sábado, 27 de setembro de 2014

Team York



Claro que assim que soube que se estava a preparar uma corrida em Sheffield tive que me ir lá meter no meio. Como não, se conjuga duas das minhas coisas preferidas deste mundo: correr e explorar uma cidade nova?

Com o que eu não contava era que isto fosse uma corrida à la Guerra das Rosas com as grandes famílias de York e Lancaster a competirem na estrada. Pedem-nos para escolher a equipa na inscrição, e tudo.



Orgulhosa Yorkista, há que honrar o novo condado e a família da rosa branca.

Ou seja, não só amanhã vou correr oficialmente pela primeira vez na minha nova terra como ainda tenho direito a uma entrada imaginária no mundo da Inglaterra pré-Tudor.
 
E como cereja no topo do bolo,  esta foi a primeira vez em quatro corridas que personalizaram o dorsal com o nome. Já não sou o 3114, sou a Sara. :)
 
#EdepoisnãoqueremqueeugostedeviveremInglaterra 




S.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Primeiras impressões de Sheffield

Agora sou uma pessoa do norte. Tudo o que fica acima de Londres para os ingleses é norte de Inglaterra, de maneira que Sheffield, ainda que sendo South Yorkshire, é norte. As pessoas têm sotaque do norte - fonte de risadas para os habitantes da capital e south-easterners, onde é que eu já vi este filme -, o clima é do norte, as pessoas são incomparavelmente mais afáveis e simpáticas mas, infelizmente para mim, menos compreensíveis. Se os britânicos em geral parece que falam com uma batata dentro da boca, aqui então parece que a têm a meio da garganta e estão a tentar equilibrá-la para que não vá para baixo nem para fora. Não sou novata em sotaques estranhos (nos dois anos passados lidei bastante com o escocês) mas pelos vistos eles são muitos e cada um precisa da sua dose de afinamento do ouvido. Sei que não tarda muito vou andar a dizer "nô", em vez de "nou" e "haiá" em vez de "hai" mas isso será incomparavelmente menos dramático do que começar a tratar toda a gente por love. "Are you alright there, love?", "Cheers, love", "How can I help, love?" são tudo frases já mais do que ouvidas nestes nossos três primeiros dias em Yorkshire. Todos os comerciantes, homens ou mulheres, tratam os seus clientes, homens ou mulheres, por "lôf". Tinha uma vaga noção disto, mas não sabia que era uma expressão utilizada tão assiduamente e tão indiscriminadamente. Só ainda nunca a ouvi ser usada entre comerciante homem - cliente homem... Cá estarei para certificar que ela é mesmo inconsequente quando isso acontecer.
 
Sheffield é uma cidade incrivelmente segura e pacata. Diz que é a quarta maior cidade inglesa e a mais segura em termos de grandes cidades. É muito homogénea. Depois de Londres e Bruxelas, Sheffield faz-nos impressão pela quantidade de caras brancas que a compõem. Temo que precisamente pela falta de diversidade étnica isto seja um daqueles bastiões do velho orgulho nacionalista inglês, do orgulhosamente sós e do desdém pelos estrangeiros e pela União Europeia, ou pior, que grande maioria da população apoie o UKIP. Não sei se conseguirira ser feliz num sítio assim. Acho que o que salva Sheffield é precisamente a universidade, uma realidade omnipresente em toda a cidade a começar pela quantidade enorme de edifícios dispersos pela cidade que ostentam o símbolo da Universidade de Sheffield: departamentos disto, departamentos daquilo, residências aqui e acolá, o gigantesco complexo desportivo frequentado por toda a comunidade. Os milhares de alunos de todos os cantos do mundo garantem que os habitantes de Sheffield têm convivência com outras culturas, uma lufada de ar fresco no que de contrário seria uma aborrecida homogeneidade de white British, como eles categorizam nos censos.
 
Apesar de ser a quarta maior cidade inglesa, depois de Londres, Manchester e Birmingham, o centro de Sheffield é bastante pequeno. Suspeito que sejam os subúrbios populosos de casas de tijolo castanho e arvoredo com fartura os responsáveis pela classificação. A cidade é incrivelmente verde. 90% das vezes não parece que estamos sequer numa cidade. Mais uma vez, depois de Londres e Bruxelas isto é um choque. Não sei se bom ou mau. Estamos surpreendidos pela positiva para já, não sei se há potencial para isto nos aborrecer. Por falar em choques, e a altimetria de montanha-russa desta cidade, senhores? Olha-se para o fundo de uma rua não para a frente, mas sim para cima, ou para baixo. Sei que estamos às portas do Peak District, a Área dos Picos, mas pensei que as palavras-chave aqui eram "às portas do" e não necessariamente "Peak". Vou sair daqui uma corredora com umas pernas e um fôlego que faz favor.
 
