segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Cavalgando por 2015 fora

A minha lista de desejos para 2015 é muito modesta. Não quero nenhuma coisa, não quero sequer viajar, nem ganhar dinheiro. Só quero saúdinha nestas pernas para poder correr uma data de corridas que já tenho sonhadas. 
 
2015 vai ser o ano em que vou correr a minha primeira maratona. Vou gastar as minhas passas todas só nesse desejo porque quando penso no próximo ano só penso nisso.
 
Será em Lisboa, em outubro, exatamente o percurso que terei feito nessa altura há cerca de um ano atrás de bicicleta.
 
Mas como isso vai ser só quase no final do ano, antes disso já terei acumulado mais uns dorsais preciosos, espero.
 
 
 
 
Depois da São Silvestre de Lisboa deste sábado, onde quase chorei de pura alegria quando emergi do metro no Marquês de Pombal e vi tanta gente vestida de amarelo e uma das avenidas principais da cidade coberta de gente e sem carro nenhum, é altura de recomeçar os treinos para voltar a correr os 21 km, mas desta vez em bom. O objetivo são os 1h59, e, contando que este ano fiz 2h20, vou ter que comer uns bons espinafres para aguentar a pedalada necessária. Desta vez terei a companhia e o apoio moral do marido e da I., portanto conto não me aborrecer lá para o meio, como aconteceu este ano.
 
 
 
 
 
Estou há algum tempo a querer correr esta corrida, por motivos afetivos e também solidários pela causa, e desta vez calha estar cá em Portugal, por isso vai ser desta. Gostava muito de correr os 10 km e fazer um tempo fixe, mas tendo em conta que é uma semana depois da meia-maratona, temo que ainda estarei em convalescença. Em último caso, caminho os 5 km que também lá há, e junto na mesma a vontade à convalescença.
 
 
12 abril - Corrida dos Sinos (Mafra) 15 km
 
 
Por uma coincidência incrível, as férias da Páscoa do ano académico em 2015 vão de 20 de março a 13 de abril, o que significa que posso prolongar a minha estadia por terras lusas para abarcar a meia-maratona em Lisboa e a corrida da minha terra e assim ir corrê-la mais uma vez. Comer estrada às estradas da minha infância e ter claques de familiares eleva a euforia das provas ao quadrado. O objetivo são os 1h29, menos 6 minutos do que na última.
 
 
 
 
Estava muito preocupada porque entre abril e outubro não tinha nenhuma corrida para ir correr e portanto temia chegar à maratona 'destreinada' do ambiente e da adrenalina das provas. E porque estar meio ano a correr sem nenhum objetivo é desperdício. Descobri uma meia maratona bastante perto do verão e relativamente perto de casa, o mais a meio caminho possível entre a meia-maratona de março e a maratona de outubro. Será um prazer enorme voltar à Escócia, e descobrir Edimburgo através da corrida.
 
junho - descansar, ronha, preguiça, apanhar sol
 
Será o meu mês de férias da corrida, o respirar fundo antes do início da preparação para a maratona, que começará oficialmente a 29 de junho (perdoai-me o planeamento a esta distância, mas eu tiro quase tanto gozo dos planos como das corridas em si).
 
verão - preparação para os 42,129 km Cascais-Lisboa
 
Vai ser um verão duro. Mas um verão é capaz de ser mais fixe para preparar uma maratona do que um inverno. Sempre tenho dias intermináveis e o fantasma do gelo longe de mim. Isto tudo contando que o verão seja maioritariamente passado em terras da rainha, para ter os tais dias intermináveis mas sem o calor abrasador português.
 
18 outubro - MARATONA!!!
 
 
De Cascais ao Parque das Nações, sempre à beira do rio, à parte do facto de ter que se correr umas 4 horas sem parar, deve ser uma experiência do caraças.
 
Será o culminar do meu primeiro ano de planos de corrida a sério, e espero que apenas o fim do início. O meu desejo grande é corrê-la em 3h59, mas não sei ainda se isto é um desejo alcançável para já. Os resultados nas duas meias e depois na preparação para a inteira logo dirão. O meu sonho máximo nisto das corridas é correr a Maratona de Londres, mas acho que estreia na de Lisboa é mais do que apropriado. Londres só se entra por sorteio, correndo por uma organização solidária depois de angariar mais de 1800-2000 libras, ou com tempos do caraças, por isso a maratona rainha terá que esperar.
 
E pronto, o meu 2015 girará à volta destes objetivos.
 
Já agora também gostava de passar a minha confirmation review em maio para passar a ser formalmente aluna de doutoramento e de perceber um bocadinho melhor de alemão daqui a um ano do que percebo agora.




S. 

 

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

À terceira é de vez

Agora que já criei a minha nova rotina à volta das leituras para o doutoramento, consegui voltar a incorporar alemão na minha vida. Com sucesso, posso dizer com confiança, porque a língua já faz parte da nova rotina e já aguentou o passar da novidade, portanto é para ficar.
 
Eu sei exatamente o que preciso para que a terceira tentativa de incursão no alemão seja bem sucedida. Livros de exercícios não é, aulas também não, cursos online ainda menos. Preciso de ler muito, mesmo muito, para que as construções das frases comecem a fazer sentido, as palavras comecem a repetir-se e a aprendizagem se torne o mais intuitiva possível, sem que eu saiba como lá cheguei. Mas como ler com um dicionário ao lado é contra-producente e extremamente aborrecido, o que eu preciso é de ler textos bilingues. Ir lendo o texto em alemão e deixar o olhar deslizar de vez em quando para o lado, para a língua familiar, sempre que estiver mais perdida. Preciso portanto de uma história que eu conheça de trás para a frente, que ainda me dê prazer lê-la, nas versões inglês e alemão.


Exato, nunca houve dúvida de que livro teria a honra. Já tinha tentado uma vez lê-lo em alemão mas não funcionou. Tinha mesmo que ser versão bilingue.
 
Mas não há versão bilingue.
 
Procurei e procurei em todos os canais que me lembrei porque com a popularidade destes livros suspeitei que isto existisse oficialmente, ou que pelo menos já houvesse alguém que tivesse tido a minha ideia, mas nada.
 
Não há, inventa-se. Foi o que acabei por me mentalizar que teria que fazer. Aprender a formatar dois textos de forma a aparecerem exatamente lado a lado numa página e depois transformá-los num ebook.
 
