredita, nada lhe causa ultraje ou incómodo moral, porque se posiciona sempre no meio confortável das polémicas, aquele meio onde se aceita os argumentos dos dois lados como válidos, mesmo quando são contraditórios, só para dar a ideia que somos muito balanceados nas nossas posições, quando na verdade não temos é nenhuma. Tão mais confortável viver assim.

Foi neste marasmo complacente que eu comecei a ver um programa chamado "Don't Tell the Bride" na BBC3 e só este meu marasmo pode explicar a sua inclusão nesta rubrica. Mas nem tudo está perdido e eu vou tentar justificar-me ser recorrer à tal técnica do meio confortável. Vamos também esquecer por uns momentos o que eu havia dito há uns meses sobre como instalar TV por cabo seria uma ideia tão brilhante por me ir ajudar a sintonizar o ouvido na língua francesa, já que passamos é os nossos serões com Family Guys, Don't Tell the Brides, telejornais BBCianos e Russell Howard's Good News. As culturas linguísticas são como as economias de escala, difícil de entrarmos nelas mas quando chegamos a um certo nível é só lucro, não conseguimos nos fartar.

Mas sobre o programa.

Don't Tell the Bride tem o cunho dos programas da TLC, como aquele dos concursos de beleza para meninas bebés, ou aqueles muito manhosos da MTV, sobre a vida cheia de drama das adolescentes com bebés nos braços. São temas que são genuinamente dramáticos mas que são apresentados de uma maneira puramente sensacionalista, numa exploração gratuita de problemas pessoais ou escolhas problemáticas para o puro entretenimento da batata de sofá, sempre a pedir que exclamemos um "eeeeh, que horror, há pessoas com vidas tão piores que a minha e tão mais más pessoas do que eu!". O Don't Tell the Bride não é tão mau porque não se trata realmente de um problema, mas a intenção é a mesma: suscitar sentimento de superioridade e uma espécie de "mas o que é que estavam à espera?!" também muito característica deste lixo televisivo.

Imaginem um homem e uma mulher que vão casar. Estão a ver um programa que segue todo o processo de planeamento do casamento? Pouco interessante, né? Então imaginem que é o noivo sozinho que terá que escolher, planear, organizar e gerir tudo, desde o tema ao local da boda, incluindo o fato da noiva, a decoração e os convites. E agora imaginem que eles escolhem os casais em que as mulheres são para cima de picuinhas e drama queens, só para elevar o potencial de drama ao infinito. Já parece ultra-divertido, não?



É incrivelmente fascinante. Primeiro porque eu não sabia que a boa organização de um casamento era suposto advir de um gene que na lotaria genética infelizmente só calhou nas fêmeas humanas. Deve ser como o gene das limpezas, ou do bem passar camisas a ferro. Segundo porque eu não sabia que a escolha errada de um vestido de casamento era razão para finalizar uma relação de vários anos. Terceiro porque há pessoas que ficam genuinamente afetadas por causa de um convite de casamento ter a cor errada. Quarto porque eu não sabia que casar na altura do Natal era inadmissível.

É a premissa do programa o que mais me irrita. A ideia de que é tão inconcebível que um homem possa ter jeito para organizar uma festa, ainda por cima A festa por excelência de qualquer vida de qualquer mulher, a ideia de que o casamento quer dizer coisas tão diferentes seja a pessoa homem ou mulher, que o bom gosto seja uma prerrogativa feminina, que meter um homem a planear o PRÓPRIO casamento seja digno de ideia original para um programa de televisão. No fundo continuamos a manter pressupostos extremamente vincados sobre no que é que homens e mulheres são bons e no que não são. Admito que uma visão do mundo regida por estes pressupostos é uma visão muito arrumadinha, linear e confortável. Terá a sua utilidade, porque as pessoas desse grupo terão tendência a comportar-se assim. Mas é simplisticamente redutora, extremamente injusta para com o indivíduo e, pior que tudo, é auto-realizável. Eu posso não ter a mínima paciência para escolher entre uma rosa ou uma margarida num bouquet, ou se o coral conjugará melhor com a decoração do que o rosa pastel, mas é bom que aprenda a tê-la, se afinal sou mulher, dir-me-á a sociedade sob várias formas, às vezes tão explicitamente quanto este programa. Não será o meu futuro marido que terá essa paciência, de certo, continua ela, cheia de desprezo. 


