quinta-feira, 25 de abril de 2013

A Costela a Mais

Hoje no meu role de notícias do Reader apareceu que a revista Spare Rib ia voltar. Nem li mais que o título porque nunca tinha sequer ouvido falar de tal revista, portanto que me interessava o seu regresso. Mas por um acaso qualquer li novamente na BBC a mesma notícia e a curiosidade foi espicaçada. Decidi ir ver que revista afinal era aquela que estava a merecer tanta cobertura mediática pelo seu regresso.




Meu deus, não podia ter acertado mais na muche. A Spare Rib é uma revista feminista - e, pelo que já li, é talvez A revista feminista - nascida das entranhas da 2ª vaga de feminismo dos anos 60-70, aquela que reivindicou a liberdade sexual e reprodutiva da mulher, igual salário, etc, e que vai voltar. E quanto mais leio sobre o tom da revista, das suas criadoras, dos tópicos exibidos nas suas capas de décadas anteriores, mais eufórica fico porque uma coisa destas é uma lufada de ar fresco nos stands revisteiros dessas tabacarias da Europa. 

À medida que ia lendo o artigo sobre o regresso da revista, ia apreciando cada vez mais este projeto. A sua futura mentora, a jornalista Charlotte Raven, Ela diz que a ideia não é criar uma revista ultra-especializada que apele a um nicho de mercado muito restrito, mas sim uma coisa que entre pelas portas dos supermercados adentro e se pouse confortavelmente ao lado de Cosmos e afins. Ela diz que a "SR will revive the spirited and soulful vision of feminism that SR once embodied not the timid liberal one that dominates the mainstream media." Gosto muito. O feminismo, acrescento eu, não tem que ser apologetical, é bom que bata o pé com força pois só assim consegue competir com as mensagens omnipresentes dessas Vogues, Happy Womans e afins.

Não consigo evitar uma comparação com o Private Eye, uma revista britânica que satiriza o mundo da política, alta-finança, etc, através de caricaturas e artigos profundamente sarcásticos. Mas que, segundo a Charlotte Raven, é demasiado "boys' club". A Spare Rib será bem mais "girls' club". Mas girls' club no sentido (e parafraseando a jornalista) em que vai é dar dicas para as mulheres manterem as amigas num mundo que as empurra constantemente para "bitch fests" e "catfights", em vez de incluir as últimas receitas de cupcakes.

No fundo, e se as capas da edição anterior forem indicação, a Spare Rib vai ser uma revista sobre todos os assuntos, e aqui friso muito especialmente política, mas incluindo também cultura, literatura, humor, etc, que possam interessar à mulher. Ora, isto é coisa que eu nunca vi. Uma revista direcionada para um público feminino tratando os seus membros como se tivessem cérebros? :o Que choque!

Para dar alguns exemplos do tipo de assuntos que é expectável que a revista inclua, aqui ficam algumas das capas da antiga edição que eu achei mais interessantes:












Gosto mesmo, mesmo muito. 

Estou curiosa sobre o tipo de assuntos que serão incluídos desta vez, mais de 20 anos depois de a revista ter fechado. Se continuar pela mesma linha, terá a minha atenção completa.



S. 


P.S. Acho a escolha do título - que se deve às autoras originais - particularmente brilhante. Spare rib, a costela que o Adão tinha a mais e a partir da qual deus criou a mulher (deus tão querido, até na sua existência fez a mulher subordinada ao homem). E trocadilho com a receita do spare ribs. Faxavór de atirar aos transeuntes mais espirituosidade dessas bancas de jornais britânicas. 




Media, é assim mesmo #4


Eu bem digo que é nos filmes em que menos espero que encontro pérolas do anti-cliché-da-representação-feminina. Neste caso, não foi nenhuma personagem em especial que me despertou a atenção nem o próprio enredo. O London Boulevard é apenas mais um filme de gangsters. O facto de ser passado em Londres foi decisivo para a sua escolha mas isso agora não é para aqui chamado.

O filme tem mais uma daquelas cenas de 15 ou 20 minutos que pela bofetada à máquina hollywoodesca - e aos media em geral - faz com que mereça um lugar aqui. Cá vai ela:











Pronto, é isto. As 3 personagens-tipo femininas que eu mencionei há vários posts atrás. É a neurótica para contrastar com o homem que só quer é levar uma vida normal, a sedutora e a virgem que servem apenas de pretextos para as torpelias masculinas, e a mãe que representa a figura omnipresente na vida da personagem masculina. Todas, no fundo, não passam de bengalas ao ator principal. Daí que incluírem uma personagem de um filme a constatar isto seja mesmo muito bom. Gosto muito quando Hollywood morde a própria cauda. 

E o Colin Farrell anda a levar muitas lições de representação das mulheres nos filmes, haha!



S.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Essas cobras que só pensam é na carreira

Baseado neste artigo do The Guardian "Doubts over childcare 'expert' feted by Tories"

A lengalenga do costume de que as mães que trabalham nem são dignas desse nome. Mas desta vez com um twist muito giro: o tiro saiu-lhes pela culatra.

A sério, velhos preconceitos revisitados tiram-me do sério.

