terça-feira, 31 de julho de 2012

Sobre o Kobo

Agora que passou um mês e meio desde a sua compra bastante ansiada e atribulada q.b., está na altura de fazer uma review sobre o meu e-reader Kobo. No fundo, dizer o que gosto e o que me aborrece neste novo mundo dos livros digitais.

Posso dizer que quando fui a Manchester, roí-me toda de inveja por ver que aquela gente tem Kindles à sua disposição para compra por tudo o que é loja de eletrónica. Porquê, oh porquê que eu não aproveitei quando lá vivia...! Mas a minha inveja tornou-se em sobranceria quando reparei que, lado a lado com Kindles estão Kobos, e que estes lhes custam para cima de 150 libras, e eu comprei o meu por 99 euros. Toma lá.

Duas coisas fazem-me preferir o Kobo ao Kindle: o ecrã tátil do primeiro, e o facto de não estar escravo da Amazon (ou no caso do Kobo, nem da Fnac que é a sua loja-mãe). O facto de eu poder virar páginas com um toquezinho do dedo torna a experiência de leitura muito mais intuitiva do que se o fizesse num botão. Mas o mais agradável é poder tocar numa palavra qualquer de um livro e ver instantaneamente o seu significado. Mas já lá vamos a esta última.

Toca a dividir isto por temas, para se tornar um guia útil para alguém que esteja a pesar prós e contras quanto a aquisição de um destes meninos:


Vantagens em relação aos livros de papel:

- o peso e a finura: consigo facilmente ler no Kobo com uma só mão a segurá-lo, não preciso de estar a forçar com as duas mãos para ler no meio dos livros ou segurar páginas, e apoio-o facilmente no colo ou nos joelhos. Resumindo: dá mais jeito para se segurar enquanto se lê;

- o armazenamento: acho mesmo que este deve ser uma das, se não a maior vantagem destes aparelhos. Mas tem o valor que lhe quisermos dar. Para mim, que abomino ter coisas, fisicamente, coisas que ocupam espaço em casa e em malas quando se muda de casa, é perfeito. Diria que 95% dos livros que leio não lhes mexo novamente; então para quê tê-los a ganhar pó em casa? Grande, grande ponto a favor. Não faço ideia quantos consegue armazenar - depende do tamanho dos mesmos - mas centenas cabem ali à vontade. A página principal mostra sempre os cinco últimos livros em que mexemos, portanto não há o perigo de nos perdermos na imensidão da biblioteca digital;

- o dicionário: o inglês, por razões profissionais, académicas e mesmo de interesse pessoal, substituiu há alguns anos o português no top das línguas em que mais leio. É uma coisa que tento contrariar conscientemente, e há autores portugueses que amo de paixão, como Saramago e os romances históricos da Stilwell, mas os meus interesses literários são muitas vezes anglófonos. E recuso-me terminantemente a ler traduções quando consigo ler o original. Isto tudo para dizer que é frequente aparecerem palavras cujo significado seja mais dúbio, e que compreenda o que o autor quer dizer, mas que quero saber exatamente como e onde se utilizam. Num livro normal, estas são palavras que nunca na vida me ia dar ao trabalho de procurar no dicionário ou no Google. Mas o Kobo tem uma maravilha de aplicação que é um dicionário incorporado: está-se a ler um livro, toca-se numa palavra durante dois segundos e puf, aparece a definição da mesma. Útil, útil, útil.

- a instantaneadade (?): ter o livro na hora, no fundo. Apetece-me ler uma obra qualquer, pesquiso-a no Google para ver se há em formato livre, procuro na Amazon para saber se vale a pena comprar. Se valer, pago-a e tenho-a no meu computador para descarregar na hora. Nada de esperar alguns dias até chegar pelo correio, e potencialmente ir levantar a encomenda ao posto de correios mais próximo (ou não) até poder ler o dito cujo;

- clássicos gratuitos: literatura da boa, incluindo praticamente todas as obras mais aclamadas desta arte, estão disponíveis online para download grátis. Acho que tem qualquer coisa que ver com o direitos de autor expirados ou assim (os do Saramago não se encontra, por exemplo), e isto tem me feito experimentar ler coisas que, se tivesse que investir numa compra, não o teria feito. 



Coisas que me aborrecem no Kobo

- o dicionário: não é o dicionário em si, é mais a falta de dicionários que não seja o inglês. No outro dia estava a tentar ler um livro em francês e tinha-me dado muito mais jeito o dicionário incorporado que me conseguisse dar as definições de palavras na língua francófona. Fui à net pesquisei e descobri que há muita gente chateada como eu, e que, ah e tal, os fabricantes do Kobo estão a trabalhar para arranjar dicionários em mais línguas brevemente. Fiquei levemente frustrada por ver as minhas tentativas de melhoramento do meu francês saírem furadas;

- o preço dos e-livros: é inexplicável e completamente ridículo que um livro que esteja para sair na Amazon tenha um preço duas libras mais caro na sua versão eletrónica no que na sua versão capa-mole. Ridículo! Um livro eletrónico não gasta papel, não tem que ser transportado, não tem custos de impressão. Não tem custos de nada, diria! Apenas os da propriedade intelectual. Mas esses também o livro de capa-mole tem. Ainda há um caminho a percorrer nisto dos livros eletrónicos e cartéis para demolir (a UE já lhe cheirou a price-fixing ilegal, é favor castigar essa gente, que eu quero livros eletrónicos a preços justos). Até lá vai-se sendo compensado pelos clássicos grátis;

- fraca disponibilidade em português: pois é, o mercados dos livros eletrónicos em português está ainda na sua infância. Isto faz com que poucos sejam os que consigo encontrar, mesmo comprando, em formato digital. O que significa que ainda não pude abdicar do papel completamente.



Coisas que, não me aborrecendo, podem aborrecer outrém

- a fácil maleabilidade: o facto de podermos ter num só aparelhinho centenas de livros significa que é mais fácil saltar entre uns e outros e não haver focagem. Dei por mim a desistir de dois livros porque simplesmente não me estavam a prender a atenção nem a suscitar curiosidade e a partir para outro. Uma vez que não gastei dinheiro nos mesmos, nem me ocupam espaço numa prateleira, nem tive que esperar por eles, faz com que tenha muito menos pachorra e espírito de sacrifício na sua leitura. Também pode acontecer a pessoa não querer largar de todo o livro que está a ler, mas ter a curiosidade de começar outro simultaneamente. Para quem se distrai com facilidade, o Kobo pode não ser uma coisa boa.


Outros

- o Kobo tem uma funcionalidade que é a de sublinhar coisas. Com o dedo dá para arrastar uma espécie de marcador sobre a frase que se quer e guardar esse sublinhado. Dá jeito;

- este e-reader não é de todo uma espécie de computador (como eu temia), que demora algum tempo a ligar. É mais comparável a um telemóvel ou a um iPad. Tem um botãozinho em cima que se desloca e nos dá imediatamente a página do livro onde estávamos a ler. Mesmo que se troque entre livros, o Kobo guarda sempre a última página onde se esteve, o que também é útil.