O NOVA Aligner, software dos tradutores, tornou-se o meu melhor amigo. Aquilo alinha automaticamente o melhor que pode os dois ficheiros .pdf mas como os ficheiros vêm de fontes diferentes não bateu quase nada certo. Gastei preciosas horas de vida a alinhar frase a frase o livro.
 
No final, valeu muito a pena. Voilá:



289 páginas de texto alinhadinho, em alemão e inglês. O meu livro de Harry Potter bilingue! :')
 
Já o li, acompanhado da versão audio em alemão, para entender os sons e mergulhar duplamente na língua. Estou muito feliz e sinto que é desta que encarrilo.
 
Agora tenho mais 6 livros para ir alinhar.
(Tenho só que meter cada frase de diálogo por linha e ficam perfeitos.)




S.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Os limites da imaginação humana

Ontem, enquanto assistia ao último filme do The Hobbit, estive agudamente consciente de uma coisa: inventam tanto troll, tanto orc, tanto elfo, tanto verme gigante, tanto anão, tanto hobbit, tanto feiticeiro, mundos mágicos com pormenores intrincados, línguas novas que se criam de raiz, criaturas que são misturas de hienas e cavalos, dragões que falam, mas o que não se consegue inventar nem conceber é uma sociedade - nem que seja de anões, de orcs, de feiticeiros ou de elfos - que não seja patriarcal. As relações de género são as mesmíssimas que no nosso mundo real aborrecido.
(Os exércitos são todos de criaturas do sexo masculino, pouquíssimas personagens femininas e as que há é para enfiar histórias de amor no enredo, ou para serem filhas que gritam muito de horror para serem salvas pelo pai e irmão, a companhia que foi reconquistar a montanha era toda de anões homens + hobbit homem + feiticeiro homem, o previsível "women and children" para o abrigo enquanto os homens lutam, etc.)
 
Mulheres no poder e a fazerem coisas que importam, isso é que era ficção científica.
 




S.
 
 
P.S. Os elfos, ainda assim, parecem a sociedade mais igualitária. Mas para uma espécie tão perfeita, deixam muito a desejar nesses campo.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Somos mesmo uma nação de emigras

Há duas semanas enviei e-mail ao consulado português em Manchester para alterar moradas para poder votar nas legislativas portuguesas e começar a pensar em renovar cartões de cidadão que expiram para o ano. Enviaram-me e-mail há uns dias a dizer que temos marcação para... 11 de março de 2015. A próxima data livre.

Estamos todos cá fora, está visto.

(Faço ideia da espera no consulado português em Londres, o principal.)



S.

domingo, 30 de novembro de 2014

Isto sim, é deprimente

Em vez de me dizerem:

"Não sei como consegues viver num país com o clima inglês", (lol, passo mais frio em Portugal do que nestes países nortenhos e nem consigo dormir de pijama de inverno aqui, benditas casas bem isoladas)

digam antes:

"Não sei como consegues viver num país com tão pouca luz solar no inverno".




São quatro da tarde e ainda temos um mês até ao solstício de inverno para isto piorar.




S.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

O esforço de guerra feminino

Hoje, ia eu muito bem a pensar na vida, quando piso uma placa que me fez voltar para trás:


In recognition of the women of Sheffield who served their city and country by working in the steel industry and factories during World War I and World War II. The people of Sheffield will always remember with gratitude these 'women of steel'. 2011
 
Bonito. É uma placazinha no chão, ao pé de uma árvore, e é muito recente, mas é bonito. Digno de uma cidade industrial, que viu muitos homens partirem para a linha da frente, mas que viu também muitas mulheres a darem o litro na sua terra para que o país aguentasse o esforço de guerra.
 
 
 
 
S.

domingo, 23 de novembro de 2014

Trailer honesto d'A Pequena Sereia

Porque um dos meus passatempos favoritos é embirrar com a Disney e de todas as princesas Disney esta é a que me irrita mais:
 



Eles têm uma seleção incrível de honest trailers para além deste, é espreitar.



S.

sábado, 22 de novembro de 2014

Acabando com o sexismo no futebol, um passo de cada vez




Durante a semana passada vários patrons do clube demitiram-se após o clube ter deixado o ex-violador voltar a treinar, incluindo a campeã olímpica Jessica Ennis-Hill, que pediu para retirarem o nome dela de uma as bancadas do estádio do Sheffield United caso Ched Evans voltasse a integrar formalmente a equipa. Alguns patrocinadores ponderaram retirar o financiamento ao clube.






Chegaram a perguntar ao primeiro-ministro britânico o que é que ele pensava deste caso, durante a cimeira do G20 da semana passada na Austrália.






No final das contas, o clube não aguentou a pressão. Dizem eles no comunicado de ontem isso mesmo, que nunca pensaram que este assunto tomasse as proporções que tomou e que dividisse os adeptos de foma tão fervorosa. E que agora, o clube, muito contra a sua vontade e contra os seus princípios de justiça e igualdade de tratamento de profissões, volta atrás na sua decisão. Culpam a reação mob-like de um grande número de pessoas que esteve contra a integração de Evans de volta na equipa. (Ainda assim a única reação mob-like que veio a público veio de um dos apoiantes de Ched Evans que enviou uma ameaça de violação à campeã olímpica que quis que o seu nome deixasse de ser associado com o clube caso o clube reintegrasse o ex-violador. Enfim, pormenores.)






Entretanto a seleção de futebol feminina inglesa vai fazer história amanhã, ao jogar num estádio Wembley completamente esgotado contra a Alemanha. Prova de que há mercado para o futebol feminino, sim senhora, haja a vontade de o promover eficazmente.



Baby steps; baby steps.






















S.

O feminismo vem até mim

Amanhã à tarde vou ouvir falar três fundadoras das campanhas feministas mais mediáticas aqui do UK:
 
- Lucy-Anne Holmes, que criou a campanha "No More Page 3", uma campanha para que o jornal The Sun, uns dos mais queridos tablóides da zona, acabe com a exposição completamente aleatória de mulheres nuas na sua terceira página.

- Nimco Ali, uma das fundadoras do Daughters of Eve, organização que luta pelos direitos e bem-estar de vítimas de mutilação genital feminina.

 - Laura Bates, jornalista e fundadora do Everyday Sexism, um projeto para as mulheres documentarem e partilharem online as instâncias de assédio sexual e verbal de que são vítimas diariamente.
 
"Celebrating Modern Feminism", cortesia da minha associação de estudantes. Há lá como uma pessoa não amar a sua nova universidade?