O governo britânico está com sérias e aplaudíveis intenções de reformar profundamente o sistema britânico de childcare. Considerando que li há pouco tempo - ainda que não me lembre onde - que Inglaterra, e mais propriamente Londres, era o sítio da Europa onde o peso financeiro de ter uma criança na creche era mais elevado, parece-me uma intenção de louvar. Ao que parece, querem reformular totalmente o sistema de licenças de maternidade/paternidade/parental e, inspirando-se no modelo nórdico, criar uma única licença, chamada parental, em que as primeiras semanas seriam para a mãe e o resto do tempo seria para ser dividido como os pais bem entenderem. Pessoalmente, e em nome de uma verdadeira reconciliação trabalho-família que inclua também os homens, fiquei muito satisfeita. Se bem que, se o passado ensinar alguma coisa, é que os meses de licença parental para serem divididos como os pais bem entenderem vai ser código para "mulheres tiram o resto dos meses e aquilo passa na prática a ser licença de maternidade na mesma". Mas isso é outra linha de discussão que não queria seguir hoje.

Hoje é sobre as creches, ATLs, atividades extra-curriculares, etc. O compreensivo e muito útil termo "childcare". Esta é também uma das áreas cruciais nisto da conciliação trabalho-família que o governo britânico almeja alterar. E os fazedores-de-políticas, quando querem mudar alguma coisa, encomendam estudos de impacto, estudos de benefício-prejuízo, ouvem especialistas, são pressionados por grupos de interesse disto e daquilo, decidem. Gosto mesmo muito deste processo, foi sobre ele que versou a minha tese-bebé e continua-me a intrigar e a fazer cócegas a inteligência. E foi precisamente a escolha terrivelmente má de um "especialista" que me deixou a espumar durante algum tempo após ler uma notícia.

Uma deputada Conservadora, sem dúvida lobbyada pelo grupo Mothers at Home Matter (os verdadeiros patrocinadores do evento) organizou uma espécie de conferência no Parlamento britânico sobre os males que as creches provocam nas crianças. Para tal convidou um "especialista" sobre o assunto, o senhor Jonas Himmelstrand, para botar faladura sobre como as creches estão a destruir a sanidade mental dos adolescentes suecos. Porque o senhor é sueco - vejam bem o brilhantismo da estratégia, levar ali um insider para dizer como afinal um dos países com o melhor sistema de childcare do mundo (entre tantos outros indicadores sociais) não passa afinal de um grande embuste - portanto sabe, claro. 

Claro que os jornais conservadores, como o Daily Mail e o Daliy Telegraph, bateram todos muitas palmas, louvando este senhor e os seus achados (que não são seus mas já lá vamos), apontando o dedo acusador a essas estúpidas mulheres modernas que querem ter tudo e fazê-las ver que, oh! estão a fazer mal aos vossos filhos, suas cabras insensíveis, e que os males todos da sociedade estão na sua ausência de instinto maternal e nos vossos corações de pedra, porque querem é laurear a pevide em vez de voltar a casa e à cozinha, como é vosso destino inevitável.

Só que entretanto, houve um ou outro jornalista que se deve ter lembrado de googlar o senhor especialista, e o "instituto" a que este pertencia. Se calhar até houve um jornalista mais maluco que se atreveu a ler o estudo original que o senhor "especialista" tão mal citou. E depressa descobriu que era só trafulhice atrás de trafulhice. O autor do estudo - o VERDADEIRO especialista e quem devia ter sido convidado em primeiro lugar, já agora - veio logo negar que houvesse alguma ligação entre creches e menor saúde mental na adolescência. Disse até que essa foi uma causalidade particularmente investigada no estudo em questão e que não tinham descoberto qualquer relação. E outro psicólogo, também mal citado pelo "especialista", quando contactado pela imprensa britânica, referiu que, aliás, tinham era comprovado - mais uma vez - que tempo passado em creches de qualidade é benéfico para o desenvolvimento cognitivo/comportamental/social da criança, mesmo de tenra idade. E que um "especialista" ir a público debitar dados ao calhas e tirá-los do contexto e do estudo era extremamente não-cientifico e irresponsável. Eu acrescentaria perigoso também, já que a deputada que o organizou é a conselheira sobre infância e parentalidade do David Cameron e o Ministro do Trabalho estava na audiência. 

Ao que parece o "especialista" diz que não tem curso superior nenhum, que foi "self-taught" (isto faz-me lembrar a piada do "aprendi com a Escola da Vida") mas que também nunca disse que tinha curso. Mas que se apresentou como pertencente ao Mireja Institute, que por acaso só tem um membro e que é ele próprio. 

A sério, isto consegue tornar-se mais ridículo?

Entretanto lá contactaram o Mothers at Home Matter para comentarem estes achados, já que o evento foi deles e o convidado também. Depois de uns protestos muito informados, que nã, nã, a investigação do "especialista" era "all based on proper scientific figures" lá acabaram por balbuciar um  "He travels the world speaking on these issues, so I guess there must be some credibility to these figures," que é o equivalente a "se ele diz é porque deve ser". Argumento à prova de bala, como se sabe.

Entretanto eu fui ao website do Mothers at Home Matter e aquilo parece tudo muito razoavelzinho. Insistem em que o ficar em casa devia ser considerado uma opção válida na sociedade de hoje, que queriam dar voz às mães que escolhem ficar em casa com os filhos, etc. Mas é a insistência na palavra "mãe" (em vez de parent. Se é de amor que elas falam que a criança precisa, porque é que tem que ser a mãe a ficar? O pai não tem o mesmo amor incondicional?), é o nome do grupo, é o demonizar das mães que têm emprego através destas conferências pseudo-cientfícas, é o trazer de volta o velho argumento de que as mulheres, simplesmente não podem ter tudo. Não podem. E quando tentam, dão-se mal. E estragam os filhos pelo caminho. Fazem isto tentando provar aos fazedores-de-políticas que as creches são más para as crianças, que ao invés de se encorajar as mulheres a manterem-se no mercado de trabalho deve-se é aconselhá-las a parar duas décadas e não pensar em mais nada que no bem-estar de outrém durante esse tempo porque, convenhamos, no fundo, no fundo, é esse o seu destino biológico.