A nossa casa tem muitas janelas. Não estou habituada a ter muitas janelas. Até a casa-de-banho tem janela, que coisa rara! E portas. As nossas casas têm sempre só uma porta, a da casa-de-banho. Esta tem demasiadas: no corredor, sala, roupeiros, quarto. Estamos a ficar crescidos, oh, a viver em casas de gente grande. :')
 
Tinha-me esquecido da palidez incrível do céu daqui, que mesmo quando chegámos e quando estava limpo, estivemos uns bons minutos a tentar certificar-nos que estava mesmo limpo ou se não haveria ali uma camada fininha de nuvens brancas a empalidecê-lo (estava mesmo limpo). Entretanto já choveu, já caiu aquela chuvinha molha-patos, o céu limpo nem vê-lo. O verde predominante da vegetação não é por acaso. A cidade é sombria e escura como todas as cidades britânicas, tão diferente de Lisboa, tão diferente de Bruxelas.
 
Entretanto aprendi que Sheffield é a cidade orgulhosamente inventora do aço inoxidável, facto apresentado com honra logo na parede da estação de comboios. Já não olho para os meus talheres de stainless steel da mesma maneira. 



imagem retirada da internet




S

O próximo referendo


Ca susto, hã, Westminster? Só espero que em 2017 também vocês se decidam pelo Better Together e se mantenham na União.





S.

domingo, 14 de setembro de 2014

Este é mais um post sobre malas feitas



Mais uma mudança, mais uma foto de malas feitas. Tinha grandes desígnios de atingir um nível de minimalismo quase perfeito desta vez mas acho que não foi atingido. O volume continua a ser praticamente o mesmo.
 
Com morada já certa - novidade desta mudança! - amanhã vou ter a experiência surreal de enviar encomendas para mim mesma, contando lá chegar primeiro do que elas.





S.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

... e dois atrás

Uma pessoa sabe que afinal ainda não é crescida quando aos 26 anos vai viver pela primeira vez para uma residência de estudantes. E está mesmo feliz com isso.



S.

Um passo à frente...

Uma pessoa sabe que está a ficar crescida quando os pais começam a tratar os nossos amigos por "você".




S.

domingo, 7 de setembro de 2014

Divórcio britânico iminente

 
E não é que, vai-se a ver, e a Escócia está prontinha a abandonar o Reino Unido?
 
Durante meses e meses as sondagens davam uma distância confortável entre o não e o sim para que houvesse prospetiva realista de uma rotura na união constitucional com mais de 300 anos. A campanha do não, o Better Together, fez trapalhada atrás de trapalhada - o conlúdio dos três principais partidos na recusa terminante de uma união monetária que cheirou aos escoceses como bullying, e o mais recente anúncio sexista e condescente a apelar ao voto das mulheres foram só dois exemplos - mas ainda assim o não mantinha-se confortavelmente à frente do sim nas sondagens. Até eu, entusiasta exterior em todo este processo de independência, já tinha os ânimos mais refreados por ver que o não estava mais do que ganho.
 
Agora, a 11 dias do referendo, aparece a notícia bombástica de que o sim está na liderança pela primeira vez desde que a campanha começou. Já andam os políticos todos em Westminster com as mãos na cabeça, ai ai ai, que temos 10 dias para salvar a união. Pois.
 
Os 51%-49% em favor do sim não têm em consideração os indecisos, pelo que está tudo em aberto e não há certeza absolutamente nenhuma sobre o que irá acontecer dia 18 de setembro. Mas o não há um mês tinha uns 14 pontos percentuais de diferença do sim... Quer dizer, parecer que as pessoas estão a mudar de ideias em massa, e os indecisos a converterem-se ao sim. (Segundo a mesma sondagem do YouGov, incluindo os indecisos ou os que não irão votar, os resultados seriam 47%-45% para o sim.)
 
