terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O comboio da grande vitesse

O intuito deste blog sempre foi o de registar impressões, sentimentos e episódios que de uma forma ou de outra me tocaram, fossem eles completamente aleatórios e insignificantes ou grandes decisões e mudanças de futuro. Seria uma espécie de diário, mas um diário partilhado com as pessoas que me são mais queridas sobre as minhas experiências noutro país. A função de diário ainda não teve muito; não é muito normal eu ler posts antigos. É preciso deixar passar mais tempo.

Mas porque isto tem a intenção de diário partilhado, é importante registar aqui impressões frescas, sem muita dissecação e sem muita erosão do tempo. E é por isso mesmo que não podia adiar mais o registo do episódio que eu mais ansiava do dia 26: a minha primeira viagem de TGV.

A escala em Paris pressupunha uma viagem até Bruxelas em TGV, em vez de avião. Sendo que uma das coisas que mais gostava de fazer era viajar pela Europa de comboio, o entusiasmo foi mais que muito. Seria o meu primeiro cheirinho do que é correr o meu continente pelo chão, em vez de pelo ar.

Assim, depois de umas 6 horas apressadas a correr o centro de Paris, foi com alguma excitação que nos apresentámos no balcão de embarque para iniciar a nossa viagem de comboio. Foi um bocado estranho porque aquilo parecia o embarque para um avião. As malas foram deixadas num carrinho que depois as levaria até ao comboio e que as depositaria, à chegada, na plataforma. 15 minutos antes da hora de partida, lá fomos nós para a plataforma esperar pelo senhor TGV (15 minutos! o que no avião implica cerca de uma hora).

Depois foi esperar que ele chegasse, carregado já de pessoas desde Marselha. E depois foi maravilhar com aqueles bancos - poltronas - cheios de conforto e com almofadinha mesmo a jeito para encostar a cabecinha e adormecer... Mas apesar de ter dormido duas horas na noite anterior, ter acordado às 3h da madrugada e ter palmilhado Paris durante horas, e do conforto abusado dos referidos bancos e do pormenor da almofadinha anti-torcicolo, esforcei as pálpebras para se manterem abertas. Queria ver França, queria ver Bélgica, queria ver Bruxelas a aproximar-se.

A verdade é que, apesar de estas viagens se fazerem sempre mais por descampados do que próximas de localidades, o TGV não desiludiu. Desliza como faca sobre manteiga derretida, rápido, desfocando um pouco a paisagem, mas suficientemente rápido para não fartar a duração da viagem e suficientemente lento para se poder descortinar o que passa fora da janela.

E o que é que se passou fora da janela? Verde. Campos e campos planos e verdejantes, daquele verde impossível de encontrar em Portugal, que faz desconfiar que ali se cultiva com uma facilidade tremenda. Uma fábrica ao longe, uma localidade de vez em quando, fios elétricos de alta tensão a atravessar os tais campos verdejantes. Não desiludiu. Eu só pensava "É esta a minha Europa, quero explorar este meu continente de uma ponta à outra desta forma, num comboio que não se sente a deslizar e com bancos que têm almofadinhas anti-torcicolo". Acho - mas isto pode ter sido a pedrada de sono e as pernas dormentes a falar, atenção - que a certa altura me pus a magicar que maravilhoso seria percorrer aqueles campos a pé. Havia um senhor que dizia que a Europa era um continente diferente de todos os outros porque se pode palmilhar a pé - queria-lhe testar a teoria. Mas depois passou-me.

Infelizmente, da estação de Lille, onde o comboio parou, até começar a abrandar com Bruxelas a aproximar-se, não vi nada porque o corpo e a curiosidade sucumbiram ao cansaço. A mente já estava contentada na sua curiosidade.

A Bruxelas foi chegar, pegar a mala deitada na plataforma e apanhar o metro na mesma estação. Que diferença da logística cansativa e demorada dos aeroportos!

Já ganhei um novo transporte favorito.





S. 

