sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Feliz Ano Novo

A silly season está mesmo, mesmo a acabar - e ainda bem porque já estou farta da expressão silly season. Porque eu ainda não consegui descolar da mentalidade de ano letivo, e setembro deixa-me um ano mais velha e por isso é mês de rito de passagem, e eu este ano estou cheia de pica e vontade de fazer coisas, aqui fica a minha lista de desejos para o Ano Letivo Novo até ao Ano Novo:

- É mesmo desta que vou recomeçar a minha aprendizagem do alemão. Vou voltar aos cartõezinhos com palavras para decorar os géneros, vou voltar às tabelas com as declinações, vou voltar aos livros com histórias Disney em alemão. Não quero saber que vivo numa cidade bilingue mas em que nenhuma das línguas oficiais é a germânica, não quero saber que ainda teria muito francês para aperfeiçoar e que ainda não consigo manter uma conversa de jeito na língua dos gauleses, nem quero saber que aqui vou ter que ir através da língua francesa para chegar à alemã. Desejos recorrentes e que duram anos ganham pontos pela persistência e merecem ser elevados à categoria de concretizados. E o francês, sinceramente, não me dá pica. Longe de dominada mas demasiado familiar. E posso sempre consolar-me com o facto de que o alemão - descobri-o há pouco - é a terceira língua oficial da Bélgica.

- Em dezembro vou correr nove quilómetros numa hora. Em termos humanos, nada de especial, mas como diz o outro, o que interessa não é ser superior aos outros, é ser superior ao que já fomos. E eu já fui uma pessoa que corria cinco minutos e ficava com o peito a rebentar (não estou a dramatizar). Conseguir a hora redondinha vai-me deixar orgulhosa porque, ao contrário de estudos e coiso, sempre foi uma coisa que eu acreditei nunca conseguir. Suspeito que me vai deixar mais orgulhosa do que o dia em que eu conseguir ler um livro em alemão pela primeira vez (mesmo que seja uma história Disney).

- Antes de 2013 acabar, terei a minha candidatura a doutoramento completa. E fora do meu controlo. Mais um passarinho que enviarei por essa janela à espera que me traga um raminho de oliveira no bico.

- Terei acabado de ler o European Feminisms 1700-1950. (Irra, que a porcaria do livro não me larga!)

- Terei acabado o meu primeiro curso da Coursera. Após três tentativas falhadas. 

- Terei aprendido a gostar de mais um legume cru. Após o básico tomate e alface. 

- Terei visitado Bruges. Após 30287 tentativas falhadas.

- Conseguirei acompanhar um episódio de uma série qualquer dobrada em francês sem fazer cara de nojo.

...

Só espero não me tornar uma ilustração da expressão "ter mais olhos que barriga".




Apareceu-me esta imagem enquanto pesquisava imagens para wishlists. A relação entre os dois está para lá da minha compreensão mas quem sou eu para negar o destino.




S.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Portugal à segunda vista

Ainda estou a digerir um pouco o facto de que já não estou de férias. Nunca fiquei com depressões pós-férias nem nunca me custou regressar à escola/trabalho. Muito pelo contrário: setembro é um dos meus meses favoritos do ano, é como se fosse o Ano Novo, é o mês da rentrée, o fim da silly season, o mergulho na vida a sério, cheira a livros novos, tem a força da vontade das empreitadas novas, é o apagar de mais uma vela no bolo de aniversário. Mas isto anda tudo vazio, é Bruxelas, é a blogosfera, é os emails, é o escritório. Já estou pronta para setembro mas o resto do mundo ainda não. E isso entristece-me mais do que o fim das minhas férias.

Nestas semanas de regresso à pátria fiz um esforço consciente para visitar coisas que me andavam a fazer cócegas na imaginação há muito tempo. Mas como as férias são tempo para usar e abusar da presença física dos mais próximos - e de quem não podemos abusar durante o resto do ano, valha-nos o Skype mas não nos vale assim tanto, é pura imitação - arrastei a família atrás, ah pois.

Sintra. Aquele pedaço de terra mística que me é tão familiar mas tão superficialmente conhecido. As odes nos jornais, nos livros, na História, no Pessoa, nos Maias, na boca e nos olhos brilhantes dos estrangeiros que já visitaram Portugal e dificilmente encontram palavras para descrever a sua visita quando lhes digo de onde venho. O meu conhecimento superficial e a pouca distância da minha casa de 20 anos, aliada àquele sentimento de coisa adquirida que temos pelo que convivemos quotidianamente, fez-me achar durante muito tempo que Sintra estava um tanto ou quanto overrated.



