quinta-feira, 27 de junho de 2013

Minimalismo: nível IV - continuação

Desde que abri os olhos para os grupos de venda de coisas em segunda-mão que passei a olhar para compras de outra maneira. Percebo cada vez menos a vantagem de comprar novo, de entrar em lojas para ver que novidades há, de gastar o triplo para ter o prazer de estrear algo (eu sou muito, muito, muito, muito forreta. Mas muito.) As minhas montras são neste momento dois ou três grupos de Facebook de roupa em segunda mão aqui em Bruxelas, e mais dois ou três de móveis/acessórios/afins também já usados. Na altura que os descobri tinha era pena de ter já feito a triagem em Portugal e tudo o que tinha cá ser apenas o mínimo. Andei a observar tudo o que aqui está que era nosso (a casa foi alugada já mobilada, portanto, tirando roupa, não era muito) com o olhar impiedoso de quem abomina o desperdício e o hoarding para ver se algo estava acima da linha do mínimo*. Sem sucesso.

Entretanto passou um ano. A perspetiva de mudança para um estúdio sem armários está a implicar muitos cálculos de cabeça sobre até onde pode ir um armário de três portas versus uma casa pequenina, mais a tralha roupal de duas criaturas humanas. O total deu: não vai muito longe.

Por isso, numa espécie de fúria minimalista e anti-material, despejei o meu roupeiro em cima da cama e botei olho implacável novamente sobre tudo o que era meu. O resultado foi um saco azul de Ikea a abarrotar pelas costuras e quase metade dos sapatos fora. Fora, salvo seja, porque decidi dar uma segunda oportunidade a toda a roupinha boazita e uploadá-la nos benditos Facebooks de segunda mão. 
   



Já vendi umas coisas - mais do que estava à espera, para dizer a verdade - e estou a fazer figas para que mais algumas lhes sigam o caminho. Daqui a uns dias, o que restar vai direitinho às Oxfams desta terra (onde também já lá comprei roupa). 

Não esqueço o alívio que foi arrumar de volta no roupeiro apenas as coisas que realmente uso e vê-lo tão limpinho e leve. Entretanto o alívio desvaneceu-se quando vi que duas malas grandes não chegaram para arrumar toda a minha tralha tecidal, mas penso sempre pelo meio do desânimo que podia ser pior, três podiam não ter chegado. 

Gosto muito de saber que as nossas mudanças se fazem de um dia para o outro, literalmente, e que raízes não as criamos em lado nenhum, e voar é sempre que apeteça. Materialmente falando, estamos desprendidos de Bruxelas, como estávamos de Portugal, como estivemos de Londres. E agora siga para outro canto da cidade.



S.


* Se bem que, defina-se "mínimo". Temos cá duas mantas que não devem ter custado mais de 5 libras na Primark mas que nos andam a seguir pela Europa fora há três anos... Porquê, não sei bem. São mesmo muito fofinhas, macias, e gostava de dizer que cheiram a casa para isto ficar mais sentimental mas não cheiram; quando muito cheiram a amaciador nos dias imediatamente a seguir a serem lavadas. E por falar em amaciador, há um, o Comfort azul, cujo cheiro nos despoleta a memória de quando começámos a viver juntos em Londres e esse sim, tem cheiro a casa. Mas cá não há, portanto as mantas não cheiram a casa. A última vez que fomos a Londres - e abençoado comboio sem a mariquice dos líquidos - a única coisa que trouxemos da cidade como prenda foi uma embalagem de Comfort azul comprada numa Boots qualquer. É este o nosso nível de loucura pelo dito detergente. 