Eu podia citar aqui um sem-fim de estudos que mostram que o investimento nas creches é fator decisivo na escolha que as mulheres fazem de continuar a carreira profissional ou ir para casa após o nascimento dos filhos. Porque, sejamos realistas, com creches a 1500 libras por mês por filho, como é que uma mãe escolher ficar em casa com os filhos é uma verdadeira escolha? É somente racionalidade financeira.

A flexibilização de horários também seria fundamental, e da mudança de mentalidades de uma vez por todas de que mais horas de presença física no escritório equivalem a mais trabalho feito. Mas isto, na minha opinião, só tem o efeito desejado se for flexibilização para todos os trabalhadores, quer sejam homens quer sejam mulheres. Senão as consequências negativas caem todas em cima das mulheres: são elas que são olhadas de lado por sairem mais cedo do escritório, por trabalharem menos horas (sem mencionar o facto de que trabalho part-time significa menos descontos sociais, logo menos benefícios de segurança social em caso de doença, desemprego e menos pensão a receber na velhice), por terem que tirar mais um dia para ir com a criança ao médico. E se continua a ser a mulher a alombar com o trabalhinho doméstico, em cima do horário de expediente que já leva profissionalmente, voltamos à conversa de que um dia ela mandar um berro e decidir ficar mas é em casa com os filhos se calhar não é verdadeiramente uma escolha livre.

O texto já vai longo e eu sinto que só toquei na pontinha do iceberg e havia tão mais para ter dito. A questão da conciliação trabalho-família apaixona-me e estou mesmo convencida que nas sociedades europeias, é um dos grandes problemas a acertar para corrigir isto da desigualdade entre géneros. É onde as mulheres ainda perdem por tanto e as impede de se realizarem em ambas as frentes. É onde tantas vezes maldizem o feminismo e as feministas da 2a vaga, por lhes terem feito acreditar que podiam ter tudo e ser tudo, e afinal é impossível. Para mim, as feministas deixaram a luta incompleta, ao terem levado a mulher para o mercado de trabalho mas esquecendo-se de trazer o homem para dentro de casa. E por terem lutado apenas para que a mulher singrasse na sociedade sem lhe mudar as regras. O mercado de trabalho, como está organizado, simplesmente não foi pensado para que os dois pais sejam ganha-pão. O seu modelo ideal é o ganha-pão + dona-de-casa, ou quando muito, ganha-pão + part-timer

Eu não tenho estas preocupações de conciliação portanto acredito que haja muita mãe que possa estar a pensar "quando fores mãe vais ver" ou "não cuspas para o ar que te acerta na testa" ou "eu também pensava assim mas quando o meu mai' novo nasceu mudei completamente de mentalidade". Pois, está bem. Logo veremos. O que não suporto é que se demonize uma política que funciona, e que ainda por cima parece que até tem é benefícios para a criançada, para validar um estilo de vida que escolhemos (escolheram mesmo, livremente?) e nos sentirmos superiores.

Sinceramente, desejo muita clarividência e boas escolhas aos fazedores-de-políticas Conservadores britânicos, que se deitaram ao caminho tortuoso de modificar tão complexa parte do welfare state. Eu cá acompanharei com atenção os desenvolvimentos. Quem sabe, podem-me dar ideias com cheiro académico...




S.

domingo, 21 de abril de 2013

Aniversário com jet-lag (ou "preocupações primeiro-mundistas")

Desde que amigos e família se tornaram emigrantes, incluindo nós próprios, que há uma dúvida que não consigo resolver de uma vez por todas: a que horas se pode dizer "Parabéns!" a alguém que faça anos? À meia-noite de onde nos encontramos ou à meia-noite do sítio onde essa pessoa nasceu? E se já estivermos no sítio há mais de um ano (não sei por que é que esta ressalva importa, mas sinto que importa)?

Por exemplo, se uma pessoa se mudar para outro país e aí viver mais de 30 ou 40 anos, tem que estar sempre à espera que seja meia-noite em Portugal ou pode considerar ter entrado no seu dia de anos assim que soarem as doze badaladas no sítio onde vive? Aqui onde estamos é só mais uma hora que se tem que esperar mas noutros sítios é mais.

E nos casos em que é menos? Tipo, um português a viver nos EUA ou no Brasil, chega a meio da tarde da véspera e já pode considerar que tem mais um ano nisto da contagem dos aniversários. Parece-me esquisito. 

Outro exemplo: tenho um primo a viver do outro lado do mundo. Dou-lhe os parabéns à hora de lá, à hora daqui ou à hora de Portugal, sítio onde nasceu?

Isto parece insignificante mas daria jeito estar esclarecido naqueles momentos em que queremos saber se ainda vamos a tempo de desejar parabéns e um dia feliz ou se já temos que acrescentar o "atrasados". Ou quando queremos saber a que horas podemos mesmo começar os festejos planeados.




A sério, acho que estou mais entusiasmada para o aniversário do D. do que para o meu.



S.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Na dúvida, afrancesa-se

Palavras que, contra todas as minhas suspeições, os franceses entendem:

- tossir (tousser)
- muco (moco)
- catarro (catarrhe) !

Palavras que eu pensei que eram internacionais e vai-se a ver e não são:

- Mebocaína


A minha estratégia de afrancesar palavras portuguesas e esperar pelo melhor resulta melhor do que o que eu julgava.





S.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Amazon intriguista

Ontem recebi um email da Amazon, daqueles de publicidade diária, que é abrir e delete instantâneo. Só que este era diferente. Vinha endereçado a mim pessoalmente. E falava de como estavam interessados num livro que eu tinha comprado há uns tempos, e se por acaso eu não o queria trocar.