Não está, porra. Não está. À Regaleira fui há uns anos, numa visita prenda-de-anos, e não desapontou. Tornou-se instantaneamente num dos meus lugares portugueses mais preciosos, com espacinho no coração (não são muitos). Desta vez fomos lá acima, ao topo da serra, ao Palácio, que vale mil vezes mais pelas vistas maravilhosas que pelo interior do edifício. Que serra maravilhosa. Que vista desafogada (50 pontos para quem conseguir distinguir o Convento de Mafra ao fundo). Ainda tivemos direito a testar o microclima sintrense porque a dada altura começou a chuviscar e eu passei o dia a vestir e a despir o casaco, consoante as esquinas do palácio que virava.

Porto. Xii, o Porto. Revelo com a vergonha devida que conhecia mesmo, mesmo muito mal a segunda cidade do país. Mas se calhar por isso ela arrebatou-me pelos pés e virou-me do avesso. Juro que a frase que mais pensei enquanto era guiada pelas ruelas da cidade, pela Ribeira, pela Foz e pelos miradouros, foi que o Porto batia aos pontos a beleza de Lisboa*. E que a cidade está ainda demasiado underrated, tanto na mente dos morcões como na dos estrangeiros que visitam Portugal e talvez não contem o Porto como parte do seu itinerário de viagem. Meu deus, a riqueza que é ter pontes que se percorrem a pé! Ter uma margem sul que não é bem Margem Sul porque é tão já ali. Ir ao Porto é acreditar que há vida para além de Lisboa, há Portugal vivinho da silva para além da capital, e isso fez-me extremamente bem às perspetivas.




E depois a descida do rio Tejo, sempre na ânsia do "já chegámos? já chegámos? já chegámos?" porque sabia que a qualquer momento iria virar uma curva e vislumbrar o Castelo de Almourol em toda a sua glória, e sim, ali estava ele, no meio do rio, lindo como sabia que só podia ser, mágico como esperava que fosse, um bocado, er... vazio por dentro como não sabia, mas com vistas do caraças quando se sobe mesmo até lá acima. Dá para sentir como um conquistador, e se semi-cerrarmos os olhos com convicção e se o sol brilhar forte na cabeça pode ser que dê para vislumbrar um exército a cavalo lá ao fundo. Mas o sol tem que estar a bater forte e quente na cabeça, claro.



Finalmente, a Tapada. Tão perto mas durante demasiado tempo longe do coração. Sempre a querer ver veados em Richmond e não sei quê, e afinal vivi durante tanto tempo tão perto deles. Ali, mesmo à mão de semear, quase que dá para se fazer festinhas, não fosse a desconfiança dos bichos em relação ao pessoal de duas patas. Teria mais sorte com os javalis, suspeito. Peguei numa coruja pela primeira vez e estou quase a completar a minha experiência HPteriana. Só falta o tour às Highlands.




Ainda voltei para uns dias no sul, que foram muito bons para levar muitos banhos de calor familial, uns tantos de sol e ainda mais uns literais de mar. Que maravilha é ter um mar só para nós e uma praia semi-deserta às 9 da manhã. E sim, é possível tal coisa no Algarve em pleno agosto. É só saber onde procurar :). Serviu também para apreciar o fresquinho de Bruxelas e maravilhar a possibilidade de andar na rua sem precisar de óculos de sol na cidade. Que esta aprendizagem me sustenha durante os próximos meses (já estou a pensar que tenho de comprar um casaco verdadeiramente quente e umas botas verdadeiramente aderentes. Pensar em neve em meados de agosto é espetacular.)


(Foto roubada ao primo que tira fotos melhor do que eu)


Agora vou sossegar um bocadinho aqui em Bruxelas e aprender a chamar "home" à casa nova, voltar a encaixar a biblioteca na minha vida e cruzar os dedos até mais ou menos maio. 



S. 