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Volta man-washer*, estás perdoado

Desta vez foi numa montra insuspeita de uma loja de fotografia algures em Portugal. Vendia também daquelas t-shirts com ditos engraçadolas, e apanhou-me desprevenida. A modos que me gelou o sangue:



Gosto do pormenor de terem escolhido o vermelho para as letras e para o fundo da camisola e o preto para o punhal. Não deixa escapar nenhuma associação com o real. Eu sei que a comicidade deste tipo de t-shirts por vezes é um bocadinho discutível mas isto parece-me que vai longe de mais. Há ainda demasiadas mulheres a morrer às mãos dos maridos/ex-companheiros, a violência doméstica (tanto física como psicológica) ainda faz parte de demasiadas vidas de mulheres, a ciumeira e os comportamentos obsessivos ainda são levados demasiadamente como normais de quem gosta (tanto no casamento como no namoro) para que isto possa ser uma piadinha bem disposta. E, a sério, quem é que usaria isto? Provavelmente não um verdadeiro assassino mas provavelmente alguém que se sentisse bem na pele de um controlador obsessivo (para lhe dar um eufemismo bonito).

Comédia inteligente e negra é uma coisa extremamente fabulosa mas que tem que ser feita com mestria. Há uma linha demasiado ténue entre comédia negra e a básica ofensa gratuita**. Esta t-shirt não conseguiu alcançar a primeira. 




S.

*para quem não sabe, o man-washer é esta preciosidade
**apetece-me muito fazer um post sobre a diferença já há um tempo. Pode ser que esteja para breve.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Volta à Europa em bicicleta

Há muito que o D. me tem vindo a tentar convencer a irmos a Portugal de bicicleta. Ideias mirabolantes é com ele por isso a minha reação standard é olhar para ele muito séria (ele todo sorridente porque sabe que a ideia é extravagante mas está a falar a sério e sabe que eu sei que ele está a falar a sério e sabe o que vai acontecer a seguir), eu desato a rir, reviro os olhos, e lanço uma tirada de razões por que a ideia é impossível: são quase 2000 kms, há Pirinéus pelo meio, eu não tenho resistência assim, ele nem na cidade anda de bicicleta, quanto mais atravessar países. Rimos um bocadinho e o assunto morre por ali. Até à próxima vez em que ele se lembrar.

Por isso foi com enorme surpresa que eu descobri que existe uma iniciativa - já bem adiantada, diga-se de passagem - para tornar o continente europeu ciclável de umas pontas às outras. 

Vejam esta maravilha:


No fundo a ideia é criar estes circuitos de vias rápidas para bicicletas que atravessem a Europa e liguem capitais, costas, etc. De notar que nenhum dos 15 percursos está ainda completo (o nº1, chamado "Costa Atlântica" e que liga o Algarve à Noruega, ainda não está realizado no território português). Segundo o website do EuroVelo, a ideia é que até 2020 a rede que vemos no mapa esteja substancialmente completa.

E uma pessoa começa a ficar com ideias...

Reparem na maravilha da rota 9, "Rota Mediterrânica": partir de Sevilha e ir Espanha acima, fazer a Côte d'Azûr francesa, depois ali um bocado de Alpes, vamos saltar aquilo, depois, Eslovénia, Croácia e Balcãs abaixo até à Grécia... Isto é que é o verdadeiro interRail, o verdadeiro périplo pela Europa.

Não faço bem ideia de quanto tempo demoraria a viagem, sendo que também não é preciso fazer uma rota de uma ponta à outra. Há que contar com paragens e demoras em sítios particulares, especialmente capitais ou outras cidades/vilas interessantes, para se ver o que merece ser visto. Tenho noção que isto seria uma viagem para ser preparada em vários anos - especialmente a parte da resistência - mas tenho perfeita consciência que é possível. Faz-se, não está só ao alcance de atletas de alta competição. Se há dois anos me dissessem que eu passaria a fazer commuting de bicicleta eu rir-me-ia muito na cara dessa pessoa, por isso acredito que isto, sendo a viagem monumental que é, é possível. 

Pensando agora assim um bocado por alto. Por exemplo:

- de Bruxelas a Lisboa são 1800 km. Para fazer o percurso num mês equivaleria a 60 km por dia; 

- tendo em conta que neste momento faço cerca de 8 km por dia de commuting (total ida-e-volta) isso significaria, er... um ou dois anos intensivos de treino?

(Acho que não estou bem a ver o que são 60 km por dia de bicicleta durante um mês...)