- já li num parque, com luz do meio-dia, já li em casa, já li na cama com luz fraca. Não parece que estou a ler num ecrã, a luminosidade é sempre a mesma e equivalente a uma folha de papel. Bem diferente de ler num computador ou num iPad.


Acho que é isto. Espero ter ajudado a esclarecer alguém que esteja em dúvida quanto a comprar um e-reader. Na minha opinião, valem muito a pena. Noto que tenho lido mais pela conveniência que o Kobo me traz (ainda que não tanto como gostaria, mas o coitado não tem culpa das minhas deambulações internautas) e isso para mim é a prova mais óbvia de que ele me é útil.





S.

Meu interregno mês de agosto

É surpreendente o quão bem me adaptei à rotina nova que será a minha pelo menos durante o mês de agosto. 

Desconfio que o grande responsável tem sido o ginásio, que me dá um propósito para me levantar, sair de casa, e de ter metas a alcançar. Com os Jogos Olímpicos a passar nas múltiplas televisões de lá, é fácil uma pessoa ser encorajada a pedalar mais um minuto, ou a mexer-se com mais vigor na elíptica. Ainda no outro dia estava eu a caminhar na passadeira quando começa aquele desporto das cambalhotas e pinos e mortais no tapete. Eu olhava fascinada o que o corpo humano consegue fazer, a força com que os braços daqueles atletas os sustentavam de cabeça para baixo e tal só me deu mais vontade de acelerar o passo e melhorar a minha própria resistência.

Fico contente por me aperceber que a minha forma física está razoável, e que faço com menos esforço o que fazia da última vez que frequentei um ginásio (há quanto tempo foi isto, senhores!). Sei que devo isto às caminhadas diárias de quatro quilómetros entre trabalho e casa que fiz durante estes últimos cinco meses, e portanto posso dizer com convicção que funcionou a minha estratégia de poupança financeira em passes + exercício gratuito.

Mais uma vez dou graças por morar a 300 metros do ginásio, 100 de dois supermercados (o que significa que tenho baguettes frescas todas as manhãs), a um quilómetro do Lidl, a 100 metros de uma lavandaria, a 700 de uma zona de lojas e a 600 de uns correios. O que se torna bastante conveniente porque agora, sem a desculpa do emprego, tenho de tomar a minha parte do trabalho doméstico que eu tanto adoro. Se bem que, quando uma pessoa tem todo o tempo do mundo, ele até nem é tão mau.  

Continuo entretida a editar a revista online que tantas dores de cabeça quantos sentimentos de dever cumprido já me deu (Next Europe, que um bocadinho de publicidade nunca fez mal a ninguém), a entrevistar o pessoal empreendedor (idem) e a candidatar com força para vagas de emprego, enquanto penso no que quero fazer da vida a curto-prazo (ahem, doutoramento?). Nada disto é pago, mas note-se que eu pertenço à geração dos escravos bem-qualificados, portanto até aqui nada de extraordinário.

Estou a encarar o mês de agosto como um mês de férias - ao invés de desemprego, que é o que ele é na verdade (sem bem que, pode-se ser desempregado sem nunca ter tido um emprego a sério?) - e a permitir-me saboreá-lo, ainda que seja um agosto sem sol e sem temperaturas acima dos 20 graus nem migrações soalheiras à vista. Pode bem ser o último mês completo de férias que gozo em 40 anos. Por isso o melhor mesmo é aproveitá-lo.




S.

 

sexta-feira, 27 de julho de 2012

O significado de "Norte" em "Mar do Norte"

A verdade é que já suspeitava que isto pudesse acontecer. A mudança da onda de calor para os normais 19 de máxima estava demasiado perto para me deixar acreditar que a costa estaria realmente soalheira. Mas uma pessoa fica triste à mesma, claro está.

Vem o suspiro do lado, o pingo de chuva no lombo ainda descoberto, a aragem que sopra do Mar do Norte (sendo que aqui a palavra-chave é mesmo Norte), eu que inalo continuamente o meu Vicks porque me constipei quando faziam 30 graus em Bruxelas, a frustração em forma de riso-grito, os entre-olhares cheios de "eu já sabia", a desilusão espelhada na cara do outro, o conformar e o arrumar de toalhas e o encaminhamento para a estação e o comboio que nos levará de volta.

Mas depois um de nós exclama "Ah, que belo dia de praia!", entre-olhares sabedores novamente, desatamos a rir a bandeiras despregadas - porque, sinceramente, o que se pode fazer mais para além de rir? - e começamos, entre risos, a ter genuína pena de quem espera um ano inteiro para ir passar férias de uma ou duas semanas naquela terra e não poder sequer tirar a t-shirt nem sentir o sol na pele, e, entre suspiros meio a sério meio a brincar, afirmas que lá para outubro estás com uma depressão em cima porque não apanhaste sol como deve ser um único dia no verão, mas que ficas muito feliz por mim por eu estar bem, já que sou a pessoa europeia do sul mais avessa ao sol e calor que conheces, uma vez que, não obstante Bruxelas ser o que é, só nos levo é mais para norte, incluindo Manchesters e Oostendes e sonho com viagens à Escócia e a Londres em vez de Marselhas ou mesmo Lisboas e Faros. E eu rio - porque, sinceramente, o que posso fazer mais além de rir? -, e rio, rio, rio por um momento quase à beira da loucura, porque andámos a ansiar este dia de praia toda a semana (todo o verão?) e chegou-se ali e foi o que se viu, e pagámos pela viagem, e demorámos duas horas a chegar, e fomos comprar toalha, fatos de banho e protetor solar (grande LOL neste último) quando podíamos ter era ido jantar à luz das velas ou mesmo gozado os 30 graus que se fizeram sentir hoje em Bruxelas num parque qualquer. E continuo a rir porque sinceramente ainda bem que foi assim e que os planos saíram furados, e houve improviso e continuamos sem raio de sol a tocar-nos a pele, porque é destes grandes flops que nos lembraremos mais tarde, daqui a 7 anos, daqui a 17, daqui a 27, daqui a 37, daqui a 47, daqui a 57, daqui a 67, daqui a 77, e é esta a diferença entre os filmes maus e a vida: um mau dia de praia, o único deste verão e no nosso dia especial.

E rio ainda mais um bocado porque estou exatamente onde quero estar, no ponto da vida onde quero estar, com a única pessoa do mundo que queria ao meu lado, a visitar exatamente o que queremos visitar, com os exatos constrangimentos que se quer e as frustrações que fazem o que realmente interessa ter valor, e sem exatamente nada que eu quisesse mudar. Tal como este post, que está confuso e caótico como é devido da loucura que ainda sobra do falhanço deste dia, que falhou tão espetacularmente - e este é o meu ponto - como eu quero que muitos dos nossos dias falhem. Já que são deles que reza sempre a memória.