Oito da manhã é ainda assim muito cedo para processar informação inesperada e com um wtf larguei o botãozinho delete e guardei para ler mais tarde, com tempo e sem pressas matinais.

E foi assim que descobri o Amazon Trade-In. 

Oh, que maravilha de sistema! Ao que parece, a Amazon estava-me a perguntar se eu por acaso não estaria interessada em enviar de volta um livro que comprei há uns dois anos e receber dinheirinho do bom por ele. Dado que o livro em questão é um daqueles calhamaços teóricos que se compra para uma disciplina e nunca mais se volta a pôr os olhos em cima, ia chorando de alegria. Queres o meu livro? Oh, querida Amazon, tomai-o! Em troca recebia um voucher para gastar livremente pelas Amazons desse mundo.

Aquilo imprime-se umas etiquetas postais pré-pagas, envia-se para a Amazon, eles avaliam se o livro está em bom estado, e ou o aceitam e enviam o voucher amado, ou rejeitam e enviam de volta o livro, de graça. Que desvantagem há aqui? Nenhuma!

Exceto que não se aplica às "Amazons desse mundo". Aplica-se à britânica unicamente. E os envios dos livros têm que ser feitos de e para o Reino Unido. Daí que o email se tenha referido àquele livro em concreto; um livro que comprei quando vivia em Londres.

Chorei lágrimas sofridas.

Oh Amazon, porque me tormentas assim! Vivia feliz na ignorância do sistema Trade-In, para quê me o introduzires se não tenho como o usar? É para me esfregares na cara que já vivi em Londres e já não vivo, é? Espeta mais a faca, sua bandida. Como se fosse preciso.

Odeio quando websites se armam em espertos. "S., olha só este novo sistema que temos aqui, o Trade-In. Muito útil para trocares livros que estão a ganhar pó em casa por dinheiro, e até tens este aqui que queremos muito. Aaah... Já não vives no UK. Uuups..."

Estúpida.





S.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Luky, o construtor



O meu cão gosta de roubar coisas. E de andar a jogar à apanhada pela relva fora quando lhe tentamos tirar o que roubou.

Mas às vezes tem azar. Não mede o que rouba. E depois é vê-lo a tentar subir as escadas com uma madeira de metro e meio. E não conseguir. E ganir muito e olhar para a minha mãe como quem diz "E ajudares-me, não?!"

E eu aqui a perder estas coisas.



S.

P.S. Tentei escrever este post o menos mamã-babada-que-os-seus-filhinhos-só-fazem-é-coisas-espetaculares possível. No que ao Luky diz respeito, esse é aliás o papel da minha mãe.

domingo, 14 de abril de 2013

Quando cai o verão na cidade

Queria deixar aqui registado que às vezes, muito esporadicamente, lá consigo admitir que vivo num dos melhores sítios do mundo.



Apercebi-me disto hoje, enquanto o sol brilhava (ainda brilha) forte num céu incaracteristicamente azul, numa temperatura ainda mais incaracterística de 22º, e eu tentava decidir se devia ir ao parque, à floresta, ou ao lago. Tudo isto a distância a pé de casa. 

Honestamente, não sei em que outro lado eu poderia viver no centro da cidade e dar-me ao luxo de poder escolher assim. Na minha idolatrada Londres de certo que não.

Escolhi o lago.


Este foi o meu poiso de leitura durante uma hora e pouco.

É mesmo muito estranho, não sentir frio aqui em Bruxelas, nem mesmo à sombra. Troca-nos as voltas, este tempo, e porque o sabemos raro, torna-se extremamente difícil de o gozar. Sabe-se sempre que amanhã já vai embora, e que a chuva já lá vem, e que por isso devia-se mesmo estar era ali sentada a filtrar vitamina D e não pensar em mais nada, e não estar a pensar na semana que vem e no tempo que vai fazer.

Consegui aproveitar, ainda assim. Não tive outra opção, já que os 22º mais o ventinho que soprava e o sol de abril que não queima ditaram que estava uma daquelas temperaturas perfeitas para se estar a ler na rua. Não conseguia ter calor nem frio.

Consigo sempre me surpreender com a felicidade com que os povos do norte encaram estes dias bizarros de sol e calor. Sai mesmo tudo à rua, as esplanadas estão cheias, os relvados idem e, desta vez, até o chão da praça à frente da igreja. 



Qualquer sítio é bom para se estar ao sol. Concordo. 



S.

sábado, 13 de abril de 2013

Ele há coisas... #31



Parece que 2014 é que vai ser bom. Será?


Numa loja de t-shirts com frases muito espirituosas, algures no Petit Sablon.



S.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Origens duvidosas do chá

Estou aqui a ler um panfleto sobre as origens do chá que trouxe da nova loja da chás que encontrei e isto diz assim:

"A China é o berço da cultura do chá. Segundo a lenda, o chá foi descoberto pelo imperador mítico Shen Nung. Enquanto ele fervia água na floresta, uma ligeira brisa fez cair algumas folhas de um arbusto de chá dentro da água. O imperador achou o perfume e o aroma da infusão deliciosos: foi assim que nasceu o primeiro chá, há cerca de 5000 anos."

A minha questão é: porque é que o imperador estava na floresta a ferver água?

Se ainda não se tinha descoberto o chá, a grande razão para ferver água ainda não existia. Será que ele queria cozinhar alguma coisa? Mas porquê na floresta e o que é que ele estava ali a fazer sozinho? Se era imperador devia estar no seu palácio, não a ferver água no meio da floresta.