S.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A importância de escrever um blog

"Left to ourselves we can all of us keep conflicting ideas in play almost indefinitely, selectively paying attention to what fits our needs of the moment and ignoring the tensions with what we said or thought yesterday, or the day before that. Writing things down in a systematic way is an act of commitment, a decision to firm up and crystallize what we think, to prevent this constant reprocessing and reconfiguring. Like all such resolutions of uncertainty, making this commitment is psychologically difficult, possibly forcing each of us to confront the feebleness or inadequacy of our own thought."
 
 
"Sozinhos todos nós conseguimos manter ideias contraditórias quase indefinidamente, dando atenção seletiva ao que serve as nossas necessidade do momento e ignorando as tensões entre o que dissemos ou pensámos ontem, ou no dia anterior. Escrever as coisas de forma sistemática é um ato de compromisso, uma decisão de cristalizar o que pensamos, para impedir este reprocessar e reconfigurar constante. Tal como todas as resoluções de incerteza, fazer este compromisso é difícil psicologicamente, possivelmente forçando cada um de nós a confrontar a fraqueza ou imperfeição do nosso pensamento."
 
 
Gostei tanto desta citação porque explica perfeitamente a quantidade de posts em rascunho que tenho guardados, e o número de vezes que me apetece escrever sobre um assunto mas me falta coragem. Escrever não é transformar o que pensamos sobre um assunto em palavras, é mais penoso do que isso. Implica escolher uma posição e defendê-la, e, pior, ignorar todas as outras a que também reconhecemos pontos bem-vistos mas que no seu todo nos dizem menos. E isso por vezes implica reconhecer, no final, que a nossa posição não é tão defensável como gostaríamos. E isso é psicologicamente muito desconfortável.
 
 
 

 
 
 
 
S.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Isto nem devia merecer um post

Mas qualquer agulhofóbico sabe o quão sensacional é a seguinte vitória:
 
Fui levar uma vacina hoje, sozinha pela primeira vez na vida. Reformulando: não só tomei a iniciativa de ir levar esta vacina como ainda o fiz desprovida de qualquer coação (i.e. mãe a dizer "tem que ser"). Estou incrivelmente orgulhosa de mim própria.
 
E nem desmaiei! Nem estive nervosa a semana toda anterior, só uns minutinhos na sala de espera, mas o nervoso equivalente a quando queremos que uma coisa passe de vez (reunião, apresentação em público e afins). O fator novidade é capaz de ter ajudado, uma vez que sempre que o meu cérebro resvalava para antecipações detalhadas de "Será que vou sentir o líquido a entrar pelo braço adent... olha este anúncio tão giro sobre a clamídia!" (Sou como as crianças, dá-se-lhes uma distração qualquer fora do comum passa-lhes logo o choro.)
 
Acho que é capaz de ser isto o que eles chamam de envelhecer, não?





S

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Lição de ética

Era uma vez um jogador do Sheffield United chamado Ched Evans. Um dos melhores jogadores da sua geração, marcou muitos golos pelo clube, chegou a ser capitão da seleção do País de Gales, jovem promissor. Aqui há uns anos, foi condenado a 5 anos de prisão por violar uma rapariga e ter convidado os amigos para ver. Os 5 anos passaram a 2,5 e em outubro o jogador foi libertado. O clube nunca quebrou completamente o vínculo laboral (penso que chegou apenas a suspender o contrato com o jogador quando ele foi condenado) e portanto a dúvida para muita gente foi: vai o Sheffield United integrar um violador condenado na equipa? Pode? Deve?
 
Temos uma Associação de Jogadores Profissionais que diz que não só pode como deve. Foram eles que requereram que o clube aceitasse o jogador de volta aos treinos, o que acontecerá ainda esta semana. Há um mês, quando interrogado sobre se o Evans devia voltar a jogar profissionalmente, o representante desta respeitosa instituição deu uma resposta sarcástica do género "não sabia que as pessoas quando cumprem pena de prisão não podem voltar a fazer coisas". Mestre da sensibilidade, portanto.
 
Ele era jogador, foi condenado por um crime, cumpriu a sua pena, volta à sua vidinha. E isto parece-me certo. Uma pessoa não pode ficar irreparavelmente culpada por um erro que cometeu - e pelo qual pagou o preço que a lei estipula - o resto da sua vida. Há que lhe ser dada uma segunda chance, a oportunidade de se reabilitar para a vida em sociedade.
 
E aqui se calhar é que está o problema: ele não acha que fez nada de errado. Nunca pediu desculpa à vítima, continua a declarar-se inocente. Não há como ser reabilitado se não há admissão de culpa.
 
Entretanto o nome dele vai ser cantado todos os domingos, em estádios com milhares de pessoas. Vai ser o ídolo de muito rapaz, de muito adolescente cuja admiração pelo seu talento de chutar uma bola para dentro de uma baliza vai ser misturada com admiração pela pessoa que ele é, o Ched Evans. Ele destruiu a vida de uma rapariga, mas isso vai passar a ser visto apenas como um aborrecimento na vida talentosa deste jogador, no melhor dos cenários um erro que ele cometeu e pelo qual pagou e no pior dos cenários ela será relembrada como a má da fita porque lhe estragou a carreira, a carreira de um promissor jogador de futebol. Assim como acontece com todas as outras vítimas de violação e abuso sexual que estragam as carreiras de famosos apresentadores, políticos, atletas. Como se atrevem, realmente.
 
Pelos vistos, esta rapariga vítima de violação não lhe estragou rigorosamente nada. Suspendeu-lhe a carreira por três anos, coisa menos coisa, mas o lugar no clube estava cá à sua espera quando ele saísse. 
 
Uma petição tem circulado contra o regresso do ex-violador ao Sheffield United, assinada por mais de 150 000 pessoas. Há muita gente que acha que idolatrar homens que violam raparigas não é boa ideia. O clube ainda não se decidiu formalmente se o vai voltar a integrar oficialmente na equipa, mas a permissão para treinar esta semana deixa antever qual será a decisão. Os jornais dizem que a última palavra cabe aos presidentes do clube, dois sauditas, por isso, pronto, já sabemos que são as considerações éticas de anti-violência contra as mulheres que vão singrar sobre a vontade de fazer dinheiro.
 
 
 
 
 
S.
 
 
P.S. Já referi que a maior defensora e promotora da inocência do Ched Evans é nada mais nada menos do que a sua própria namorada? Namorada que já o era aquando do crime, portanto, e mesmo que acreditasse piamente na inocência do seu pombinho, tinha sido traída de uma das formas mais escabrosas que uma pessoa pode ser? Namorada que vem a público defender uma e outra vez que ele devia ser permitido voltar a integrar o Sheffield United e que ele é muito boa pessoa? Valha-nos todos os santinhos contra a perda de respeito próprio.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A Velocidade e a Distância entram num bar e dizem à Altimetria: ...