Na minha opinião, as fotos que marcaram o nosso dia.



S.    

Tempo belga: 1 - D.S.: 0

Chegámos à praia, uma hora depois começa a chuviscar. Acabei por ter de me vestir, casaco incluído.

...




É preciso dizer mais alguma coisa sobre o tempo belga?


S.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Corrida ao fato-de-banho

Bruxelas tem estado luminosa e quente como ainda nunca a tinha visto. Fora um ou dois dias em junho, o termómetro ainda não tinha passado a barreira dos 25 graus, sendo que tem insistido em manter-se abaixo dos 19. E a chuva de que já me queixei repetidamente. 

No entanto, parece que esta semana é para se manter nos 28-29. Não há uma nuvenzinha à vista, o céu está todo azul, o ar está quente e, há pouco, quando vi o termómetro de uma farmácia anunciar "30º" quase me deu um fanico. É uma alegria mal-contida, verdade seja dita. 

Ora, acontece que sexta-feira é um dia especial para os pombinhos aqui d'Ixelles (o aniversário número sete tem uma mística qualquer, é um número bonito, ainda que nada redondinho) e tenho andado a olhar para os vários restaurantes aqui da zona com outra atenção. Um jantarzinho romântico à luz das velas, no único dia do ano em que me (nos) permito a extravagância verdadeira de jantar fora com pinta, parece-me muito bem. 

Pois, parecia-me! Os planos de aperaltamento, comida boa e refeição a meia-luz deram uma grande cambalhota quando uma única palavra começou a invadir a mente de ambos, não deixando espaço para mais nada: PRAIA. Eu. Quero. PRAIA. Uma porção de água para banhar.

Timidamente consultámos o meteo.be, ontem, novamente hoje (e consultaremos novamente amanhã) para certificarmo-nos que o pedacinho de costa belga continua com previsões de temperaturas a rondar os 25. Confirma-se. Os dedos não estão cruzados em figas mas a esperança está cá de que este tempo continue até sexta. Só até sexta, vá lá! Porque sabe-se que isto é sol de pouca dura, literalmente, e, de facto, no sábado já preveem chuva e máximas de 18-19.

Mas porque, tal como em Londres, nunca me passou pela cabeça enfiar fatos de banho ou toalhas de praia na mala, coisas remotamente balneares é algo que não mora nesta casa. De maneiras que tivemos que dar um saltinho aos saldos e agarrar os primeiros fato-de-banho (sim, pela primeira vez em 15 anos, rendi-me a um fato-de-banho) e calções de praia que se arranjou. E o protetor solar mais elevado que conseguimos achar, porque isto de não fazer praia há dois verões habitua mal a pele alva destes dois senhores (ou habitua bem, consoante a perspetiva).

Por isso, estamos aqui numa de alguma expectativa e a pedir a todas as partículas de Higgs (são de Deus, deve dar) que o tempo belga colabore só mais dois diazinhos, que depois pode chover tudo o que lhe apetecer (e considerando que não chove há 3 dias, tenho medo do que aí virá).


... a quantidade de pára-ventos não me está a inspirar muita confiança...



S.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Apenas moderadamente melancólica, vá

O que impede a melancolia de se instalar é o facto de estarem 26 graus lá fora. Quem é que se pode dar ao luxo de estar triste num dia assim - que, como bem se sabe, deve ser irrepetível em 2012?

 Agora é aproveitar o facto de poder andar de pernas e braços destapados e absorver Vitamina D como se não houvesse amanhã. Porque provavelmente, soalheiro, não haverá.





S.

Vou ali, já venho, PE

Hoje é o meu último dia.

Daqui a pouco vou entregar o relatório de estágio e não me apetece. E vou ter que arrumar a secretária e também não me apetece. Mandar papéis fora, devolver canetas, arrumar os saquinhos de chá que entretanto sobraram, lavar a caneca, apagar as minhas pastas deste computador.

Últimos dias são sempre merdosos. Especialmente quando se parte para umas férias indefinidamente longas.

Mas estou confiante. Consegui que a minha supervisora me desse um abraço de despedida, o que, sendo ela alemã, considero um feito e acho que era coisa que devia constar no meu CV ou assim.







S.

domingo, 22 de julho de 2012

As mal-disfarçadas saudades de Inglaterra

Diz muito sobre a cidade onde vivo o facto de chegar a um pub inglês e salivar por tudo o que encontro na ementa, incluindo quando me apresentam isto:


Os preços - tudo abaixo das cinco libras e portanto metade do normal aqui em Bruxelas para qualquer refeição fora - quase acrescentaram lágrimas de felicidade aos pensamentos de vegetable and chicken pies, English breakfasts, seafood paellas, e outras bombas calóricas semelhantes.

E água engarrafada que não sabe a água da torneira.

E carros a circular pela esquerda.

E libras e pennies na carteira.

E sotaque cerrado Manchurian.

E adaptadores para tomadas novamente precisos (mas que ficaram em casa).

E chá servido com leite.

E Boots, Primarks, Tescos, Sainsburies, River Islands, Topshops, lojas da Disney, Debenhams...

E estações chamadas Piccadilly e Victoria.

E autocarros vermelhos de primeiro andar.

E maçanetas que rodam para a esquerda para abrir portas.

E chocolate quente do Costa.

E hotéis e pubs alcatifados até à entrada da casa de banho, onde dá para ir de pantufas até à receção.

E chuva e 14 graus de máxima em pleno julho, ansiando por um cachecol.

E uma viagem de regresso de céu incrivelmente limpo que me permitiu atravessar o Canal da Mancha e ver, pequeninas mas distinguíveis lá embaixo, as White Cliffs of Dover.

E saber, porque vi com estes dois que a terra há-de comer (adoro a expressão) quão perto estamos mas quão claramente separada a ilha está da Europa-mãe.



Inglaterra, como me fazias falta!



S.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O mundo louco da interpretação

Há muito tempo que me intrigavam os intérpretes simultâneos nas cabines das conferências. Foi um dos meus maiores maravilhamentos quando aqui cheguei: o facto de descobrir que o multilinguismo, no Parlamento Europeu, é uma realidade. E constatá-lo todas as vezes em que tinha conferências e reuniões de comissão para assistir.

Hoje, tive a oportunidade de experimentar como era. Numa espécie de palestra organizada pelo serviço de interpretação, e numa tentativa de atrair estagiários das instituições europeias para a carreira linguística, pudemos constatar que línguas mais fazem falta à UE (nativos eslovenos, malteses, romenos e búlgaros), que espécie de treino e educação é preciso obter para ingressar nessa carreira, e as gratificações e frustrações que se obtém quando se interpreta para ganhar a vida.

No final, veio a parte divertida: subir às cabines e fazermos nós próprios a interpretação de um discurso em inglês para a nossa língua nativa.