E depois caem umas folhas de um arbusto na água e ele vai beber? Sem saber o que era aquilo, nem o que era chá, bota a infusão que podia ser venenosa à boca. Claramente este imperador batia mal da cabeça. Eles chamam-lhe o "mítico Shen Nung", deve ser um eufemismo para chalupa.

E se ainda não se sabia o que era chá como é que o arbusto se chamava "arbusto de chá"?

Tantas interrogações e tanta lacuna. Vou ter que ler a lenda na versão longa, está visto.






S.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Esperar sentada

Estou num daqueles momentos em que a vida está virtualmente suspensa até se ter um sim ou um não. É uma das coisas que mais abomino, este sentimento de que as coisas estão fora do meu controlo e que o que só posso fazer é esperar muito quietinha e fingir que me ocupo com outras entretanto. Aquele sentimento de que não se cabe na nossa pele nem no presente, como se também nós estivéssemos suspensos e não fosse só a porcaria de uma decisão que estivesse para ser tomada, que se queria era saltar já para daqui a uma semana, quando, de uma maneira ou de outra, se saberá a resposta. E nem se sabe se se está a ansiar o sim ou o não, que mudar implica sempre esforço mental e o baralhar da rotina.

C'um caramba, este fim-de-semana vai ser mesmo longo.

Tenho a profundamente irritante mania de quando se avizinha qualquer evento fora do comum, identificar uma data no futuro e pensar "Xi, quando estiver naquele dia já vou estar mudada, já vou saber o que isto é, já ter passado pela dor." Porque eu tinha a mania de fazer isto com coisas médicas. Do tipo, amanhã ia tirar sangue, e a seguir ia às compras com a minha mãe. Pensava obsessivamente "Aííí... Amanhã à tarde já terei tirado sangue, já serei uma rapariga diferente, mais forte, porque passei por isto." (eu tinha mesmo muito pavor a agulhas). Idem quando fiz cirurgia aos dentes, só que a obsessão começou meses antes. O meu mundo passa a estar dividido muito claramente em dois, um perfeito "antes" e "depois", com a data (e hora! se é para obcecar é para obcecar como deve ser) do evento a dividi-los muito claramente. Quando um professor marcava um teste para depois dessa cirurgia/análises/tudo-o-que-tivesse-cheiro-acético lá projetava eu as minhas obsessões nessa data mágica, quando eu já saberia como era e como tinha corrido a experiência. 

Agora estou exatamente assim. O D. faz anos de segunda-feira a uma semana e eu já estou em modo "Aííí... Quando formos festejar os anos dele já saberei se a minha vida muda ou não." É terrível. É por isto que uma gravidez será terrível para mim. Já não tanto pelas agulhas - se bem que, sabe deus que obsessão sobre isso não irá faltar - mas mais por causa do grande evento parto. "Aííí... Daqui a um mês em vez de dois vamos ser três." e "Aííí... Daqui a um mês já vou saber se me rasgaram a barriga ou não." A minha saúde mental estará espetacular nesse dia.

O meu problema é mesmo a sensação de coisas que fogem ao meu controlo. Não coisas do dia-a-dia, mas decisões que me dizem respeito e com potencial para me mudarem a vida. Mas, sinceramente, já devia estar habituada.






*Update* 

Também gosto muito de fazer isto quando Portugal joga nas competições internacionais. Só que aí são só 90 min de obsessão. Mas para mim é uma sensação hilariante saber que dali a uma hora e pouco ou está tudo eufórico ou está tudo triste. É como se nessas alturas se estivesse numa bifurcação perfeita do destino. Momento mágico. 

S.



E odeio tanto quando as pessoas se metem a escrever coisas tão vagas, mesmo para se perguntar o que é que se passa. Sou tão hipócrita.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

IRS codificado

Os meus papéis de IRS, primeiros na vida, já chegaram e vêm em flamengo.

É espetacular. 

Estou há meia-hora a olhar para eles, a fitar palavras como BEZOLDIGINGEN e AFZONDERLIJK BELASTBARE INKOMSTEN e SCHEIDSRECHTERS e ARBEIDSOVEREENKOMST e BEZOLDIGINGEN (ah não, espera, esta já passei) à espera que com a intensidade do meu olhar carrancudo elas se traduzam automaticamente.

É por estas e por outras que sempre adorei a expressão "glaring daggers". É o que estou a fazer agora. Glaring daggers contra o papel. 

Bem, então vou ali abraçar-me ao Google Translate durante umas horinhas e já venho.




S. 

Imagens de um mundo paralelo



Steve Carell, Jon Stewart e Stephen Colbert, em poses frequentemente pedidas a modelos ("modelas") de capas de revistas.

É nestes momentos que eu me lembro porque é que vi o The Daily Show todos os dias durante anos. E me esqueço porque é que parei.



S.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Pas de chá

Ando um bocado tristonha. Há largos meses que não encontro um chá bom.

Não é por falta de tentativas. Bebe-se chá como se fosse café nesta casa e a caixa tem que ser frequentemente guarnecida com novas variedades. Só que não acerto em boas.

Experimentei uma loja de chás do Dolce Vita, experimentei a roulotte do mercado ali da Flagey, experimentei a casa de chá aqui do bairro, experimentei até o supermercado. Nada me encanta, nada me traz novidade nem maravilha às papilas gustativas.

Estou um bocado triste.

Acho que me tenho que virar para os chás brancos. Em fevereiro apresentaram-me a um chá branco de baunilha no Chiado e é a única boa memória chá-eira recente que tenho.