Mas o mundo não é assim tão linear e eu cada vez que vejo aquele programa penso no próprio homem que está ao meu lado, tão fascinado quanto eu a ver aquele programa (porque isto é mesmo como os acidentes de carro, não dá para parar de olhar), nos homens das minhas amigas, nos meus amigos, em conhecidos magistralmente criativos e dou-me conta que tenho inúmeros exemplos de que o mundo não é mesmo nada como nos tentam vender, arrumadinho em "coisas de gajo" e "coisas de gaja". Pode sê-lo, segundo os gostos oficiais e no que as pessoas terão tendência para fazer (não consigo imaginar nenhum amigo a tratar sozinho do seu futuro casamento. Nem nenhuma amiga a deixá-lo.) Mas poria as mãos no fogo por muitos deles em como, se por alguma razão tivessem que organizar o casamento sozinhos, fá-lo-íam de maneira tão ou mais criativa que as suas caras-metade. Porque sabem qual é a verdadeira ironia deste programa, não sei se propositada ou inconsciente e motivada apenas pelo desejo do final feliz típico? É que os casamentos ali acabam sempre por ser festas originais e com coisas extremamente criativas. Não se nota que não houve ali "mão feminina". Se calhar porque isso da "mão feminina" é uma grande treta. 


Houve um, por exemplo, que quis casar em Nova York (aquilo é tudo pessoal do UK e o orçamento que eles têm para gerir é apertado). No meio de alguns (grandes) fails, como o noivo ter que skypar familiares a pedir dinheiro porque o orçamento não ia chegar e o vestido de noiva ser incrivelmente, hmm, revelador à frente, a ideia original acabou por ser brilhante: casaram no Central Park, perto da estátua da Alice no País das Maravilhas porque esse era o nome da noiva e o seu livro preferido.

No que toca a tarefas quintessencialmente femininas, os homens safam-se mesmo muito bem. A sério, mulheres. Comecem a dar-lhes mais crédito do que pensar que têm ao vosso lado uma pessoa que tem tão bom gosto quanto um ganso daltónico, ou um ser incapaz que não consegue meter umas peúgas na máquina de lavar (ouvirei sempre com eterna estupefação aquela espécie de orgulho mascarado de impaciência condescendente com que muitas mulheres proferem a frase: "O meu marido não tem jeito nenhum para [inserir tarefa secularmente atribuída às mulheres mas incrivelmente monótona como lavar roupa, escolher roupa, passar roupa a ferro, comprar roupa, limpar/lavar a casa no geral]. É mesmo homem." Ai sim? E vós, tendes jeito, é isso? Ou tivestes que o ganhar, assim como também ele o pode?). Dai mais crédito às capacidades uns dos outros, vá lá.

Resumindo: este programa é lixo televisivo porque a sua intenção é colocar os espectadores num falso nível moral superior e fazê-los validar uma imagem do mundo simplista, mostrando uma coisa de forma acrítica mas enviesada de forma a que possam ser os espectadores a criticar de forma óbvia. Aqui, é contra as mulheres: "Ahahahahaha, estava-se mesmo a ver, foste deixá-lo planear as coisas querias o quê, agora chora!" e contra os homens: "Ahahahahaha, olha para aquele parvo, a escolher o fato mais terrível que ali está, os homens realmente não têm bom gosto!", perpetuando a tal visão do mundo muito estereotipadamente arrumadinha, que afinal já tinham e que este programa só vem confirmar. O truque de inconsciente brilhantismo são os casamentos acabarem por ser festas com elementos bastante originais, com coisas que talvez nem passassem pelas cabeças das noivas como opções, mas que funcionam. E, espero eu, saem dali de relação reforçada, a noiva com renovada admiração pela pessoa que tem a seu lado como capaz de uma tarefa que achou impossível. Tudo isto um resultado inconsciente, claro. Nem eu no meu marasmo complacente admito que os fazedores do programa são feministas camuflados.    



  S.                

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Do chá verde, com amor

Numa banca de rua, algures em Camden, uma senhora me disse:

- As folhas de chá verde têm que ser molhadas com água fria antes de lhes botarmos a água a ferver, para perderem o gosto amargo característico do chá verde.

A dica, não pedida mas agradavelmente recebida por vir de uma especialista daquela que era uma banca de chás, mudou a minha relação com o chá verde para sempre. Toda uma gama que me estava vedada por não aguentar o travo amargo está agora novamente à minha disposição. A água fria por cima das folhas? Resulta mesmo.





S.


Acabei de provar o Earl Grey da Rituals e também é bom, bom, bom. Aliás, como tudo naquela loja, a única onde perco realmente a cabeça, maldita seja. 

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Voldemort é o novo Hitler

Os chineses acusaram o Japão de estar a ser o Voldemort ali da zona. Os japoneses retorquiram na mesma moeda. A notícia já tem uns diazinhos mas continua a ser tão boa.

(No entanto, claramente o Voldemort daquela zona é o Kim Jong-un. Ou, não, pensando melhor esse é o King Joffrey.)





S.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Media, é assim mesmo #7

Antes que esteja a evoluir para qualquer coisa pós-feminista ou, pior, que acha que letras como o Blurred Lines são inofensivas, vou avançar com isto do "Media, é assim mesmo". 