*Entretanto, já nem sei, porque uns dias depois fui à Baixa e desci a Rua Augusta e o sol brilhava forte no céu azul intenso e a pedra do arco da Rua Augusta estava tão mas tão branca, e fiz a procissão até ao Cais das Colunas - que sim, aquele caminho tem mais de sagrado e ritualesco que muita romaria que por aí anda - e eu fiquei novamente embriagada com o caráter de Lisboa e já quase lhe implorava perdão por ter pensado que outra cidade portuguesa a podia bater. Igualar, pronto vá, lá me decidi pela justeza.  

terça-feira, 13 de agosto de 2013

De olhos abertos

Ano e meio depois, volto a ter televisão em casa. Não é que a falta dela fosse muita, mas comecei a achar que seria positivo ter um meio fácil e preguiçoso para aprender francês sem dar por ele, e a estar mais informada sobre o que se passa neste canto da Europa. Se bem que foi o facto de ter BBCs que selou a decisão de a instalar.

O balanço assim muito inicial é positivo. Em meia-hora já vi:

- um programa do Goucha aqui da zona;
- o The Big Bang Theory dobrado em francês;
- o The Office americano dobrado em francês;
- uma prova de ciclismo passada não sei bem onde;
- o telejornal português;
- um programa sobre as raposas que existem em Londres à solta.

Agora vou lutar muito para conseguir ver o Prison Break ou assim dobrado em flamengo.






S.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Media, é assim mesmo #5

Há meses e meses que andava para falar sobre esta série mas demorou até formar uma opinião mais ou menos duradoura sobre ela daí que o post só apareça agora. 

                           

Sexo e a Cidade mas com personagens tridimensionais. E sem o bling-bling ofuscante. E com outros tópicos de conversa que não homens. E tão, mas tão mais realista. 

Não é uma série fácil de se gostar. Diria mesmo que é daquelas coisas que ou se adora ou se odeia, e eu oscilei durante a primeira temporada toda entre o ódio e a profunda admiração. Até que estabilizei, pouco a pouco, na profunda admiração. 

Ora, o que tem o Girls para odiar? Muito fácil. A personagem principal não é nenhuma modelo, não é convencionalmente bonita, não é boazinha, nem é mázinha, ou seja, é extremamente difícil de caracterizar e de enquadrar numa das personagens-tipo convencionais. Surge, tipo, como uma pessoa normal, de personalidade complexa e cheia de defeitos e contradições - aliás, como as outras três personagens principais - e isso não é muito usual. Esta foi uma das razões por que eu demorei tanto a decidir-me pela admiração: não conseguia gostar do raio das raparigas. Eram demasiado reais e com defeitos que me tocavam pessoalmente e às vezes só me apetecia era gritar-lhes que não era assim que se fazia/dizia/comportava. Como se fossem mesmo pessoas que eu conhecesse e que me exasperassem as suas atitudes. 



Depois é a ausência de glamour. Estas raparigas vivem em Nova York, profundamente glamourizada nas mentes dos seres femininos que se habituaram demasiado ao Sexo e a Cidade, mas vivem em apartamentos pequenos, partilhando casa, sem nunca lhes vermos o closet a abarrotar de Chanéis, Diors e Loubotins, e - pasme-se! - têm dificuldades enormes em sobreviver na Grande Maçã! Fala-se inclusive em dinheiro, falta dele, eternos estágios não-remunerados, empregos precários, dificuldade em saber que rumo dar à vida profissional, tanta coisa que ressoa demasiado à minha geração que tenta dar os primeiros passos no mundo ingrato do trabalho em plena crise económica. Quando tentei explicar a uma amiga o teor desta nova série, ela respondeu-me, um bocado desiludida, qualquer coisa do género: oh, mas se é parecido com a vida real, qual é o interesse de ver? Fiquei a matutar naquilo. Realmente, se é para ver a desgraça da precariedade uma pessoa liga a tv no telejornal, escusa de estar a ver desgraça ficcionalizada. O Sexo e a Cidade era por isso uma espécie de escape para muito mulherio, a vida de trintonas Diorizadas numa das cidades mais fixes do planeta, cujos problemas mais prementes eram o que vestir para a inauguração do novo bar na zona mais trendy da cidade e se algum dos seus 50 pares de sapatos combinava com o outfit escolhido. A roupa de alta costura, o sapato de marca e os restaurantes ultra-gourmet onde as protagonistas se encontravam para falar invariavelmente de quem haviam comido na noite anterior, ou quem iriam comer na próxima, enchiam os olhos às espectadoras e criaram padrões demasiado altos e irrealistas sobre o que é ser uma mulher bem-sucedida. (E não me venham com merdas, as amizades femininas não são assim.) O Girls virou ao contrário este mundo glamourizado nova yorkino e apresenta-lo-nos numa travessa de plástico, sem se importar em tirar os podres da vida na Big Apple. É demasiado cru e comum, não enche olhos de estrelas a ninguém.