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Adenda ao post anterior

Quando eu disse "quem me dera que na Bélgica ninguém falasse inglês" e não sei quê, esqueci-me que aqui fala-se também - e generalizadamente - flamengo. A minha intenção era "quem me dera que na Bélgica ninguém falasse inglês" na medida em que este seria unicamente substituído por francês. Porque tive a brilhante ideia de aceitar a sugestão do Google de passar o meu Google Search para .be e agora tenho esta merda toda em flamengo. Incluindo o blogger.





S.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Parlez-vous français?

No meio do valente número de chamadas para marcar visitas a casas, vi-me obrigada a falar francês numa delas. E correu bem, o senhor entendeu-me, eu entendi o senhor e a visita foi marcada.

Espero, muito sinceramente, ser obrigada a falar francês mais vezes. Quem me dera que ninguém em Bruxelas falasse inglês. Porque desconfio que a preguiça e a comodidade vai falar muitas vezes mais alto e o discurso vai resvalar para o tão mais fácil, tão mais entranhado, tão mais familiar inglês. Quero por isso que me digam muitas vezes 'non, je ne parle pas anglais' e que me olhem com sobrancelhas erguidas, com um bocadinho de desprezo até, sempre que eu seguir a via mais fácil.

Estão no seu direito, eu é que me meti no país deles, tenho a obrigação de me esforçar. E o exercício só será bom para mim.





S.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

De malas feitas e bilhete na mão

A atividade que me estava a causar tanto comichão, tanta preguiça, tanto adiamento e tanta ronha já está acabada. Foram três dias intensos de arrebanhar tudo o que há dentro de prateleiras e gavetas para dentro de malas (e uma caixa, coisa inédita). Apeteceu-me chorar de alívio por ter cabido tudo o que queria levar nos pacotes que contava levar. Metade vai no avião, outra metade pela Chronopost, quando houver casa lá, de forma que não foi só enfiar coisas em malas, houve que pensar sobre o que será preciso a curto prazo e o que se está à vontade para esperar uns dias.

Este processo de fazer as malas, bem mais intenso do que o de há ano e meio para Londres, mas menos atabalhoado que com menos stress do que o há 9 meses de Londres para cá, deu para concluir uma coisa: não sou tão desapegada das minhas coisas como gosto de pensar que sou. A verdade é que é-me impensável viver sem coisas que provavelmente até são dispensáveis. E apesar de termos conseguido arrumar tudo em quatro malas + uma caixa, a verdade é que há muito sapato, muita roupa, muito utensílio que poderia ser considerado supérfluo.

Não quero saber. Vou mudar de casa e de país, se quiser levar a minha panela de pressão ou as minhas duas mantinhas da Primark estou no meu direito, ora. Os senhores dos aviões é que deviam saber isso. E deviam abrir exceções para pessoas com bilhetes só de ida.

Devaneios à parte, um enorme peso saiu-me de cima. Agora é tamborilar dedos na mesa e bater o pé de mansinho enquanto se espera pelas três da manhã de domingo. Mas isto passa depressa - oh, se passa! - por isso é preciso é brincar muito com o cão, aproveitar este sol maravilhoso de primavera e passar algum tempo com a família. Porque o domingo está mesmo aí.





S.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

One-way ticket

Apesar de toda a efodiofobia de que declaro padecer, a verdade é que há poucas coisas tão esfusiantes quanto um bilhete só de ida.






S.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Ontem, hoje e amanhã

Antes de ontem, foi dia de palmilhar a cidade de Lisboa de mão dada. Unir com passos zonas da cidade e dar uma cara e um caráter ao que só se conhece por nomes de estações de metro. Só quando se calca terreno com os nossos pés - seja ele alcatrão, terra ou calçada - é que se pode sentir uma cidade como nossa, nem que seja só por um bocadinho. E só partilhando esses trilhos, com conversa, chalaças e beijinhos é que a cidade ganha realmente corpo na nossa memória.