- "... ah, e tal, a ver se estás quieta!"

A minha mania é que 13 km aqui são iguais a 13 km em Bruxelas. Não são. Especialmente se também vou com considerações de tempo.
 
Pois o que voltou a acontecer? Voltei a ficar manca.
 
Nos primeiros meses de corrida, por esta altura há um ano, andava só feliz que conseguia aguentar cada vez mais quilómetros a correr. Era um percurso plano, planíssimo, a minha volta pela Avenue Louise e mais tarde pelo bairro de Etterbeek. Nunca me ralei com o tempo que demorava, só queria não parar de correr durante N-km. Veio a meia-maratona, veio a lesão, veio a paragem. Veio a viagem de bicicleta, manteve-se a paragem.

Há 3 meses quando recomecei novamente a correr decidi que só a distância já não metia pica, queria ser mais rápida. Como disse há 9 meses, queria voltar a correr os 21 km, mas desta vez em bom.
 
O problema foi que mudar-me para Sheffield dos Picos mudou as condições desta equação. Não só ando a aumentar a carga de quilometragem, como a carga da velocidade, como a carga da altimetria. E o meu corpo não aguenta isto tudo ao mesmo tempo. Vou repetir isto novamente para ver se me convenço a mim própria: NÃO. AGUENTA. TUDO. AO MESMO. TEMPO. 
 
"A semana passada corri 10, esta quero correr 11 ou 12", é sempre a minha lógica. Mas mantendo a velocidade, se possível melhorando. E metendo-me por caminhos desconhecidos que envolvem sempre subidas longas e íngremes como um raio, e descidas semelhantes (o que também é muito amigo das lesões). Ignorar sempre os treinos em que é suposto correr a uma velocidade e distância moderadas porque, oh, se já fiz esses km e tempo antes, o que é que vou estar a treinar, então? Boooring.
 
Nunca dou tempo nem espaço ao meu corpo para se habituar às três novas coisas, mantendo-as as três constantes uma vez ou outra. E o que acontece? A perna do costume a acender-se com as lesões do costume, tipo árvore de natal: canela, PLIM!, joelho, PLIM!, anca, PLIM!. E lá fica a corrida suspensa por uns tempos.
 
A medida não pode ser só o fôlego, a mecânica da coisa ainda é mais frágil e importante. Tenho que ser mais esperta do que isto, e aprender deu uma vez por todas que a paciência é uma virtude. E dar um bocadinho mais respeito ao meu corpo do que isto. Ele merece. E ele chega lá, eu sei.
 




S.

De volta às origens

Acabei de ler há dias um dos livros mais interessantes que li nos últimos tempos, o The Descent of Woman: The Classical Study of Evolution. Já tem uns aninhos - foi publicado em 1972 - mas é absolutamente brilhante. Foi o primeiro livro a elevar a fêmea humana a um papel igual ao do macho humano na evolução da espécie. E arrasa muitos mitos andropocêntricos da evolução para lhes dar uma explicação mais conforme com a sobrevivência da espécie - tipo, as mamas, por exemplo - ao invés da explicação centrada no que o macho quer e deseja.
 
Já agora, e por falar em androcentrismos, é por isto que são necessárias coisas como estudos das mulheres, estudos de género, estudos pós-coloniais, etc. A Ciência, muito longe de ser uma coisa objetiva e imparcial, está carregadinha de androcentrismos. As perguntas que apresentamos e as respostas que propomos estão tragicamente presas ao que somos e à nossa experiência. E ao longo destes recentes séculos em que se andou a fazer Ciência, quem somos e essa experiência tem sido esmagadoramente a de um homem branco, ocidental e de classe média. E essa perspetiva, por muito difícil que nos possa parecer, não é especialmente mais imparcial ou objetiva do que qualquer outra. As teorias apresentadas para aspetos da evolução humana, que Elaine Morgan tenta contra-argumentar, são um belíssimo exemplo disto.
 
Mas bom, voltando ao livro. Curiosamente, o que mais me fascinou não foi a elevação que Elaine deu à mulher na evolução humana - evolução essa que está intimamente ligada ao aspeto reprodutivo da fêmea, como não podia deixar de ser - mas sim à teoria que ela apresenta para defender grande parte dessas contribuições femininas. A teoria não é dela, já tinha sido proposta antes por um patologista alemão e por um biólogo marinho nos anos 60 mas que não teve grande atenção porque refutava demasiados mitos da nossa evolução como a importância de termos começado a caçar para a organização política e social da espécie, ou o termo-nos posto em pé para vermos mais longe na savana, e as modificações no corpo da fêmea terem-se dado como forma de agradar ao macho. 
 
Chama-se the aquatic ape theory e é completamente fascinante. Como o nome indica, o argumento central propõe que houve uma dada altura na evolução humana que os nossos antepassados passaram a passar grande parte do seu tempo na água. E quase que lá ficavam permanentemente, mas não, regressaram à terra. E é por isso que somos uma espécie de golfinhos mal acabados. O nosso corpo começou a adotar mecanismos dos mamíferos marinhos - ausência de pêlos, aparelho reprodutor e sexual ainda mais recuado para dentro do corpo (no caso das fêmeas), membranas entre os dedos, lágrimas salgadas para diminuir a quantidade de sódio ingerido - mas sem os ter desenvolvido até à perfeição porque entretanto voltámos para a terra (não conseguimos aguentar o tempo que outros mamíferos marinhos aguentam sem respirar denaixo de água, por exemplo. Nem chegámos ao ponto de transformar pés e mãos em barbatanas. Mas abram o polegar e o indicador; ela está lá!). Só uma alteração tão brusca de habitat poderia justificar a diferença evolutiva tão rápida entre nós e outros primatas próximos. E essa diferença brusca é o meio aquático, empurrados para lá pela mudança climatérica do Plioceno, defende Elaine.
 