Gostava que houvesse um Goodreads para o chá, e que aquilo do Google Nose não tivesse sido só uma partida do Dia das Mentiras. Passaria o dia inteiro nessa rede social, a espetar o nariz contra o ecrã do telemóvel e a magicar qual o cheiro de chá que me pareceria guardar maior potencial. Não havendo tal coisa, faço um apelo sentido: alguém tem recomendações de chás bons? Esta busca infrutífera está a dar cabo de mim.





S.

sábado, 6 de abril de 2013

O homem também

Desengane-se quem pensa que a publicidade é no geral apenas misógena; ela também é muitas vezes sexista em relação aos homens. Uma vez que a publicidade assenta na comunicação rápida e, de preferência, que suscite emoções e ligações inconscientes com o produto a ser publicitado, é muito fácil resvalar para clichés que o máximo de pessoas reconheça, precisamente para se nos tornar familiares. E um dos clichés favoritos de muitas marcas são os estereótipos de género. 

E agora que penso nisso o humor também assenta muitas vezes nestes clichés. Fazer piadas com mamas (veja-se os últimos Óscares) ou com a esquisitice das mulheres, versus o homem que sofre muito durante o casamento e que só pensa em sexo a todas as horas do dia, é meio caminho andado para pôr uma audiência de stand-up comedy a rir. Mas tal como os filmes com as suas 2 ou 3 personagens femininas e masculinas muito típicas e muito unidimensionais, é coisa que me dá tédio, chateia e é de uma falta de originalidade que me faz pensar se tais criadores estão ainda presos na adolescência. Se quero piadas com mamas basta-me ir a um recreio de sétimo ano, escuso de gastar 20 euros num bilhete para ir ver "comédia".

Bom, mas não era isto que eu vinha aqui falar. Dizia eu então que a publicidade também consegue ser muito sexista em relação aos homens. E quando são anúncios que tocam em qualquer coisa relacionada com tarefas domésticas, ui Jesus. Se são produtos de limpeza, é garantido que será uma mulher a protagonista. Idem para produtos de higiene - exceto no que toca à barba -, supermercado, compras, etc. Quando aparece um homem é muito frequentemente apenas para reforçar o quão eles não percebem nada daquilo. E depois lá aparece a mulher para, com uma espécie de sorriso condescendente, o corrigir. Ui, que tolinhos que os homens são nessas coisas das tarefas domésticas! Não percebem nada daquilo, nem têm jeito nenhum. 

Exceto que a maior parte dos homens que conheço não é assim. O meu homem de certo que não é assim, o meu pai não é assim, os meus amigos (embora muitos gostem de mandar as piadolas típicas sobre o assunto) sei que não são assim. Mas o estereótipo é tão mais confortável. E a publicidade perpetua-o, cristalizando a ideia muito do senso comum de que há coisas em casa que os homens nunca vão saber fazer como deve ser como:

- passar a ferro
- fazer a cama
- embalar um bebé
- limpar o pó
- estender a roupa
- limpar a casa

(Cozinhar é a exceção, o homem moderno cozinha bem e agora até é costume se dizer que cozinha melhor que a mulher! Porque, como se vê, todos os grandes chefs são homens!)

Como se todas estas tarefas estivessem especialmente inscritas no código genético das mulheres, como se houvesse um gene da limpeza, que miraculosamente escapasse a todo e qualquer espécime do sexo masculino. 

Por isso, quando há marcas que têm a coragem de ser inovadoras, originais, e - sejamos sinceros - realistas, é bom que sejam reconhecidas:



Hi. I'm a dad-mum. This means that while my wife works, I'm at home being awesome.
I know that there's a lot of mum-mums out there who look at my unique mixture of masculinity and nurturing and they find it quite alluring. And I know that there's dads who are out there who are astonished with my ability to dress a four-year-old. But here's a real kicker: I can take even the frilliest girl dress and fold it with complete accuracy. Boom.
And, with Tide Boost, I can use the brute strength of dad to mix with the nurturing abilities of my laundry detergent.
Now if you'll excuse me, I'm going to do pull-ups and crunches in the other room.


53 segundos de pura ironia. Gosto muito!



S.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

O maravilhoso mundo da publicidade sexista

É difícil reparar quando uma coisa está errada se vivemos com ela desde sempre e não conhecemos alternativa. É preciso grande dose de imaginação para envisionar um mundo diferente se esse mundo nunca existiu. Esta dificuldade é elevada ao quadrado se achamos que a nossa realidade não tem mal nenhum; é normal, pois se nunca conhecemos diferente porque haveria de estar errada?

Vivemos num mundo altamente sexualizado. Isto não seria necessariamente mau se essa sexualização fosse natural, igualitária, e acima de tudo saudável. Mas está longe de o ser porque as mensagens com que somos bombardeados diariamente - quase sem notar conscientemente, de tão banais que se tornaram - passam uma imagem de uma ultra-sexualização particularmente violenta para a mulher, em que o que conta é o desejo masculino, e a perfeição do corpo feminino em nome não se sabe muito bem de quê (da juventude, da frescura, da passividade, da mulher tornada boneca...). Hoje confunde-se empowerment da mulher com salto-alto, disponibilidade sexual instantânea, solário, lipo-aspirações, maquilhagem, saias curtas e justas. É o sair de uma gaiola e enfiar noutra, pensando que agora sim, se chegou à liberdade.




N' O Segundo Sexo, a Beauvoir fala disto. Precisamente como a aparência da mulher sempre foi moldada em nome de um ideal que não lhe diz respeito, um ideal de beleza subordinado ao que o homem deseja, variando consoante as épocas mas sempre com o mesmo objetivo comum. Um ideal que é criado tão somente para a render à passividade e à condição de boneca e manequim, embelezá-la o mais diferente possível do homem, mantê-la como o "Outro", a tal coisa para ser admirada, lá alto num pedestal ou no submundo, misteriosa porque diferente, numa vénia perpétua à aparência, nunca à sua humanidade. Daí que os stilettos vertiginosos de hoje não sejam no fundo mais que os enfaixamentos dos pés das meninas chinesas há uns séculos atrás, ou os corpetes do séc. XIX não tivessem um propósito fundamentalmente diferente que as saias-tubo: votar a mulher à imobilidade.