É... Esquisito. Estávamos três pessoas em cada cabine; ao meu lado tinha a minha amiga M. nativa de esloveno, e do outro lado um nativo de francês. Pusemos os auscultadores, ajeitámos o micro, e esperámos. Assim que o discurso começou ficámos uns 30 segundos sem reação: é suposto começarmos a debitar palavreado agora? Acho que estávamos envergonhados por começar a falar numa língua que nenhum dos outros compreendia e que, por estar ali mesmo ao lado, teria de ouvir. Mas assim que um de nós tomou coragem (não me lembro quem deu o primeiro passo, acho que eu não fui, ainda que estivesse mortinha por começar!), os outros foram atrás e em segundos, além de ouvir a minha voz em português e o discurso original em inglês, havia mais duas línguas faladas naquela cabine.

Falhei várias partes de frases, especialmente porque ao início esperava demasiado até começar a traduzir a frase para português; não se pode. Tem que se ir andando, num verdadeiro exercício de multi-tasking que consiste em ouvir, processar a informação, transformá-la em português, e dizê-la em voz alta. Isto tudo repetidamente, sem parar. 

A mulher da palestra tinha razão: aquilo dá uma adrenalina do caraças. Mesmo ali, a brincar e sem ninguém verdadeiramente a ouvir (com três pessoas a interpretar ao mesmo tempo por cabine torna-se impossível sintonizar num canal e apenas ouvir uma voz!), é um exercício de antecipação que cria um stress daqueles positivos. É como se um novelo estivesse a rolar pelo chão continuamente e nós a tentar apanhar a ponta, que continua a ser conduzida para fora do nosso alcance.

Primeiro estranha-se e depois entranha-se. É sem dúvida uma habilidade que se ganha e se treina. Ao início eu não conseguia acabar as frases mas no segundo ou terceiro discurso já conseguia deixar pouco por traduzir. Fiquei desiludida porque pensava que também conseguia traduzir do francês, por ser tão semelhante a estrutura gramatical e as próprias palavras, mas a minha compreensão auditiva francesa ainda não é ágil e rápida o suficiente para conseguir interpretar simultaneamente para português (no discurso alemão, também não, mas nem sequer tentei). Ainda assim, foi uma experiência única e muito divertida.

Fui-me informar sobre as condições que eles exigem aos portugueses nativos - já que o número de línguas pedido a um candidato depende da sua proveniência linguística e do facto de haver muitos ou poucos candidatos dessa língua. Parece que ficam contentes com duas línguas, sendo que uma delas tem que ser o inglês ou o alemão, e a outra uma qualquer das 23 oficiais (em breve 24, com o croata). O curso recomendado é o da FLUL, de interpretação, que dura um ano. Namorei alguns minutos a ideia de me por nesta aventura... Mas depois deixei-me disso: teria que voltar para Portugal durante um ano, para estudar, e além disso temo não ter personalidade para isto. É preciso ter capacidades comunicativas orais altamente desenvolvidas. Eu é mais escrever, tenho pena.



S.


domingo, 15 de julho de 2012

O guia xenófobo sobre os portugueses #2

Como disse no último post sobre o fantástico livrinho xenófobo, é verdade que o autor afirma várias coisas sobre os portugueses que eu não faço ideia onde foi buscar. Mas por isso mesmo vou partilhá-las; pode ser o meu conhecimento sobre os meus compatriotas que tem lacunas.

"Algumas lojas portuguesas ainda fecham para almoço e embrulham as nossas compras em papel e fio."

?? Não faço ideia onde este senhor inglês andou às compras aquando da sua pesquisa para o livro, mas o facto é que eu não me lembro, em toda a minha vida, de ter comprado alguma coisas e trazê-la embrulhada em papel e enrolada com um cordel. Inclusive, tenho vívidas memórias de infância da loja onde a minha mãe trabalhou durante anos e nunca a vi fazer isso. E nós vivíamos numa aldeia.

Outra:

"Em 1974, quando o exército português se rebelou contra as ordens do regime para subjugar os movimentos de independência nas colónias portuguesas, a música do cantor de folk e fado José "Zeca" Afonso foi o despoletador do que ficou conhecido como a "Revolução dos Cravos" ..."

O Zeca Afonso foi um fadista?? Sinceramente nunca me apercebi. Mas isto posso ser só eu...

Mas o que realmente mereceu um esgar de outraje da minha parte foi o seguinte:

"Apoiar uma equipa de futebol em Portugal é um assunto complexo. Se fores de Coimbra, serás com certeza um apoiante do Académica. A não ser quando o Benfica joga contra a Académica, pois nesse caso torcerás pelo Benfica. Ou podes ser apoiante da outra equipa mais operária de Lisboa, o Sporting."

Equipa operária?!?!?! Mas que confusões vem a ser estas?!?!?! A equipa operária da capital é o Benfica; que eu saiba o Sporting nasceu precisamente como equipa da elite! Aliás, não faltam entre nós portugueses as piadinhas entre a origem social de quem apoia as duas equipas. Ainda que hoje em dia já não haja a correlação entre equipa e classe social, é completamente errado afirmar que o Sporting é a "equipa mais operária" da capital. 

Enfim, deixo aqui provas empíricas para suportarem o meu argumento:






Como diz o Raminhos, no fundo vai tudo dar ao mesmo. ;)



S.


P.S. Já agora, os programas do Rui Sinel de Cordes, Gente da minha terra, e Gente da minha terra - Europa, são praticamente versões em vídeo destes guias xenófobos sobre diferentes nacionalidades e regiões do nosso país. Garantido, o humor negro e por vezes mórbido do apresentador determina que ele não agradará a todos e terá alguns problemas em Portugal (como teve). Mas a meu ver, é simplesmente certeiro e mordaz. À moda de um Frankie Boyle, quase.

sábado, 14 de julho de 2012

Igualdade de género em Manchester

No meu mestrado, não tive a oportunidade de defender a minha dissertação em prova pública. O facto de terem sido apenas dez mil palavras, em vez das normais trinta mil em Portugal, deve ter sido tomado em consideração pelos ingleses quando decidiram que nas suas universidades apenas doutoramentos merecem esse trabalho.

Quando descobri, há cerca de ano e meio, que não ia enfrentar um painel de avaliadores, fez muito para desfazer os meus pânicos e incertezas quanto à minha capacidade de completar uma dissertação de mestrado. Foi como se tivessem tirado um peso do peito. Mas quando comecei a investigar a sério para a dita-cuja e a escrever, a amar realmente o que fazia, e a entusiasmar-me com o que ia descobrindo e com as páginas que, pouco a pouco, ia preenchendo com uma modesta mas original contribuição para a compreensão do que é a igualdade de género na Europa, comecei a ter pena. Ter pena de não me ser dada a oportunidade de preparar uma apresentação oral, de explicar as minhas conclusões perante um painel de avaliadores e qualquer outra pessoa que quisesse assistir, de por os meus argumentos à prova perante possíveis perguntas dos júris. Seria nervoseira da certa, semelhante à que borbulha no meu estômago enquanto espero a minha vez no consultório do dentista, ou que a enfermeira chame o meu nome para tirar sangue. Mas a seguir, sei-o, seria a explosão de adrenalina característica de quando se faz o que era esperado de nós e se conquista um dos nossos medos.