A campanha do não já anunciou que nos próximos dias vai apresentar uma proposta monumental para conferir novos poderes à Escócia caso esta decida se manter na união, que incluirá poder de decisão sobre o orçamento e impostos, no que é habitualmente referido como devolution-max. E que estes poderes serão discutidos também com os outros dois países do Reino Unido: Irlanda do Norte e País de Gales, não vão eles meter-se com ideias no futuro próximo. Ou seja, seja como for que os escoceses votem, parece que o status quo não se manterá. Agora é uma questão de saber se o último trunfo na manga dos unionistas convencerá os escoceses ou será mais um tiro na culatra da campanha pelo não.
 
E eu estou em pulgas com isto tudo porque dia 18 já vou estar em solo britânico, vou poder acompanhar um país inteiro a tremer de nervoso pelo seu futuro. E quem sabe receber a notícia que afinal o meu novo país hospedeiro terá menos 78387 km² do que eu esperava.     








S.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Correr uma maratona será a coisa mais feminista que já fiz


Já dizia a Simone de Beauvoir que uma das coisas que mais contribui para a aparência e sentimento de inferioridade e fragilidade das mulheres é o facto de não lhes ser estimulado o lado físico durante a infância e adolescência. Coisas como subir a árvores, jogar futebol nos intervalos e afins são experiências ainda de rapaz. Tenho a impressão que as coisas estão a mudar devagarinho mas o cunho de "maria-rapaz" ainda é demasiado usado para rotular crianças que gostam destas coisas e que por acaso não são rapazes. A rapariga quer-se sossegada, bem-comportada, enfeitada, não de calças rotas e pés sujos.
 
"Cette impuissance physique se traduit pour une timidité plus générale: elle ne croit pas avoir une force qu'elle n'a pas experimenté dans son corps; elle n'ose pas entreprender, se révolter, inventer: vouée à la docilité, à la résignation, elle ne peut qu'accepter dans la société une place toute faite."
 
"Esta incapacidade física traduz-se numa timidez mais geral: ela não crê ter uma força que nunca experimentou através do corpo; ela não se atreve a empreender, a se revoltar, a inventar: votada à docilidade, à resignação, ela não pode aceitar na sociedade mais do que um lugar pré-determinado."
 
O corpo feminino é sobretudo feito para ser visto e admirado como um objeto, não para ser sujeito e ativo. A atividade, em havendo, é para servir o propósito de o melhorar para admiração, seja perdendo peso, seja tonificando-o, seja combatendo a odiada celulite, nunca sendo um fim em si mesma. Por isso mesmo durante tanto tempo o desporto feminino foi quase um oxímoro, algo indesejado porque masculinizava as mulheres, associando-lhes características tão horríveis e tão não-femininas como competição, força, determinação, liberdade.
 
Pois, a liberdade. Descubro agora que é exatamente isso que me move a mim - e, suspeito, muitos outros corredores amadores - a voltar uma e outra vez à estrada mesmo quando no dia anterior os pulmões quase explodiam, o coração quase saltava da caixa toráxica e o estômago quase se revoltava com o esforço desconhecido. Não é masoquismo, é amor animal à liberdade que pôr um pé à frente do outro e repetir o mais rápido possível nos dá. É saber que só com os meus pés consigo fazer um caminho que durante toda a minha vida fiz de carro, milhares de vezes. Saber que hoje sou capaz de correr daqui à Ericeira. E para a semana sou capaz de ir e voltar. E que daqui a um ano conseguirei correr até Lisboa, se quiser. Só com o meu esforço, com o meu corpo, mais nada. Há lá ideia mais libertadora do que esta?
 
Não admira que até há menos de 40 anos não houvesse maratonistas. Até aos anos 60 não havia nenhuma prova olímpica feminina de corrida com mais de 200m. Havia a ideia de que não era apropriado as mulheres correrem longas distâncias. Apesar de uma mulher, Stamatis Rovithi, ter corrido uma maratona pela primeira vez em 1896 e de nesse mesmo ano Melpomene ter corrido a maratona olímpica estando registada mas sendo-lhe negada a entrada no estádio para a meta, estávamos em 1972 e a mundialmente famosa Maratona de Boston proibia formalmente mulheres de correrem a distância mítica dos 42195 metros. Proibir, vejam bem. Não bastava desencorajar (pensar em 42 km já é desencorajador o suficiente, ainda mais para uma mulher de meados do séc. XX, bem consciente da sua inferioridade física e das características que uma mulher de bem deve possuir, sendo que a destreza e resistência físicas não eram duas delas). Uma das mulheres que desafiou essa proibição só foi descoberta uns quilómetros depois de começar e escapou à perseguição dos organizadores com a ajuda dos colegas de equipa que lhes bloquearam o caminho. Outra escondeu-se atrás de um arbusto perto da linha de partida e zás, largou a correr quando a prova começou, outra foi puxada mesmo antes de meta e impedida de acabar. Em 1972 lá os organizadores da Maratona de Boston permitiram que mulheres também corressem na prova, após estas persistentes corredoras e a proibição da sua ambição terem ido parar à primeira página dos jornais americanos.
 