Vamos lá ver, nós não nos tornámos animais completamente marinhos. Mas a praia passou a ser o nosso habitat. Passávamos muito tempo dentro de água, inicialmente para afugentar predadores que não gostam nada de se molhar, como os grandes felinos. Como não sabíamos respirar dentro de água, começámos a aprender a andar nos dois pés, para conseguirmos ir mais para dentro do mar. Começámos a morar em cavernas, coisa que não falta na linha de costa. Aprendemos a usar seixos como ferramentas (são sempre seixos, as ferramentas encontradas junto aos nossos antepassados) porque isso não falta na praia. Perdemos o pêlo, porque realmente na água ele não dá jeito nenhum (o pêlo! Ninguém tem uma história convincente sobre termos perdido o pêlo. Quer dizer, temos pêlo para nos aquecermos naturalmente, perdemos o pêlo e depois temos que andar a arranjar pêlos de outros animais porque temos frio à mesma? Que aspeto tão parvo da evolução, se tirarmos o habitat água da equação). Criámos uma camada subcutânea de gordura ao mesmo tempo que perdemos o pêlo, tal e qual como os outros mamíferos marinhos. Criámos um mecanismo, que mais nenhum primata tem porque nunca precisou dele, para compensarmos as golfadas de água salgada que dávamos: as lágrimas (salgadas). Temos um medo irracional de cobras porque temos a mania que são viscosas (a pele de uma cobra é seca, sequinha, mas a de uma enguia já não). E por aí fora
 
E eu acho isto espetacular não só porque explica tanta coisa de forma tão convincente, incluíndo coisas ainda inexplicadas pela teoria do caçador, mas também porque me faz espécie como é que isto nunca foi pegado seriamente e sistematicamente pelo establishment científico. É que depois do livro publicado, não houve nem aceitação nem tentativas sérias de contra-argumentar a teoria do macaco aquático. Silêncio, só. Certamente mudaria demasiado a narrativa estabelecida da evolução humana.
 
Eu pela parte que me toca agora sempre que vou à natação tenho a mania de esfregar as mãos de contente e apetecer-me gritar "BACK TO BASICS, BABY!". Ponho creme nos braços com pêlos escassos e fininhos e penso com tristeza "Estivemos quase, quase! a transformar-nos em golfinhos, que pena termos voltado para terra..."




S.       

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Portugueses bravos descobridores

- "Então, de onde vens?"
- "Eu sou da Malásia, e tu?"
- "Sou de Portugal."
- "Ah, que engraçado, os portugueses foram o primeiro povo a colonizar a Malásia."
- "..."
 
O que é que uma pessoa responde a isto?
 
a) "Ah, que giro, não foi isso que aprendi na escola. Na escola ensinam-nos que os portugueses não colonizaram coisas, 'descobriram-nas'."
 
b) "Ai sim, onde fica a Malásia, mesmo? Nós colonizámos tanta coisa que é difícil manter registo de tudo."
 
c) "Agora somos nós os colonizados, já não colonizamos ninguém."
 
(As três passaram-me pela cabeça, mas só uma viu a luz do dia.)
 
Normalmente o que se segue à resposta "Sou de Portugal" é um par de olhos muito abertos e um "Uau, a sério?". Ainda não tinha conhecido ninguém da Malásia.





S.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Último estado da evolução

Vamos lá ver: eu sou uma pessoa que ama dormir. Mas ama, mesmo, do género não ter vontade de sair da cama quando não tem nenhum horário a cumprir. Abraçar a almofada, enroscar no edredão, estas são duas das minhas coisas preferidas neste mundo. Um bocadinho abaixo de crepes com Nutella, mas não muito, e bastante acima de correr.
 
Em quantos e quantos domingos, o meu dia semanal da corrida longa, eu adiei a hora da partida para além do meio-dia para conseguir dar mais um abraço à almofada, mais um suspirozinho de contentamento por estar deitadinha sem fazer nenhum. Por quantos e quantos fins de tarde esperei eu este verão até que estivesse fresco o suficiente para poder ir dar uma corrida, sem nunca ter esperado por uma madrugada para obter o mesmo efeito. Quantas e quantas vezes olhei com a admiração reservada a heróis atletas que se levantam às 5, 6 da manhã para irem correr por essas estradas e matos afora, especialmente no inverno.
 
Por isso, quando, hoje, pela primeiríssima vez na vida, me levantei da cama às 7 da manhã para ir correr antes das aulas, percebi que a minha evolução está completa. Tornei-me uma daquelas pessoas.
 
 
 
 
 
"Completing a PhD is a marathon", disse o outro, numa das primeiras coisas que ouvi quando cheguei à universidade. Hahahaha, ai é? Então já são duas! :D





S.

domingo, 26 de outubro de 2014

Tenho a mesa cheia de feminismo

Ainda estou a ressacar da minha primeira conferência feminista de ontem, em Londres. Tenho o computador rodeado de panfletos sobre organizações, campanhas e mulheres incríveis, que catalogo diligentemente no meu caderno de notas virtual, para futuro contacto.
 
O PhD não é um mar de rosinhas, não senhor (decisões, decisões, só decisões), mas caramba, se calhar todos os investigadores que nos dizem constantemente que os anos de doutoramento são os mais livres e felizes da nossa vida profissional têm razão.
 
 
 
 
 
 
S.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Forever young

Aquele momento embaraçoso em que percebes que, não, passados quatro anos desde a última vez que te pediram o BI para comprar uma coisa, ainda não pareces ter mais de 18 anos.
 
(Pediram-me BI para poder comprar um conjunto de facas de cozinha.)
 

(Isto é outra vez por causa do health and safety, maníacos do caraças.)


S.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Despertares, bicicletas e alarmes

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O alarme soou ainda não eram oito da manhã. Estridente e omnipresente, é das piores maneiras de arrancar o cérebro à terra dos sonhos. Estremunhada e aflita, sabia o que fazer: calçar os primeiros sapatos que encontrasse, vestir o roupão, resgatar a chave do fundo da mala, e dirigir-me para a rua o mais rápido possível. Sob pena de a universidade achar que o pessoal desta residência é demasiado lento para seu próprio bem e decidir repetir a simulação de incêndio à surpresa. Tive sorte: houve pessoas que foram apanhadas pelo alarme a meio do banho. A manhã fria não convidava a cabeças molhadas e chinelos enfiados à pressa nos pés nus.
 
O zelo que os britânicos têm pelo health and safety roça a paranóia. É o cobertor apaga-fogos na parede da cozinha. As simulações de incêndio anuais, pré-avisadas e com passos muito detalhados que têm que ser cumpridos sob pena de repetição. As reuniões que começam com a informação à la assistente de bordo de onde se encontram as saídas de emergência. É o não poder usar a sala de estudantes fora de horas sem primeiro tirar um curso online sobre segurança e o que fazer em caso de emergência. São as inspeções aos apartamentos para medir a temperatura dos quartos e da caldeira. É o autocolante que todos os aparelhos elétricos (até o ferro de engomar, até a torradeira, até a chaleira) aqui de casa têm em como foram inspecionados em maio de 2014. É o terem enviado um email a avisar que o alarme de incêndio da residência tinha que ser arranjado e que NINGUÉM podia usar qualquer aparelho elétrico durante a hora e meia que durou o arranjo.
 