Beauvoir diz:

 "Les coutures, les modes sont souvent apliquées à couper les corps féminin de sa transcendence: la Chinoise aux pieds bandés peut à peine marcher, les griffes vernies de la star d'Hollywood la privent de ses mains, les hauts talons, les corsets, les paniers, les vertugadins, les crinolines étaient destinés moins à accentuer la combrure du corps féminin qu'à en augmenter l'impotence."

"As costuras, os padrões são frequentemente aplicados para privar o corpo feminino da sua transcendência: a chinesa com os pés enfaixados mal podia andar, as unhas envernizadas da estrela de Hollywood privam-na das suas mãos, os saltos altos, os espartilhos, as cestas, a armação dos vestidos, as crinolinas foram destinados menos a acentuar o corpo feminino do que a aumentar a sua impotência."


E continua, nesta crua mas tão clara afirmação:

"L'idéal de la beauté féminine est variable, mais certaines exigences demeurent constantes; entre autres, puisque la femme est destinée à être possédée, il faut que sont corps offre les qualités inertes et passives d'un objet."

"O ideal de beleza feminina é variável, mas alguns requisitos permanecem constantes; entre outros o seguinte, pois como a mulher está destinada a ser propriedade de outrém, é necessário que o seu corpo ofereça as qualidades inertes e passivas de um objeto."



É incrível como tão pouco mudou desde que Simone escreveu isto. Hoje, exemplos desta objetificação da mulher entram-nos casa e olhos adentro diariamente que já mal damos por eles. Mas é quando oiço respostas do género "Eu visto / uso / faço X para agradar a mim mesma, porque gosto, e não para agradar aos homens" que me surpreendo que, porra, a mensagem é mesmo eficaz, tão eficaz que nos chega a convencer que o fazemos por espontânea e livre vontade, e não porque somos condicionadas, todos os dias desde pequeninas, por múltiplos canais, que assim é que é. Esta dialética do inerente/externamente-condicionado é o que me fascina na igualdade de géneros e não é exclusivo dela. No fundo é isto que é a socialização, é assim que aprendemos a viver em sociedade, que interiorizamos as regras, tanto legais como informais, do que é ser pessoa. O feminismo simplesmente contesta muitas das que nos impingem sobre o que é "ser mulher" e "ser homem".

Eu não sou imune a elas, claro está. Não sou uma ermita. No meu guarda-roupa versam alguns saltos-altos, uma ou outra saia-tubo, vestidinhos bonitos e alguns extremamente restritivos à minha mobilidade. Pintei o cabelo durante vários anos, faço depilação como é esperado, pinto as unhas de vez em quando. Mas isto não me impede de questionar qual é o propósito com que calço um sapato que me vai fazer bolhas e impedir de andar rápido, porque é que mudo a cor natural do meu cabelo ou que sinto que se não cortar os pelos que teimam em crescer debaixo dos braços sinto que estou a cometer um crime. É o tentar descobrir sempre se o que estou a fazer é de minha verdadeiramente livre vontade ou se estou apenas a capitular face à poderosíssima mensagem com que sou bombardeada diariamente.

Sobre isto da objetificação da mulher, e ligado também aos posts que já fiz sobre a representação da mulher nos media, deparei-me com este vídeo brilhante sobre a forma como a mulher é mostrada na publicidade. E porque corremos o risco de não perceber onde está o problema, já que - again - isto é no que estamos banalmente imersos, decidiu-se imitar certos anúncios extremamente degradantes mas colocando um homem no lugar da mulher. Isto, mais do que qualquer outra coisa, grita o ridículo que são estes anúncios.

O vídeo faz parte de um projeto que um grupo de alunos da Universidade de Saskatchewan fizeram, no âmbito de uma disciplina de estudos de género. Aqui fica:




No dia da Mulher, andou a circular pela blogosfera um post do mesmo género, extremamente espirituoso e que espelha bem o que é isto do Patriarcado, ao criar um universo paralelo onde governaria um Matriarcado, com as mesmas falhas e degradações para um dos géneros que o primeiro. É o Plano B para a Humanidade. Ide checkar também que é mesmo bom.

O Unas também já lhe apanhou o jeito:




S.

Literalmente isto e literalmente aquilo

Se há coisa que me tira do sério, é o uso generalizado da palavra "literalmente". A sério, é uma praga. Raras vezes é empregue como deve ser e, porque se generalizou, perdeu o significado para muita gente. "Literalmente" é agora usado como um sinónimo de "mesmo", uma palavra descuidadamente usada quando meramente se quer enfatizar uma ideia. Mas se "literalmente" é uma praga, então o "literally" tomou conta da língua inglesa e é hoje tão irritantemente frequente quanto o "like" (não é o do Facebook, é o "tipo". Tipo isto, tipo aquilo).

Razão para a irritação ter transbordado agora e neste momento? Esta frase que acabei de ler:

"My heart literally sank."

Não. O teu coração não se afundou ou caiu literalmente coisa nenhuma. Se o teu coração tivesse literalmente caído não estavas cá para contar que ele tinha caído, porque estavas morta. Literalmente.