Pois agora, cerca de um ano após ter começado a escrever a dissertação, consegui essa oportunidade de ver estrelinhas e não conseguir manter nada no estômago mais descarga de adrenalina meia hora depois. Numa qualquer sala em Manchester, vou pela primeira vez partilhar o meu trabalho de vários meses com uma (espero) pequena audiência. Intitulada qualquer coisa como "A face humana da legislação da UE: humana o suficiente?", esta vai ser a minha primeira conferência como oradora. 

Neste momento no meu sofá e computador voltam a versar licenças de maternidade, legislação da UE e igualdade de oportunidades. E eu voltei a ler a minha tese, sublinhá-la, sempre com o olhar impiedoso e extremamente auto-crítico de alguém que sente que, um ano depois, teria feito algumas coisas diferentes. Mas estou muito feliz. Feliz porque vou ter a oportunidade de ver como me dou nestas andanças académicas sem ser como aluna, feliz porque tenho cada vez mais a certeza que é a igualdade de género que realmente me estimula o intelecto e a paixão, feliz porque vou voltar a território britânico e a ter libras na carteira mais uma vez. Ainda que seja só por dois dias.

As borboletas vão-me assaltar duplamente o estômago já na quinta-feira, uma vez que além da apresentação voltarei a andar de avião, coisa que desgosto cada vez mais. Mas sei que não se compararão à sensação de "missão cumprida" logo a seguir, que espero ser justamente merecida.






S.   

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Encomendas, autocarros e tudo o que fica pelo meio

A Bélgica tem o sistema de correios mais aleatório com que já lidei. A sério.

As cartas escapam a esta observação, já que aí ainda não tive problemas de maior. Mas no que toca a encomendas, há que fazer um esforço grande para não desatar a arrancar cabelos.

Quatro encomendas que já recebi aqui, todas vindas de Portugal. Os correios belgas conseguiram a proeza de dar quatro destinos diferentes a essas encomendas. Da primeira vez, chegou o carteiro e, como não estava ninguém em casa, deixou o normal papelinho para ir levantar aos correios mais próximos. Sim, senhora. O facto de os correios aqui, tal como em Londres, estarem abertos ao sábado, facilita muito as coisas para pessoas que tem um horário das 9h às 17h (no meu caso é das 8h30 às 17h30 mas vai dar ao mesmo).

Da segunda vez, Jesus! Tentaram entregar em casa, falharam, fui obrigada a telefonar para a DHL. "Ah e tal, a senhora vai ter que vir buscar aos nossos armazéns." Que ficam SÓ A UMA HORA DO CENTRO DE BRUXELAS. Senão larga 30 euros e já te vão entregar a casa. Comecei a mal-dizer a hora em que fui na cantiga da Wook e dos portes internacionais grátis...

Da terceira vez, DHL novamente, mas com mais sofisticação. Tentam entregar, falham, enviam mensagem e e-mail a avisar para telefonar e agendar nova entrega. Assim que a carrinha da DHL parou em frente à nossa janela no dia combinado, já estava eu à porta para receber a encomenda. O estafeta olhou-me com o respeito devido a alguém que possui poderes telepáticos e eu respirei de alívio por me entregarem em mãos uma coisa pela qual paguei dez euros de portes.

Quarta vez: recebo novo papelinho para ir levantar aos correios a encomenda cuja entrega - surpresa! - falhou, mas qual não é o meu espanto quando olho a morada e não era o mesmo posto de correios da primeira encomenda. Suspiro gigante. Vejo o caminho no Google, mas porque envolvia autocarros, perdi-me, andei às voltas durante uma hora, lá cheguei à rua certa, suspiro gigante, desta vez de alívio. Qual não é o meu espanto quando descubro que o posto de correios não era um posto de correios mas uma comum papelaria onde carteiros vão meter encomendas cujas entregas falharam. Eeeer... Tudo bem.

Mas voltando à segunda encomenda e aos armazéns da DHL. Como hoje tive tarde livre e já me tinha perdido durante a hora do almoço quando fui buscar a quarta encomenda, decidi aventurar-me e ir reclamar o que era meu. Vi o trajeto no Google maps, como é óbvio, e fiquei surpresa por ver que só precisava de apanhar um tram e um autocarro e que não havia transferências. Ou seja, nada de ter que andar para a rua seguinte ou procurar armazéns um bocadinho mais à frente porque era tudo muito certinho: chegar, trocar, chegar, porta dos armazéns a 40 metros. Aponto na mesma os nomes das paragens, direções dos transportes a tomar e números. O que é que podia correr mal, certo?

Basicamente, tudo o que podia correr mal, correu. Começou logo nos tempos de espera de tram e autocarro, que esqueço-me que não tem a regularidade de um metro, com o bónus de este autocarro ser suburbano e portanto apenas de quarenta em quarenta minutos. Não tinha aqueles painéis jeitosos a dizer quais as paragens seguintes, nem uma voz a avisar "próxima estação: X". Comecei logo a panicar. Sabia que eram cerca de 16 paragens até ao destino, mas ele não pára em todas e portanto a partir da terceira ou quarta já não fazia ideia quantas tinham ficado para trás. "Pergunto ao condutor? Não pergunto?", a viagem toda com esta pergunta a moer-me a consciência. Começámos a entrar numa terra que tinha o nome precisamente da paragem onde eu tinha que parar, mas os nomes que lia de relance nas paragens não se aproximavam do tal. Foi só quando vi uma grande placa com BRUXELLES - BRUSSEL e um risco vermelho por cima, e quando tudo de repente aparece escrito em flamengo, é que eu começo realmente a panicar e decido-me a ir perguntar ao motorista se faltava muito para Diegem. O ar de "pffuuuu!..." dele não me descansou. Estávamos a cinco quilómetros, mas porque já tínhamos passado! De notar que estávamos perto do aeroporto, aqueles locais de ninguém com vias-rápidas largas e cheios de armazéns de carga (e nenhum o da DHL, porra!) que tornam a perspetiva de ter que esperar mais meia hora pelo autocarro de volta e chegar a casa de mãos a abanar nada atrativa. O senhor lá foi muito simpático e disse o que eu tinha que fazer: sair, apanhar autocarro até ao aeroporto e lá esperar pelo 272 que me levaria perto do armazém.