Mas eu diria que o maior pecado desta série, para muita gente pecado capital, é a protagonista ser tão normal. Ter um corpo normal, excesso de peso, e não ter vergonha. Não só não ter vergonha, como ainda ter o desplante de aparecer nua em tantas cenas, inclusive cenas íntimas, ou apenas de tronco destapado, mamas ao léu e barriga redonda em toda a sua glória. E isto foi algo que eu demorei algum tempo a habituar. Ali estava uma rapariga normal, com uns quilos a mais e com um corpo que desobedece aos padrões impossíveis de beleza feminina (como aliás, 99,9999% dos das mulheres desobedece) e sem qualquer pudor em mostrá-lo no pequeno ecrã. Ao início, olhava aquilo com um misto de estupefação e admiração embasbacada, com um leve traço de inveja pelo à-vontade e coragem desta rapariga, mas com muito rebolar de olhos por me parecer que havia ali pelo meio gratuitidade nas cenas de nudez/sexo. Mas à medida que a série avançava, e eu ia tendo noção que aquela moça que ronda a minha idade era a escritora, produtora e protagonista de uma história que desafiava cada vez mais os padrões do que uma pessoa está habituada a esperar de uma produção americana, a admiração cresceu e eu venci a preguiça que me tinha dado para avançar para a segunda temporada e recomecei a ver a série que de tão realista se havia tornado dura de ver. 




Os temas tratados são também extremamente interessantes e uma raridade na tv. Há stalking, há doença obsessivo-compulsiva, há desemprego, há incerteza sobre o que fazer após a univ e os primeiros estágios, há a falta de dinheiro, há a dependência emocional, etc. Nunca com uma nota de moralidade, nem com um final feliz, nem com drama despropositado. Apenas pessoas a cometer erros e às vezes sem qualquer noção, como se fossem, er... pessoas. Muitas vezes me interroguei se muita coisa não seria baseada em situações reais vividas pela Lena Dunham porque simplesmente me parecia impossível alguém conseguir imaginar tal coisa tão intrincada mas tão plenamente realista. Entretanto descobri que sim, muita coisa é baseada na vida real da escritora/protagonista o que explicou também para mim o facto de ela ser um bocado má atriz. Parece mesmo que está a fazer de si própria (e pelos vistos está). 

Há uns dias, quando finalmente me tinha decidido pela admiração profunda, fui pesquisar mais sobre a série e a Lena e descobri rapidamente que ela se intitula de feminista. Não foi choque nem surpresa nenhuns; alguém que tem a ousadia de fazer uma série como esta só poderia ter uma sensibilidade apurada para as questões de género. A coragem de desafiar os padrões-espartilho de beleza e o des-pudor em mostrar o corpo feminino tal como ele realmente é é apenas mais um pormenor dessa consciência feminista. Claro que o que para mim é visto como audácia, para muitos é visto como exibicionismo puro. Mas não é o exibicionismo que incomoda os haters, é a lata que uma mulher sem corpo esbelto tem de aparecer nua na televisão tantas vezes. 



Incha, haters.

Que não fiquem os mais céticos com a ideia que isto é uma série cheia de lições de moral e que as mulheres são grandes heroínas e cheias de auto-confiança e desprezo pelos homens: nada disso. Os temas não são realmente "temas" a ser tratados em cada episódio e com uma moral da história feminista no final; é antes a complexidade e a forma como as personagens caem em certas situações que revela um veio feminista muito subtil mas omnipresente, se se o quisermos notar
.  
Não recomendo a série a ninguém porque compreendo perfeitamente que se possa não gostar. Ela não é fácil e mesmo com todas as suas inovações e "recomendações" feministas a minha paixão por ela não foi imediata e demorei a admitir o brilhantismo da coisa. Mas se gostarem de algo diferente e a vida banal da casa dos 20 não vos aborrecer, ide espreitar. 

Só deixar aqui uma cena do primeiro episódio e que me arrebitou a orelha logo para o potencial feminismo da série:


  


S.

P.S. Uma vez uma delas apareceu sentada na sanita a fazer xixi :O E eu que achava que as mulheres da tv não faziam xixi nem cocó!...