Há uma coisa muito bonita na linguagem humana, seja ela qual for, que se chama metáfora. E depois há o literalmente, o que é quando se quer que as palavras sejam lidas à letra, exatamente como estão escritas e sem floreados. Ora, a metáfora é o floreado por excelência. É o explicar de uma ação, sentimento, pensamento, é o descrever qualquer coisa, através de uma expressão que nos ajuda a chegar mais rapidamente ao significado do que queremos dizer. Coisas como "tenho borboletas na barriga" ou "estou a morrer de fome!" ou "andou a meter-lhe macaquinhos na cabeça" ou "o meu coração parou naquele momento" ou "I'm falling for you" ou "este pão está pedra" ou "estou contigo pelos cabelos" ou "isto é areia a mais para a tua camioneta". Nenhuma destas expressões se pode usar com literalmente, nunca, nunca, nunca. A não ser que a pessoa tenha engolido borboletas a sério, ou não coma mesmo nada há uma semana, ou alguém lhe meta um macaco verdadeiro em cima da cabeça, ou tenha um ataque cardíaco, ou esteja a cair por uma falésia abaixo em honra de outrém, ou o pão esteja fossilizado, ou tenha a outra pessoa emaranhada nos seus cabelos, ou esteja em frente a um monte de areia e ele não caiba na camioneta da pessoa. De contrário, são formas de expressão, não são para serem levadas à letra, logo, nada de literalmente!  

Recupere-se o sentido das frases, pá.





S.   

quarta-feira, 3 de abril de 2013

E por falar em medidas abusivas pelos ares...

Ah, espera, isto está a ficar melhor:


"Should parents drug their babies on long flights?" (excertos desta notícia)


"Parents who medicate their babies and toddlers with allergy or cough medicine on long flights say it helps the children sleep in increasingly cramped planes and helps combat jetlag. It is a polarising topic on parenting blogs, with debates often turning nasty."

" "When using Benadryl to sedate, you are using it for its side effects rather than its therapeutic effect. It can be dangerous - especially in children under two. Kids have died from this." "


" "The last place you want something to go wrong is up in the air," Frattarelli says."

"But parents who have successfully used allergy medicine to help children sleep swear by it, albeit in hushed tones."

"Our four-year-old was under the weather anyway, so we gave him some Benadryl to help him sleep through a couple flights," he says. "But instead of sleeping, he turned into the groggy, zombie toddler - somewhere between asleep and awake and completely miserable." "

" "They trust their parents unconditionally, and will do pretty much whatever we tell them is right or wrong. Well, taking any drugs without need is wrong." "


...


Acho mesmo que isto dos aviões anda a meter o pessoal maluco.





S.

terça-feira, 2 de abril de 2013

I believe I can fly (já tu, não sei)

A Samoa Airlines vai começar a cobrar pelo peso dos passageiros, em vez de por lugar. Aqui. Diz o patrão da companhia que é a forma mais justa de viajar, já que as companhias aéreas governam-se pelo peso, e não pela quantidade de pessoas que transportam. Sim e não. Sim, os aviões gastam mais ou menos combustível consoante o peso que levam a bordo (daí as restrições na quantidade e peso das malas que se podem levar) e, pelo facto de ter que arrancar do chão, faz com que o peso faça variar mais o consumo de combustível do que no caso de um carro, por exemplo. Não, porque as companhias pagam uma taxa por pessoa que transportam ao aeroporto de chegada (tipo taxa de administração por cabeça).

Ainda assim, o patrão da Samoa Airlines diz que todos nós já sentimos que devíamos pagar metade do que o passageiro ao nosso lado pagou, por ocupar tão mais espaço que o médio mortal.

Eu, dona de uns confortáveis 48 kgs de gente (tenho metro e meio, atenção), aplaudo muito esta iniciativa. Significa que, potencialmente, poderia começar a levar mais bagagem, já que a ideia é bagagem e chicha levarem a mesma taxa. O que conta é o kg, seja ele de roupa, seja ele de pessoa.

Aplaudiria... se isto não tresandasse a discriminação. Porque depois de gargalhar um bocadinho, parei e pensei que isto é precisamente daquelas coisas que parecem muito lógicas à primeira vista, mas que depois de uma análise mais cuidadosa têm um je-ne-sais-quoi de completamente errado. E se há coisa que o feminismo me ensinou foi a olhar além dessa camada fininha e superficial de senso comum.

Então agora vai-se começar a ter ser humano ao quilo? Eu sei que em termos de combustível e esforço da máquina, o quilo é mesmo só o que conta, e que é completamente diferente um avião ir cheio de crianças de 10 anos ou ir cheio de adultos de 150 kgs. Mas, caramba, uma pessoa é uma unidade, é mais do que a soma da sua massa, ou não? E depois, porquê premiar ou penalizar uma coisa que em boa parte está fora do controlo da própria? Eu ocupo pouco espaço muito devido à minha genética, o controlo que tenho sobre os quilos que peso é de pouquíssimos quilos, tanto para um lado como outro. Ora, isto é válido para muita gente, mas com o problema contrário. E não é preciso ir para a questão da obesidade: é justo penalizar um homem de dois metros, fortalhaço e com mais de 100 kgs? E uma grávida?

O maior receio é que esta medida tenha consequências draconianas inesperadas, do género ser desencorajadora para pessoas obesas viajarem, ou aumentar a pressão para que as pessoas emagreçam a todo o custo antes de uma viagem. Como se o que fizesse falta na nossa sociedade fossem mais coisas a instigar obsessões com o peso... No fundo acho que se pode vir a revelar uma medida humilhante.

O argumento do peso-é-o-que-interessa-num-avião é mesmo muito forte, eu sei. E, racionalmente, faz todo o sentido. Já eticamente, tenho as minhas dúvidas.






S.