Saio, espero, chega o autocarro para o aeroporto. Entro e pergunto se vai para o aeroporto já que dizia:  Zaventem - Vertrek (que agora sei querer dizer "Partidas e Chegadas"). "Isjngfisuengucht", "Pardon?", "Isjngfisuengucht", volta o motorista a dizer, com um aceno afirmativo da cabeça. Ainda pensei "Epá, este senhor tem um francês mesmo cerrado..." Qual francês! Estava a falar comigo em neerlandês! E acho mesmo que levou a mal eu me dirigir a ele em na língua da Valónia... Única passageira. Só me ocorre um "Isto 'tá bonito..." Só quando começo a ver aviões baixinhos e tabuletas a indicar o aeroporto é que me permito respirar um bocadinho.

No aeroporto, só pensava em voltar para casa. Já tinham passado mais de duas horas, já devia estar a voltar, segundo as contas do Google, mas em vez disso estava ali, com indicações obsoletas num papel, sem fazer ideia onde era o armazém, apenas com a indicação do número de um autocarro, sem fazer ideia de como depois ía voltar (não me apetecia voltar outra vez para o aeroporto; seria pelo menos mais uma hora até casa) e rodeada de palavras escritas somente em neerlandês e de pessoas que olham com má cara quem lhes dirige uma palavra em francês e insistem em continuar palavreado na mesma língua. Eu sei que eu é que estou no país deles, eu que me lixe. Mas é assustador ir-se no mesmo autocarro, passar-se um sinal com BRUXELAS e risco por cima e parecer que se está noutro país porque a língua francesa sumiu. Tive mais 40 minutos para matutar sobre isto.

Finalmente, o 272. Desta vez, de morada do maldito armazém em punho, decidi não cair no mesmo erro e perguntei logo ao início se aquele autocarro passava na DHL e onde tinha de parar. "Não sei.", foi a resposta (pediu-me se podia falar comigo em inglês. Oh meu amigo, faça favor! Menos esforço francófono aqui para a menina!) Ah, e tal, que não fazia ideia porque a DHL tinha inúmeros armazéns na zona circundante ao aeroporto, que a rua que estava no meu papel tinha vários quilómetros de comprimento e que ele não fazia ideia se passaria no número 151. Mas porque eu tinha perguntado uns minutos antes no autocarro errado pelos armazéns da DHL e a motorista indicou-me o autocarro correto e até a paragem lá perto, e quando eu disse o som da paragem houve reconhecimento da parte do motorista (a mim soou-me a "Cánádie", afinal era "Kennedy". Nem comento.) decidi arriscar. Mas o meu passe não dava porque já não estávamos em Bruxelas. Depois de muito rabuscar na mala, reparo que tinha deixado o porta-moedas em casa. A sério que quase desatei a chorar. Mas afinal os autocarros suburbanos belgas tem um sistema muito útil que dá para pagar bilhetes através de SMS, e por sorte uma das redes era precisamente a que eu uso. Ai, a sortezinha.

Lembro-me de ele dizer "Kennedy!" e de eu ser largada na paragem sem fazer ideia nem de onde estava nem onde poderiam ser os armazéns da DHL. A esta altura já eu respirava fundo, conscientemente, numa tentativa de me acalmar: "Sossega, S., o pior que pode acontecer é teres de voltar para a paragem, esperar mais 40 minutos e fazer o caminho inverso até ao aeroporto, relaxa, no máximo daqui a três horas estás em casa."

Quando chego à tal rua com muitos quilómetros e assim que vejo que o armazém em frente era o 141 (o meu papel indicava que a DHL ficava situada no 151), quase desatei num pranto. A correr tenho a certeza que desatei. Largo todo o ar que tinha nos pulmões e vou finalmente buscar os tão inatingíveis livros.

Por um acaso qualquer ou instinto ou que seja, apanhei um autocarro diferente de volta a Bruxelas. Descobri que este é que era o certo. E que me levou exatamente até onde tinha que apanhar o tram para casa.

Conclusão: Não volto a confiar no Google.

Conclusão 2: Vou parar de andar de autocarro. A sério. Já começa a ser ridículo.








S.   

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Ele há coisas.. #20

Já cá fazia falta a observação aleatória. Desta vez, um desenho em tamanho real:




A eterna menina estudiosa que só liga aos livros e descura a depilação e demais embelezamentos hahahaha, olha parece eu!. :D



S.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Por falar em estereótipos

Divirto-me bastante a olhar para os intérpretes nas cabines das salas de conferência. Alguns fazem a interpretação simultânea com a facilidade e o enfado de quem já anda naquilo há muitos anos; outros, de braços cruzados e apoiados sobre a mesa, olham em frente com determinação enquanto falam; outros ainda há que apoiam a cabeça sobre as pontas dos dedos e interpretam o que está a ser dito para a sua língua nativa com uma dedicação e esforço dignos de nota.

Ontem, olho de relance para a cabine IT e o que vejo? O intérprete italiano a gesticular ferverosamente enquanto espalhava palavreado na sua língua, dentro de uma cabine que parecia pequena demais para a sua efusividade.

Mal escondi o riso.





S.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O guia xenófobo sobre os portugueses

Há um tempo atrás deparei-me com uma coleção de livros na papelaria do Parlamento que me captou imediatamente a atenção. Trata-se nada mais nada menos do que guias xenófobos sobre várias nacionalidades. Ou seja, pequenos livrinhos de bolso que versam sobre as características de cada povo europeu sob o olho generalizador de um estrangeiro.

Muito me aborrecia nunca ter encontrado o que eu mais curiosidade tinha em ler: o que versava sobre os portugueses, claro está. Como os livros estavam arrumados numa prateleira giratória sobre o balcão, sempre que ía pagar qualquer coisa mirava-os tentando antever que preconceitos e estereótipos os autores teriam escolhido. Havia o guia xenófobo sobre os franceses, os suecos, os ingleses, os espanhóis, os irlandeses e afins. Foi só quando vi o livro sobre os estónios que pensei "Fogo, se se deram ao trabalho de escrever um guia xenófobo sobre os estónios tem que haver um sobre os portugueses!" Rodopiei o expositor giratório com toda a convicção e o meu coração deu um pulo quando li "Portuguese" na lombada de um dos livrinhos. Juntei-o ao envelope que ía pagar sem hesitação.




E se valeram a pena todos os cêntimos que dei por ele!

A capa começa bem. A antiga caravela mais o galo de Barcelos, como não podia deixar de ser, e até uma camisola da seleção mostra que em princípio os estereótipos estão todos lá. Segue-se um mapa para abrir a narrativa, bastante preciso, por sinal (fora o "The Alentejanas" que não faz muito sentido e que acho que era suposto ser "Os Alentejanos"):




Gosto especialmente do "void" na parte espanhola da Península. E dos "mouros" no norte de África. Depois temos como únicas terras apontadas Lisboa ("lettuce eaters" hahahaha!), Porto ("tripe eaters" hahahahaha!), Fátima e Olivença ("used to be ours"). "Começa bem", pensei logo eu.