Eu gosto muito do controlo sistemático que eles têm sobre o caos logístico do dia-a-dia - especialmente depois da experiência belga, que continua a infiltrar-se nas nossas vidas de formas inesperadas - mas isto é um bocadinho demais.
 
 
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Hoje saltei da cama sem precisar de nenhum alarme estridente de incêndio, só pela prospetiva de ir pedalar pela primeira vez na minha nova bicicleta, na minha nova terra, até às minhas novas aulas. Estava nervosa; não pegava numa bicicleta desde Sagres.
 
Mas não precisava de estar. Descida a rua e assim que curvei para a agora especial Manchester Rd, o nervosismo foi-se embora e o júbilo instalou-se. Estava a cair aquela chuvinha irritante, as minhas pernas estavam a ficar todas molhadas e o trânsito foi maior do que o que eu estava à espera, mas a alegria francamente primária de estar novamente a pedalar numa cidade abafou o desconforto. Também porque o caminho foi quase todo a descer. Mas isso não é para aqui chamado; o que importa é que já regressei aos meus commutes de bicicleta e eles funcionam.
 
A Queeny Papa-Léguas portou-se muito bem; é leve como um raio, a miúda, e responde demasiado rápido aos meus movimentos. E é tão pequenina e maneirinha. Deve ser uma vista muito gira, eu, com o meu metro e meio, capacete de patins de criança, a conduzir uma mini-bike pela cidade fora. Quem me dera ter mantido a capa de dementor, para dar um ar mais sério (mas depois talvez ficasse só a parecer um hobbit azul, teria o efeito contrário). Considerações de aparência à parte: é a coisa mais parecida com voar. A rolar num objeto tão pequeno por aí fora, deve ser muito parecido com voar numa vassoura (baixinho).
 
Nota-se muito a euforia ainda?
 
Para cá já não me senti a voar numa vassoura, a força da gravidade já não estava do meu lado. As colinas de Sheffield mostraram que não estão para mariquices de viagens de bicicleta facilitadas e eu cheguei ao meu destino sem fôlego, a suar e com os músculos por cima do joelho a latejar. Pensei que fosse pior, ainda assim. É só porque estou destreinada, nada a apontar ao outro bicho. A QPL está aí para as curvas, e para os altos, e para os baixos.





S. 

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Sexismo onde menos se espera #3

Aaah, estereótipos em livros universitários:



O géniozinho da estatística e a menina que odeia números e estatísticas.

 
(Há meninas que não odeiam números e até se inscrevem em mais disciplinas de números do que é esperado delas. É isso mesmo: esta menina aqui não só não tem medo de números como ainda lhes vai dar uma festinha e trazê-los para casa domesticados, a ronronar. O orgulho de tantas pessoas de letras de que "não tenho jeito nenhum para matemática" arrepia.)





S.

domingo, 12 de outubro de 2014

Verdura citadin... (qual citadina, qual quê!)

Hoje fiz a minha primeira corrida de reconhecimento em Sheffield. Caramba, que agora já senti na pele o que move os atletas de trilhos.
 
Não foi a primeira vez que corri pela cidade, nem que descobri novos sítios a correr aqui. Aliás, todas as novas zonas da cidade que descobri foram durante corridas. Sendo o centro de Sheffield bastante pequeno e tudo o resto zonas residenciais, falta-me pretextos para ir a essas novas zonas. A corrida é o melhor deles todos. Não foi assim a primeira vez que corri na nova terra mas foi a primeira vez que corri por sítios tão fora do nucleozinho central da nova terra.
 
Andava a sonhar com o passeio de hoje há vários meses, muito antes de me ter mudado para aqui. No Google Maps, Sheffield fica tentadoramente perto de uma mancha verde enorme que promete uma Inglaterra natural e paisagens de uma beleza incrível. Fica perto o suficiente para se poder pensar em visitar a tal mancha verde sem necessitar de transportes mas longe o suficiente para não compensar o tempo que se leva a ir até lá a pé. A não ser que se vá a pé mas um bocadinho mais depressa.
 


 
Foi a mancha verde que este verão me motivou a voltar a passar a marca dos 10 km na corrida. Quando conseguisse correr os 10 km já poderia ir tocar a mancha verde e voltar para trás.
 
E foi precisamente isso que fiz hoje.
 
Estudei muito bem o mapa, o caminho até às portas do Peak District e o caminho alternativo de volta - que se é para passear é para ver coisas o mais diferente possível. Estudei o nome das ruas onde tinha que cortar, a distância aproximada entre elas para saber quando as devia esperar (que seria contada pelo fiel Garmin), e lá saí de casa armada do telemóvel, chaves de casa e quatro libras caso precisasse de apanhar o autocarro de volta. O Street View do Google Maps serviu para ter uma ideia do que esperar em termos de paisagem, tipo de estradas e altimetria da coisa. Por isso já tinha ideia do que ia ver.


 
Não desapontou. O sol deu o ar da sua graça toda a manhã e eu pude apreciar o verde verdejante das colinas aqui da zona e o mais raro azul claro do céu limpo.

A primeira parte do trajeto foi feita pela Manchester Road, uma estrada bastante importante e comprida que liga Sheffield a Manchester atravessando todo o Peak District. Gosto da auto-evidência do nome.


Para lá...


... e para cá:




O ponto de retorno foram as barragens do Rivelin, uns enormes reservatórios de água já no parque que suspeito serem a fonte de abastecimento de água aqui da zona.


Assim que as avistei foi altura de voltar para trás, fazendo o caminho inverso por uma estrada mais ou menos paralela, que corre um bocadinho mais a norte do que a Manchester Road. Diz que era o vale do Rivelin e por isso foram uns bons quilómetros sempre a descer.
 
Cá está o rio Rivelin:


E uma vaca peluda:


Claro que se desceu vai ter que subir e eu estava preparada mentalmente para onde iria recuperar todos aqueles quilómetros fáceis: numa rua também ela de nome auto-evidente, a Hagg Hill.
 