Ontem foi dia de despedidas, indignações e abraços calorosos. E, para minha grande surpresa, algumas lágrimas. Foi dia de peso na consciência, por estar a abandonar um trabalho a meio por outro em Bruxelas. Senti-me um verdadeiro Durão Barroso. As crianças foram rápidas a chamar a atenção para tal e não tornaram o peso mais leve. Muito desenho no quadro, muita dedicatória para a teacher S. que tornaram óbvio que os corações não se medem aos palmos. Será que vou sentir saudades disto?

Hoje foi a despedida dessa escola, no dia das máscaras, em que cada um pode ser mais do que ditam os limites dos dias normais. Muitas gargalhadas e boa disposição, não podia ter pedido um melhor último dia.

Amanhã será a machada final na rotina de há 9 meses. A despedida do trabalho onde me senti em casa e que me introduziu ao mundo profissional dos crescidos. Onde tive o prazer de conhecer pessoas inesquecíveis e, suspeito, raras. Vou ter de arrumar a secretária. Vou ter de arrumar o copo da água. O chá preto vai para a copa. E o computador vai deixar de ter uma pasta com o meu nome. Caramba, como é que se diz adeus a pessoas com quem passámos todos os dias dos últimos meses? Desajeitadamente e com pancadinhas nas costas, como é o meu costume.

O nervosismo já aperta. São demasiadas "esta é a última vez que...". É inevitável o nervosismo e a expectativa em relação à nova etapa que está quase a começar, e a ansiedade face à incerteza sobre o que se irá sentir quando se olhar para trás e para o que era rotina. Haverá saudades? Haverá nostalgia? Algum arrependimento? Espero que só um enorme orgulho e alegria.




S.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

"Olá, o meu nome é S. e eu sou efodiofóbica"

Porque mostrei enfado com as diligências necessárias para despachar a bagagem, considerou que sofria de horror aos preparativos das viagens, rotulando-me de efodiofóbico.” - Antero de Quental

É sempre bom darmos o nome às coisas. E eu, há semanas a adiar começar os preparativos para a mudança, tornei-me claramente uma efodiofóbica. Mas é bom saber que não estou sozinha; pelos vistos também acusavam Antero de Quental de o ser. Quantas mais alminhas andarão por aí sofrendo desta fobia esquisita sem o saberem, interrogo-me eu. A partir de hoje, menos uma.

Faltam duas semanas, a verdade é que tenho tempo suficiente. Mas as malas de Londres já estavam a ser preparadas um mês antes de eu partir (eu aí ainda não era efodiofóbica). E assim é que deve ser, porque estas coisas levam tempo. Não é só enfiar a roupa nas malas no dia antes. Elaboradas relações de peso-espaço-utilidade vão ter de ser calculadas, extensas listas de coisas a levar vão ter de ser escritas, roupa terá que ser ordenada por estações do ano e por nível de utilidade agoraagora-duranteospróximosmeses-verão (seja lá quando ele for em Bruxelas). 

Adivinham-se decisões de vida ou morte ou, pelo menos, de partir o coração (por exemplo: tenho duas latas de chocolate em pó, uma da Twinings outra da Nestlé, qual levar, meu deus? A máquina das waffles é para ir ou é uma blasfémia levar semelhante objeto para a terra que inventou as ditas cujas?)

Tudo isto demora o seu tempo. E estas decisões não podem ser tomadas de ânimo leve, têm de ser pensadas. Muita roupa para lavar. Certinhos na lista para escrever. Desencantar roupinha que já não se usa para vestir nos últimos dias cá, para não sujar a que já está guardada na mala. Os dias para me esquivar estão a acabar. Daqui a 7 a tarefa monstruosa tem de estar começada.









S. 

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Doutoramento, espera aí

Acho que era Fernando Pessoa que dizia que para realizar um sonho temos que nos afastar dele, só assim é que ele se acaba por concretizar, quando estamos distraídos a fazer outras coisas da vida. Eu sinceramente acho que nunca consegui seguir este conselho e cada vez menos consigo.