Mesmo assim foi só em 1984 que a maratona feminina se estreou como prova olímpica. 30 anos. 30 ANOS. Há pouco mais de 30 anos ainda andavam os paspalhos do comité olímpico a arranjar desculpas como "não é aconselhável as mulheres correrem tanto, faz-lhes mal" (mesmo depois de vários médicos terem emitido comunicados a dizer que não havia nenhum entrave físico a que mulheres pudessem correr maratonas) para não deixarem atletas correrem uma maratona olímpica. A condescendência sempre foi um aliado da resistência à emancipação feminina. No desporto não seria diferente.
 
Ide ler sobre a luta pela instauração da maratona olímpica feminina, que é de uma novidade que eu não fazia ideia. A luta pela igualdade num sítio inesperado.
 
Posto isto, não é surpreendente que uma feminista e apaixonada recente disto do meter um pé à frente do outro e repetir rápido tenha decidido que o seu próximo objetivo é correr uma maratona. Quero engordar as fileiras femininas das maratonas, quero ser mais uma a desafiar o que é suposto uma mulher fazer ou não fazer, conseguir ou não conseguir, gostar ou não gostar. Porque a verdade é que eu falo de liberdade animal, da ânsia de comer estrada com os pés e de saber que consigo ir até ali, mas a corrida deu-me outra liberdade, inesperada: a liberdade de desafiar as amarras do meu género. O meu corpo é o meu maior aliado, sou eu, não é nenhuma máscara inerte e exterior a mim, fonte de ansiedade por não corresponder a padrões impossíveis. A minha perspetiva sobre o que posso fazer com ele mudou irremediavelmente, e com ela a minha perspetiva sobre o que me faz feliz. Deixei de ter paciência para enfeites, adornos, roupa restritiva, calçado que me impeça de saltitar se me apetecer (ainda não apeteceu, mas gosto muito de caminhar durante horas, o que em termos de calçado vai dar ao mesmo). Não desdenho nenhuma destas coisas, simplesmente agora aceito de uma vez por todas que não as quero, elas não me servem. Isto sempre foi verdade, a diferença que a corrida trouxe foi levar-me a admitir isto de uma vez por todas. Por outro lado, agora amo vestidos, calções e saias rodadas como nunca. A minha dicotomia não é feminino-masculino, é restritivo-confortável. Só acontece que as duas coincidem demasiadas vezes e não por acaso:
 
"Les coutures, les modes sont souvent apliquées à couper les corps féminin de sa transcendence: la Chinoise aux pieds bandés peut à peine marcher, les griffes vernies de la star d'Hollywood la privent de ses mains, les hauts talons, les corsets, les paniers, les vertugadins, les crinolines étaient destinés moins à accentuer la combrure du corps féminin qu'à en augmenter l'impotence."
 
"As costuras, os padrões são frequentemente aplicados para privar o corpo feminino da sua transcendência: a chinesa com os pés enfaixados mal podia andar, as unhas envernizadas da estrela de Hollywood privam-na das suas mãos, os saltos altos, os espartilhos, as cestas, a armação dos vestidos, as crinolinas foram destinados menos a acentuar o corpo feminino do que a aumentar a sua impotência."
 
 
Já aqui tinha falado disto mas näo resisto porque afinal quase tudo nisto da desigualdade dos sexos vai parar ao mesmo: a visão do corpo feminino como objeto, para ser olhado, admirado, possuído, e nunca como um sujeito.
 
Assim, e para terminar, fico contente que duas paixões que me surgiram paralelas se complementem tão bem e agora até se alimentem uma à outra. Correr uma maratona não é a coisa mais feminista que se pode fazer (até porque há as ultras, haha) mas será sem dúvida a coisa mais feminista que eu já fiz. Desafiarei os meus limites, desafiarei as amarras do meu género e manter-me-á na linha da pessoa que eu quero ser. E eu quero ser a pessoa que chora ao ver Lisboa a aproximar-se, só que desta vez pelo chão. Maratona EDP de Lisboa de 2015, me espera.
 
 
 
 
S.