Não sabia era que os iria recuperar tão rapidamente. Uma inclinação como nunca vi, impossível de a correr. Caminhá-la fez pior às minhas pernas do que os 10 km que já havia corrido até ali. Ou fez melhor, consoante a perspetiva.
 
Olhai a montanha-russa que foi o passeio domingueiro:


(Eu não sou trilheira portanto não estou habituada a gráficos como estes. Nem na nossa viagem de bicicleta consegui linhas de altimetria tão acentuadas, abençoado Sheffield.)
 
Mas uma vez chegada lá acima houve recompensa, e das grandes:






Rica vista, sim senhora.
 
Isto para dizer que, sim senhora, tendo este tipo de caminhos e paisagens para descobrir então está-se muito bem aqui.





S.



quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Sheffield Geographic

Esquilos no jardim:



Coelhos:



No outro dia viemos a correr atrás de uma raposa, que entretanto se escapuliu para dentro de um quintal.
 
Tenho que deixar de dizer que vivo numa cidade.




S.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A barraca das bicicletas


Assim que soube que nos iamos mudar para Sheffield comecei a procurar formas de manter o hábito de me deslocar para o trabalho de bicicleta. Em Bruxelas ganhei-o e reconheço que é das formas mais baratas e fáceis de uma pessoa se deslocar numa cidade. Especialmente uma cidade relativamente pequena e sem metro, como Sheffield.  
 
Bruxelas tem a rede maravilhosa e incrivelmente extensa de bicicletas de aluguer, o Villo!, que torna a combinação de transportes muito fácil e útil. Às vezes ia de bicicleta e vinha a pé, ou ia de metro e vinha de bicicleta, ou ia a pé uma parte do caminho e de bicicleta o resto, conforme me desse na real gana e consoante o que a meteorologia ditasse. Alugar as bicicletas nas estações espalhadas pelas ruas da cidade tornava a coisa mesmo cómoda e sem a obrigação do "se levar a bicicleta, depois tenho de a trazer". Preocupações com roubo, zero; com arranjos, idem, uma vez que era só estacionar a bicicleta numa das estações e rodar o assento para trás, de forma a sinalizar às carrinhas de manutenção que aquela bicicleta tinha qualquer coisa de errado. Era mesmo uma situação perfeita.
 
Ora, Sheffield não tem nada disto. Soube logo que se quisesse manter os meus hábitos de ciclista urbana teria que comprar a minha própria bicicleta. A questão principal, claro está, foi: que tipo de bicicleta? Gostei especialmente que o website da universidade tivesse uma secção com conselhos aos ciclistas, e mais concretamente que dissesse que em Sheffield todas as bicicletas têm que ter mudanças. Que essas pessoas que vêm das flatlands não pensassem que aqui uma bicicleta urbana de mudança única servia. Ri-me muito porque pensei logo em Londres e na incrível planez de que estive consciente o caminho todo na minha experiência londrina de ciclismo urbano. Caramba, que ali nunca se toca mesmo no manípulo das mudanças! Basicamente o website quase nos advertia que deveríamos escolher uma bicicleta de montanha.
 
Mas a minha dúvida sempre esteve fundamentalmente entre comprar uma desdobrável ou uma normal. Desde que comecei a pedalar na cidade que sonho com uma desdobrável. A desdobrável promete portabilidade, comodidade, combinação de transportes, mais uma vez. Podia levá-la no comboio quando fosse a Londres, podia levá-la no avião quando fosse a Portugal, podia levá-la no autocarro se não me apetecesse fazer o caminho universidade-casa a pedalar. É só desengatar um manípulo e lá está ela dobrada ao meio.
 
Claro que o problema de uma desdobrável é a fragilidade da coisa. Uma coisa que se desengata e volta a engatar muitas vezes tem que ser mesmo boa ou corre o risco de se desengatar quando menos queremos. Nomeadamente quando estamos a pedalar, no meio da estrada. Neste sentido, uma bicicleta normal é mais robusta e dá uma sensação de maior segurança. Estava ciente de que as desdobráveis mesmo boas começam nos mil euros para cima. Estava também ciente de que nunca daria esse dinheiro por uma bicicleta. Muito menos com orçamento de estudante. Mais: estava ciente de que uma bicicleta boa normal também vai parar acima dos 500 euros, pelo menos. E que nunca daria esse dinheiro por uma bicicleta, ainda por cima que não me oferecesse portabilidade. Portanto a decisão foi tomada rapidamente, para dizer a verdade.  
 
Ganhou a desdobrável. Não a de mil euros, bem entendido, mas uma das mais em conta e depois de uma extensa pesquisa e avaliação de prós e contras e do quanto estava eu disposta a pagar a mais por específicos prós. O marketplace da Amazon acabou por ser o escolhido para encomendar a nova riquinha.
 
Chegou ela numa caixa enorme, dobrada a meio e com pneus vazios. A salvação foi uma coisa maravilhosa de que cedo descobri a existência: o Cycle Hut.


Esta espécie de contentor onde se arranjam bicicletas é um serviço gratuito da Universidade de Sheffield aos seus alunos e empregados para incentivar o uso da bicicleta na cidade. Basicamente os mecânicos diligentes fazem reparações e check-ups de segurança às bicicletas dos alunos, de forma gratuita, às terças e quintas-feiras. A iniciativa e os próprios mecânicos especializados são financiados pela política de transportes da universidade. Ou seja, basicamente funciona assim: o dinheiro que a universidade ganha com as tarifas dos seus parques de estacionamento vai para aqui. 
 
Há lá como não amar isto?


Entretanto já levei a Queeny Papa-Léguas ao senhor doutor, e em boa altura o fiz, já que o manípulo que prende o guiador na posição vertical está a modos que precário. Não me apetece muito estar a pedalar e de repente ficar sem guiador, de maneira que ainda não a estreei. Mas nunca a comodidade de dobrar a bicicleta a meio e a enfiar no autocarro será mais apreciada do que quando a levei ao Cycle Hut.
 
Entretanto, e enquanto a peça nova não chega, tenho andado, num processo lento e estupidamente contra-intuitivo, a mentalizar-me de que aqui se conduz do outro lado da estrada. A palavra-chave aqui é ESQUERDA: lado esquerdo da estrada, encostada sempre o mais à esquerda possível, nas viragens de direção, voltar a encostar à esquerda. Ainda tenho a sensação inconsciente - demasiadas vezes - de que este carro vai em contra-mão, ou de que devo esperar os carros daquele lado da estrada e ficar surpreendida quando um passa rente a mim quando caminho no passeio esquerdo da estrada. Sinto-me canhota ao quadrado.