Depois temos a brilhante descrição dos portugueses que eu achei acertada e que nos diferencia dos outros sulistas: 

"Podem estar na mesma turma que os europeus do sul, mas os portugueses são os alunos tímidos que se sentam lá atrás na esperança de não dar nas vistas. Ser português significa ser reservado: aquela exuberância gesticuladora pertence aos seus primos mediterrânicos."

...

Muito bem, sim senhora, aplica-se à generalidade dos portugueses que eu conheço. Mas claramente este senhor (inglês) nunca foi ao Norte.

 O livro lê-se numa hora, hora e meia. Ía-me deliciando com cada página que virava. Há coisas que não sei onde o autor foi buscar e que me fizeram exclamar "Hã?!"s mais do que uma vez, e palavras portuguesas mal escritas como "descenrascanço" (que o senhor inglês diz que é no que os portugueses são melhores) que me deram vontade de escrever e-mail para a editora a reclamar "Escrevam essa porcaria em condições!!! E em proofreading, nunca ouviram falar?!", mas no geral está muito bem conseguido. 

Acho que vou abrir nova rubrica para falar um bocadinho destes estereótipos e encher isto de citações do livro só porque sim (I'm lazy and I know it). Logo se vê.



S.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Bélgica é um país tropical

... e eu não sabia. 

Mas após quatro meses, tenho a certeza. Tomai hoje como exemplo: 25-26 graus durante o dia, céu limpo, muito calor (que aqui acima dos 22 já é quente e passado os 25 já se respira com dificuldade devido ao clima húmido); há dez minutos, começou a chover torrencialmente. E agora faz de conta que não foi nada.

Aqui chove todos os dias. E se falha um ou dois, chove a dobrar no próximo, como foi agora o caso. Não interessa que o céu esteja azul todo o dia; daí a dez minutos pode começar a desabar como se não houvesse amanhã. O chapéu de chuva não me sai da mala desde que cheguei. A única vez que saímos de casa sem chapéu - lá está, novatos nestas andanças, vimos o céu azul e, confiantes que era junho, saímos de mãos a abanar, que era só uma horita - apanhámos a maior molha da vida.

Antes de virmos para cá, tinha observado um gráfico meteorológico com as temperaturas médias e precipitação ao longo do ano e qual não foi o meu espanto quando vi que julho e agosto eram precisamente os meses onde chovia mais... Cada vez fico menos surpreendida.

A temperatura média durante o dia ronda os 20º. Há semanas que desisti de consultar a meteorologia porque é sempre a mesma coisa: uma lista com os próximos dias em que aparece 16º-21º; 15º-20º; 14º-21º; e previsão que inclui todas as possibilidades climatéricas (sol, céu nublado, possibilidade de chuva, possibilidade de trovoada). E o certo é que normalmente cada dia inclui todas essas possibilidades. Amanhã não é exceção:



Mas está calor. Dá para andar de manga curta e pernas ao léu. Mais uma vez se comprova a minha teoria de que as temperaturas não são algo absoluto: 27 graus aqui em Bruxelas mal se consegue respirar porque a cidade se transforma numa gigantesca sauna, enquanto em Portugal 27 graus não é nada de especial.



S.

O mercado do Meio-Dia

Ganhámos um novo hábito.

Após quatro meses de muito estrebuchar que as compras de supermercado são muito caras, que a variedade é pouca, que vegetais e fruta custam os olhos da cara e não são nada de especial, de termos descoberto um mercado semanal a dois passos de casa mas depressa concluir que as leguminosas custam o dobro do já caro supermercado, e de estrebuchar mais um bocado, descobrimos o mercado da Gare du Midi.

A Lonely Planet diz que é o maior mercado da Europa (e eu não disputo porque nunca vi nenhum maior - o de Camden não conta porque não é de legumes). Fica mesmo encostado à estação mais importante de Bruxelas, a Gare du Midi, que nos era familiar porque foi a nossa porta de entrada no país e já se tornou portal de idas e vindas para o resto da Europa. 


Serpenteia pelas ruas adjacentes e por debaixo do grande viaduto da estação - frequentemente se sentem e ouvem os comboios a passar por cima - e é enorme. Enorme e muito frequentado.

Da primeira vez que o visitámos, fomos a medo. Eu, apesar do que colegas me tinham dito, ía muito cética. "Legumes e fruta a preços razoáveis e em grande quantidade, aqui em Bruxelas?... Peixe fresco??" Ao sair da estação, como nos deparamos logo com a parte das roupas, calçado e afins, o meu ceticismo saiu reforçado. Mas quando virámos a esquina, caminhámos por debaixo do viaduto e entrámos na zona dos legumes, aí não houve outra reação que não o suspiro de "Finalmente!".

Vale bem a pena aguentar os encontrões, os apertos, o passo em caracol, as fintas aos cotovelos e ombros alheios e a gritaria geral própria de um mercado. Porque eu nunca vi tanta variedade de produtos hortícolas num só espaço. E o peixe fresco também se confirma! Da primeira vez, um polvo foi a única coisa que comprámos. Era a única saudade gastronómica que apertava e, quando o vi, fresquinho em cima da banca de gelo, não hesitei (quis armar em esperta e pedir em francês; não sabendo como se dizia polvo arrisquei um "octopus" porque me parecia perto do latim o suficiente para servir a uma língua latina, mas afinal era "poulpe" - tão parecido com português que logo me envergonhei. Daí que já tenha uma teoria em relação à língua francesa: na dúvida, joga-se a palavra portuguesa que há fortes probabilidades de ser a correta ou muito próxima).

Da segunda vez, já fomos munidos do carrinho de compras para abastecer o frigorífico das verduras para a semana inteira (o mercado do Midi é só ao domingo de manhã. O que complica a transformação da ida esporádica ao mesmo num hábito; são muitos trade-offs: levantar cedo e ir ao mercado ou ficar na caminha; enfrentar a multidão e trazer carrinho cheio de legumes ou contentar com a pouca escolha do Lidl... Difícil, muito difícil). O carrinho veio cheio para casa. Não comprámos mais nada porque o D. olhava incrédulo o meu entusiasmo e interrogava em voz alta como é que tudo aquilo ía caber no nosso mini-frigorífico. 



Resultado: descobri o prazer de cozinhar legumes frescos e até já me aventuro a provar saladas (devagarinho que isto é animal de lenta habituação).

Resultado 2: descobrimos o prazer de substituir bolachas e M&Ms por fruta, e portanto a que trouxemos não durou nem até meados desta semana. Eu defendo que o mini-frigorífico, bem arrumadinho, aguenta com o dobro das verduras que trouxemos...

Conclusão: sim, Bruxelas, de quando em vez, lá me consegue surpreender. E a nossa vida aqui vai-se tornando aos poucos mais inteira.



As fotos são todas cortesia do Google Images porque a lei da sobrevivência e integridade física impede-me de sacar da máquina com toda a calma e pensar sequer em tirar fotos ao que vejo.


S.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Gratidão do Google

Por razões que não são para aqui chamadas - mas que envolvem um vírus manhoso - tive que reinstalar o Google Chrome.