O excerto que vos trago é de uma das comédias românticas mais engraçadas que vi nos últimos anos. E eu não gosto de comédias românticas. Carregadinhas de personagens-tipo que até dói. Mas desta gostei muito. Tem personagens femininas bastante interessantes (a Emma Stone fazendo da espirituosa que é e a Julianne Moore, de quem não há um filme que eu não goste), ainda que não tenha a certeza que passe no Teste de Bechdel. Não há grande interação entre elas e penso que não falam de mais do que de homens. O Gosling faz do típico playboy mas tem nuances interessantes, que tornam a personagem humana, e a evolução não o torna num lamechas insuportável. Não é portanto um filme distintamente feminista. Ainda assim, decidi apresentá-lo aqui graças a isto:



 
Por toda a recente polémica que o vídeo e letra da tal Blurred Lines provocou, pelo twerking, pelas Miley Cyrus e Rihannas deste mundo, e por todos os gritos de preocupação com a cada vez maior hipersexualização da indústria de música (hipersexualização das mulheres, claro está, em prol de uma sexualidade que não é necessariamente a delas, antes virada para o ideal masculino heterossexual. Ver artigo da Lia, que está tão bom), esta piada acerta na mouche. E o Ryan Gosling pode. Ele é feminista, não sabiam? :)




  
Ide checkar este projeto que uma aluna americana fez para estudar melhor a matéria do seu programa de Estudos de Género: http://feministryangosling.tumblr.com/ . Maneira original de estudar, ou quê?




S.

Disclaimer : este post não foi um pretexto para usar fotos do Gosling.

Egocêntrica, much?

Ontem tomei duas decisões, com potencial de mudança de vida, que me fizeram constatar que eu não me conheço. Ou não me conheço, ou estou a evoluir* para outra coisa qualquer mais depressa do que o meu ego consegue desvendar.

- Inscrevi-me na Meia-Maratona de Lisboa. Vou em março a Portugal, de propósito correr uma prova que insisti durante uma hora, ainda há dias, nunca me meter. Em retrospetiva, após os últimos meses de treinos continuados nem sei bem em nome de quê, faz todo o sentido. Do ponto de vista de quem eu sou (era? sempre fui?), juro que não faz. Não foi preciso a Gralha me espicaçar muito para ficar com o bichinho desta prova, depressa anui. O que revela, mais uma vez, que eu não me conheço.

- Recusei uma perspetiva profissional em Londres. Ainda não acredito. Não acredito é no alívio que senti após o decidir, sabendo, aqui algures mas que não era só na cabeça, que tomei a decisão correta. Afinal tenho instinto ou coisa que o valha... (Mentira, a lista dos prós e contras também esteve presente e foi o teste final. Se bem que o alerta veio das entranhas.) Eu amo Londres, eu fui lá tão feliz, eu cheguei a sentir-lhe mais a falta, tantas vezes, do que a pátria materna, e recusei conscientemente, livremente e aliviadamente me mudar para lá, trocando esta cidade pela qual não tenho carinho especial pela minha amada Londres. 

Desculpem-me os clichés mas isto é aquilo do rio não passar duas vezes pelo mesmo sítio? Ou do outro que dizia que o difícil não é ir atrás dos nossos sonhos, é saber e ter a coragem de largá-los quando já não são os nossos sonhos? 

É por estas e por outras que eu tenho um medo terrível de ter filhos. Não é pelas mudanças do corpo, não é pelos vómitos, não é pelos horrores do parto, não é pela alteração do ritmo de vida, não é por ter que cuidar de outro ser humano, não é pelas manhãs a dormir até ao almoço que se acabam, não é pelo aperto financeiro, não é pelo We Need To Talk About Kevin, não é pelo fim do tempo e espaço pessoais, não é pela adolescência da prole, não é pelo mudar de fraldas, não é pela incerteza do futuro. É simplesmente porque o meu eu de hoje não sabe que eu vai encontrar do outro lado da maternidade. E eu ainda tenho tanta coisa que quero concretizar neste estado mental do presente.






S. 

*Atenção que quando digo evoluir não é como sinónimo de progresso, é mais no sentido de como os Pokémons evoluíam: chegavam a determinada altura, após não sei quantas batalhas e skills adquiridos tinham a possibilidade de evoluir para uma criatura diferente. Mas quantas vezes o estádio anterior não era bem mais poderoso...

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Finalmente o batismo

Já tive o meu batismo de corrida. Foi há uns dias, mas tinha que vir aqui registar. Foi com os meus primos, nos Olivais. A cada nova subida só pensava "Nunca hei-de correr uma meia-maratona, nunca hei-de correr uma meia-maratona, nunca hei-de correr uma meia-maratona". Não num jeito derrotista, mais como um pré-aviso para mim própria para nunca me meter numa coisa dessas, se 10 km já custaram tanto. Mas uma prova do vício estupidamente irracional que isto das corridas é foi termos vindo até casa todos entusiasmados a falar da próxima, que será em abril e para a qual virei cá de propósito. Outra prova foi ter-me levantado mais cedo, no dia de Natal, para ir correr. Eu não estou habituada a estas irracionalidades em prol de esforço.



Entretanto estamos em 2014. Gosto do número.



S.