S.



segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A minoria que importa

Que o feminismo também traz benefícios aos homens não deveria ser espanto para ninguém. Mas certamente que um movimento que tem como objetivo a melhoria das condições de vida de mais de metade da população não deveria necessitar de mais nenhuma validação que essa mesma.
 
A constante necessidade de se tentar demonstrar que os homens também ganham com o feminismo torna-se a prova de que um movimento de mulheres para mulheres é insuficiente, imperfeito, pequenino. Não importa quão grande seja a percentagem da população beneficiada.   







S.

sábado, 27 de setembro de 2014

Team York



Claro que assim que soube que se estava a preparar uma corrida em Sheffield tive que me ir lá meter no meio. Como não, se conjuga duas das minhas coisas preferidas deste mundo: correr e explorar uma cidade nova?

Com o que eu não contava era que isto fosse uma corrida à la Guerra das Rosas com as grandes famílias de York e Lancaster a competirem na estrada. Pedem-nos para escolher a equipa na inscrição, e tudo.



Orgulhosa Yorkista, há que honrar o novo condado e a família da rosa branca.

Ou seja, não só amanhã vou correr oficialmente pela primeira vez na minha nova terra como ainda tenho direito a uma entrada imaginária no mundo da Inglaterra pré-Tudor.
 
E como cereja no topo do bolo,  esta foi a primeira vez em quatro corridas que personalizaram o dorsal com o nome. Já não sou o 3114, sou a Sara. :)
 
#EdepoisnãoqueremqueeugostedeviveremInglaterra 




S.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Primeiras impressões de Sheffield

Agora sou uma pessoa do norte. Tudo o que fica acima de Londres para os ingleses é norte de Inglaterra, de maneira que Sheffield, ainda que sendo South Yorkshire, é norte. As pessoas têm sotaque do norte - fonte de risadas para os habitantes da capital e south-easterners, onde é que eu já vi este filme -, o clima é do norte, as pessoas são incomparavelmente mais afáveis e simpáticas mas, infelizmente para mim, menos compreensíveis. Se os britânicos em geral parece que falam com uma batata dentro da boca, aqui então parece que a têm a meio da garganta e estão a tentar equilibrá-la para que não vá para baixo nem para fora. Não sou novata em sotaques estranhos (nos dois anos passados lidei bastante com o escocês) mas pelos vistos eles são muitos e cada um precisa da sua dose de afinamento do ouvido. Sei que não tarda muito vou andar a dizer "nô", em vez de "nou" e "haiá" em vez de "hai" mas isso será incomparavelmente menos dramático do que começar a tratar toda a gente por love. "Are you alright there, love?", "Cheers, love", "How can I help, love?" são tudo frases já mais do que ouvidas nestes nossos três primeiros dias em Yorkshire. Todos os comerciantes, homens ou mulheres, tratam os seus clientes, homens ou mulheres, por "lôf". Tinha uma vaga noção disto, mas não sabia que era uma expressão utilizada tão assiduamente e tão indiscriminadamente. Só ainda nunca a ouvi ser usada entre comerciante homem - cliente homem... Cá estarei para certificar que ela é mesmo inconsequente quando isso acontecer.
 
Sheffield é uma cidade incrivelmente segura e pacata. Diz que é a quarta maior cidade inglesa e a mais segura em termos de grandes cidades. É muito homogénea. Depois de Londres e Bruxelas, Sheffield faz-nos impressão pela quantidade de caras brancas que a compõem. Temo que precisamente pela falta de diversidade étnica isto seja um daqueles bastiões do velho orgulho nacionalista inglês, do orgulhosamente sós e do desdém pelos estrangeiros e pela União Europeia, ou pior, que grande maioria da população apoie o UKIP. Não sei se conseguirira ser feliz num sítio assim. Acho que o que salva Sheffield é precisamente a universidade, uma realidade omnipresente em toda a cidade a começar pela quantidade enorme de edifícios dispersos pela cidade que ostentam o símbolo da Universidade de Sheffield: departamentos disto, departamentos daquilo, residências aqui e acolá, o gigantesco complexo desportivo frequentado por toda a comunidade. Os milhares de alunos de todos os cantos do mundo garantem que os habitantes de Sheffield têm convivência com outras culturas, uma lufada de ar fresco no que de contrário seria uma aborrecida homogeneidade de white British, como eles categorizam nos censos.
 
Apesar de ser a quarta maior cidade inglesa, depois de Londres, Manchester e Birmingham, o centro de Sheffield é bastante pequeno. Suspeito que sejam os subúrbios populosos de casas de tijolo castanho e arvoredo com fartura os responsáveis pela classificação. A cidade é incrivelmente verde. 90% das vezes não parece que estamos sequer numa cidade. Mais uma vez, depois de Londres e Bruxelas isto é um choque. Não sei se bom ou mau. Estamos surpreendidos pela positiva para já, não sei se há potencial para isto nos aborrecer. Por falar em choques, e a altimetria de montanha-russa desta cidade, senhores? Olha-se para o fundo de uma rua não para a frente, mas sim para cima, ou para baixo. Sei que estamos às portas do Peak District, a Área dos Picos, mas pensei que as palavras-chave aqui eram "às portas do" e não necessariamente "Peak". Vou sair daqui uma corredora com umas pernas e um fôlego que faz favor.
 
A nossa casa tem muitas janelas. Não estou habituada a ter muitas janelas. Até a casa-de-banho tem janela, que coisa rara! E portas. As nossas casas têm sempre só uma porta, a da casa-de-banho. Esta tem demasiadas: no corredor, sala, roupeiros, quarto. Estamos a ficar crescidos, oh, a viver em casas de gente grande. :')
 
Tinha-me esquecido da palidez incrível do céu daqui, que mesmo quando chegámos e quando estava limpo, estivemos uns bons minutos a tentar certificar-nos que estava mesmo limpo ou se não haveria ali uma camada fininha de nuvens brancas a empalidecê-lo (estava mesmo limpo). Entretanto já choveu, já caiu aquela chuvinha molha-patos, o céu limpo nem vê-lo. O verde predominante da vegetação não é por acaso. A cidade é sombria e escura como todas as cidades britânicas, tão diferente de Lisboa, tão diferente de Bruxelas.
 
Entretanto aprendi que Sheffield é a cidade orgulhosamente inventora do aço inoxidável, facto apresentado com honra logo na parede da estação de comboios. Já não olho para os meus talheres de stainless steel da mesma maneira. 



imagem retirada da internet




S