Este é um navegador muito grato...



... mas que roça o demasiado humilde. Se eu estivesse a fazer o download do Internet Explorer é que este me devia agradecer, que aquilo não tem ponta por onde se pegue.




S.

Networking-fobia ou "Porque é que eu nunca irei a lado nenhum"

No geral, não gosto de pessoas. Ou melhor, gosto de observar pessoas, mas desde que elas não queiram interagir e falar comigo e assim.

Pronto. Podia parar por aqui que estas duas frases resumem a minha natureza anti-social. Mas permitam-me elaborar na matéria, até porque hoje foi dia de conferência de empregos para estagiários do PE e a culpa moe-me um bocadinho por dentro. E nada melhor do que uma historieta para ilustrar a primeira afirmação deste post.

O trabalho aqui em Bruxelas mostrou-me, por experiências alheias, que desenvolver uma rede de contactos é crucial para uma pessoa ir a algum lado. Podemos ter o talento e o mérito todo do mundo, mas se ninguém nos conhecer, se não fizermos um esforço por nos promovermos, pouco vale esse talento.

Muitos estagiários levam isto muito a sério e aproveitam cada oportunidade que podem para falarem com pessoas, especialistas, etc, que trabalham nas áreas do seu interesse e ligadas a matérias nas quais gostariam de trabalhar e formar carreira. Muitos têm cartões de visita (literalmente, aqueles business cards com uma espécie de slogan e os contactos da pessoa), outros têm assinatura personalizada nos e-mails. No final das conferências não hesitam em apertar a mão aos experts, apresentam-se com um grande sorriso e sacam do tal business card com um "call me" inscrito na postura e no olhar.

Sim senhora, gente que faz pela vida e não espera que as coisas lhe caíam no colo. (Eu sei que há uma linha ténue entre o networking e a muito familiar e portuguesa cunha, mas para o caso vamos imaginar que isto é tudo legítimo, até porque eu sei que a grande maioria destas pessoas de quem falo não lhes falta mérito académico, linguístico e até profissional.)

Ora, eu vejo estas coisas todas com um misto de surpresa, descrédito e uma pontinha de inveja pela lata que é preciso e que me falta em grande dose. Porque a verdade é que eu sou das pessoas mais socially awkward que conheço. A sério. Odeio conversa de circunstância, tenha brancas com palavras, sou introvertida, ergo uma espécie de barreira invisível à minha volta sempre que conheço pessoas novas e a máxima do "se não tens nada de jeito para dizer mais vale estares calada" é uma espécie de mantra da minha vida. Odeio falar de mim (o blog não conta porque é escrito e não há interação direta). Logo se deduz que o networking seja uma espécie de inferno para uma social misfit como eu.

E no outro dia tive a prova.

Em trabalho, fui assistir a uma conferência aqui ao lado no Comité Económico e Social. Uma coisa muito bem organizada, muito mais populada do que o costume e onde a cada pessoa foi dado um cartão para por ao peito e um papel para meter na ranhura da mesa à nossa frente. Porque, como estão presentes muitas ONGs e outras organizações interessadas, estas conferências funcionam muito como plataformas de ligação para pessoas com os mesmos interesses e a trabalharem nos mesmos assuntos se encontrarem e colaborarem umas com as outras. Para networking, enfim.

Cheguei lá com a minha supervisora e, enquanto esperávamos pelo início, ela meteu conversa com as pessoas da mesa da frente. Em menos de dois minutos, e sem saber bem como, tinha eu três cartões de visita na mão e a outra vazia sem nada para devolver. "Eu sou só estagiária, senhores, parem de olhar para mim como quem espera receber um cartão pomposo de volta!", apetecia-me desabafar. Hoje um dos apresentadores na conferência de empregos ralhou connosco para nunca nos apresentarmos como estagiários, nunca. Que um funcionário também nunca se apresenta como "Estou no grau 86847 e trabalho na Comissão de Justiça". Culpa, culpinha...

À tarde, durante as pausas para café, o networking da sala desenvolvia-se a olhos vistos. Eu, que de manhã tinha apanhado uma crise de fome desgraçada, porque tinha comido às sete da manhã e esta gente acha por bem fazer conferências de cinco horas seguidas sem nenhuns cinco minutos de pausa, decidi aproveitar para sacar da mala e da bolacha e ficar sossegadinha no meu lugar a mirar a míriade de participantes na conferência.

Estava eu a apreciar a minha primeira bolacha, agarradinha à mala e a apaziguar a minha barriga que já gritava "Tu não me faças isto outra vez!... Hipoglicemia não te diz nada, minha menina? Olha que eu digo ao cérebro para se apagar e tu dás um tralho dessa cadeira que nunca mais vais esquecer...", quando um senhor se aproximou da minha mesa e exclama um simpático "Bom dia!".

Juro que tentei não saltar da cadeira e não arregalar muito os olhos de surpresa. Não tenho a certeza que tenha funcionado. Eu repliquei um "Boa tarde" ainda meio surpreso, ao que se seguiu as perguntas da praxe "O que faz aqui em Bruxelas?", "Trabalha para o quê?", etc. No fundo, este senhor viu o meu nome escrito no papel à minha frente, nome portuguezinho da silva, e ficou curioso por saber o que faria uma compatriota naquela conferência.

Ali estava eu, de mala no colo e bolacha na mão, sem saber se me levantava (mala a estorvar), se apertava a mão ao senhor (bolacha na mão, não dá) e a tentar esconder o ar de surpresa por alguém se ter dirigido a mim, ainda mais em português, enquanto respondia às perguntas de introdução a mastigar ainda a primeira dentada da bolacha. Após duas ou três perguntas introdutórias, sem grande seguimento da minha parte, o senhor lá se despediu e foi para o seu lugar. Eu pude acabar a bolacha que entretanto estava a ganhar pó na minha mão e matutar no que se tinha acabado de passar.

No fundo, sou tão má no networking que tem que ser o networking a vir a mim. E ainda assim eu enxoto-o. Sou uma espécie de cúmulo do anti-networking

O à-vontade e a "lata social" são coisas que se treinam. Eu sei disso. Já fui ainda pior e começo a acreditar firmemente que se estivesse mais uns meses aqui no Parlamento desemborrava-se-me a língua a pouco e pouco. No outro dia fiz uma pergunta numa conferência! Está bem que demorei dez minutos até decidir a por o dedo no ar e só estavam umas vinte pessoas na sala, mas o que interessa é que atraí as atenções sobre mim onde elas não foram pedidas, e isso é o mais difícil, como qualquer introvertido sabe.

Próximo passo será uma apresentação de investigação perante plateia de especialistas, quase a chegar. Mas essa será uma hiperventilação para próximo post.







 S.



P.S. Agora é só esperar que o meu futuro empregador, seja ele qual for, não dê de caras com o meu blogue, não perceba um chavelho de português e ignore a existência do Google translate...