Esta mania de querer tudo ao mesmo tempo, de ter chegado à meta dos estudos mas mal ter passado a linha de partida da carreira deixa-me inquieta, a imaginar mil e uma coisas que ainda quero experimentar e outras tantas que quero concretizar, umas cem em que me meteria de bom grado neste momento, e a profunda pena de os dias só terem 24 horas e os anos só 365 dias.

Supostamente, com o ciclo dos estudos fechado, com 3 ocupações profissionais de momento e um estágio programado até 31 de julho, eu devia estar na fase da descontração, do expirar fundo depois da enervante espera de 4 meses, e deixar-me descansada pelo menos até ao início do verão. A expectativa de ir realizar um sonho a partir de março devia ser suficiente para me impedir de entrar em sites de emprego e de universidades. As minhas palavras de pesquisa deviam ser exclusivamente 'Bruxelas', 'casas em Bruxelas', 'sítios a visitar em Bruxelas', 'TGV', e não 'LSE', 'PhD European Studies', 'Princeton', 'Yale', 'Columbia' e sei lá mais que doideiras.

A verdade é que é cada vez mais intensa a vontade de dar o salto para o doutoramento. Receio que tenha muito mais que ver com a rotina do estudo, o pânico abafado de ter passado o primeiro setembro sem eu estar inscrita em educação formal de espécie nenhuma. É um reflexo inconsciente face ao desconhecido, provavelmente.

Por outro lado uma ideia meio rescambulada persegue-me desde dezembro, quando fui assistir a um ciclo de conferências sobre a UE. Não faço a mínima ideia se funciona como tese, não é particularmente o meu campo mas meti-a num pedestal dentro da minha mente e admiro-a todos os dias um bocadinho, ora deste ângulo, ora daquele. A imaginação corre livremente porque eu mal lhe meto rédeas e o sonhar acordado, que devia ser canalizado todo para o PE e o final de fevereiro, salta para além de agosto, para o desconhecido, para o que ainda está por agendar. Uma suspeita desponta em mim de que eu seria muito feliz a fazer investigação-UE o resto da vida. Mas é impossível saber isso antes de ter um cheirinho da administração/realidade-UE antes!

Será que a atração pelo doutoramento é apenas a da novidade e do assunto inexplorado? De ter alguma coisa para gerir e organizar, meter as minhas capacidades a concurso novamente? A vontade de voltar a experimentar a emoção esfusiante que é ser aceite, conseguir?

A imaginação e o sonho devem voar livres que nem passarinhos. Mas a realidade também tem de ser vivida em pleno. O equilíbrio entre as duas está-se-me a provar difícil, numa altura em que eu não o esperava de todo.




S.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Mas estamos no inverno, é


Não me apetecia muito mergulhar num clima onde as temperaturas máximas se mantêm nos negativos. Vejam lá se daqui a 3 semanas a coisa muda, se faz favor.



S.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Aprender e ensinar

Enquanto me sento aqui a corrigir fichas de Inglês de 4º ano, associando letras e desenhos a caras e a episódios de aula, e me surpreendo ao escrever alguns "Very Good"s, apercebo-me que a maior lição que aprendi com esta experiência foi reconhecer a multi-dimensionalidade do ser humano. Uma criança não é só inteligente ou só mal-comportada. Há múltiplas combinações entre atento, conversador, distraído, interessado, cuidadoso na apresentação dos trabalhos, simpático, casmurro, etc, etc, etc. Raramente se tem tudo do melhor, e as contradições abundam. É por isso que o amor-ódio é uma característica inerente a ser-se professor.

Já fiz as pazes com esta profissão. Sei o seu lugar na minha lista de coisas que quero para a minha vida. O meu respeito por professores a tempo inteiro cresceu astronomicamente. E o meu conhecimento sobre o mundo infantil manteve-se praticamente inalterado, ou seja, continua a ser uma fonte inesgotável de mistério e surpresa para mim.

Uma coisa é certa: vou relembrar sempre os meses em que tive 40 crianças de 10 anos a chamar-me "teacher" com grande carinho. Se com nostalgia ou não, ainda não sei. As dores de cabeça e a frustração também serão lembradas, em nome da multi-dimensionalidade da alma humana.





S.