Bem, mas a ideia de base aqui é que é possível. Não agora, não para o ano, mas talvez daqui a uns 3-5, se a preparação começasse brevemente. Poderia começar por treinar para o objetivo de fazer Lisboa-Algarve. É tudo razoavelmente plano e tal, podia ser que sim. 

Acabei de descobrir novo objetivo de vida. Há que começar agora por descobrir a bicicleta alma-gémea. Já comecei as pesquisas por aqui.

Umas imagens para dar forçazinha:








Opáá... Tinha-me esquecido do pormenor da bagagem...






S.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

A política ainda é um gigantesco boys' club


Por ocasião da Primeira-Ministra australiana ser incluída no menu de uma festa da oposição, o the Guardian compilou um Top 10 de momentos estupidamente sexistas da política. Sempre casos em que se vilipendia mulheres no poder por duas razões maiores:

- ou porque são bonitas demais e é um desperdício;

- ou porque são umas cabras do pior e deviam estar caladas/na cozinha/em casa onde ninguém as veja envelhecer.

Tal como nas personagens-tipo dos media, há aqui variações nos insultos dirigidos a estas mulheres. Mas no fundo, são apenas nuances destas duas categorias. Assim, e seguindo a lista do artigo:

- temos o Cameron a lançar um arrogante e condescendente "calm down, dear" a uma deputada da oposição no meio de uma tirada desta. A velha ideia do histerismo de que padecem as mulheres e que foi considerado doença psiquiátrica até à década 50 do séc. XX (curiosamente era uma doença de que só as mulheres podiam padecer). A atitude profundamente condescendente com que muita gente trata mulheres quando estas levantam a voz irrita-me solenemente, particularmente quando se está numa discussão/debate. A mulher como histérica, o homem como assertivo. Atitude direitinha à 2ª categoria;

- ... tenho algumas dúvidas se não devia saltar este. É sobre o Berlusconi. Ora bem, de um "senhor" que organiza bunga-bunga parties e contrata prostitutas adolescentes não se pode esperar respeito pelas mulheres. No entanto, é incrível as coisas que este homem vomita sob a forma de palavras. Entre sugerir que empresas deviam investir na Itália porque lá têm secretárias muito bonitas (que, como toda a gente sabe, são parte da decoração de um escritório; e ainda tiram uns cafés e mandam uns mails como bónus, que catita!), ou que o Zapatero, por ter no seu governo uma maioria de mulheres teria o dobro do trabalho a controlar o seu Executivo (as mulheres são emotivas por natureza, claro está, imaginem umas quantas a governar um país...! Dupla dificuldade de controlo uma vez por mês porque... hormonas!), o Berlusconi oscila em diarreias de "mulheres são eye-candy" e "irra, que cabras!". É um homem que encerra todo um fenómeno sociológico em si mesmo, uma espécie de micro-clima da sociologia.

- entretanto, na África do Sul, a líder da oposição recebe bocas sobre o facto de ser gordinha, interrompem-na no Parlamento para dizer - de forma muito pertinente, claro está - que devia fazer qualquer coisa ao cabelo, e durante o debate do orçamento, e relativamente ao que levava vestido, acusam-na de não respeitar as regras de decoro daquela casa. "Feia, gorda, cala-te, vai para casa, pára de tentar discutir política ao nosso nível." Foi também acusada de ser uma ninguém, uma "tea girl" (se é para arrasar, é para arrasar).

- na mesma nota, a Ministra da Habitação francesa teve que aguentar piropos em forma de assobios (mas está tudo doido?! Mas em que mundo é que vivemos?!) durante o seu discurso na Assembleia Nacional francesa. As desculpas dos assobiadores - que são as mesmas sejam os assediadores homens de fatinho e gravata, líderes de uma nação, sejam homens das obras (querendo isto dizer que não é uma questão nem de educação, nem de classe, nem de idade, é de papéis de género masculino gone wrong) - foram que ela estava a pedi-las porque levou de propósito um vestido que os distraía do que ela estava a dizer e que os assobios eram um tributo a ela, e que portanto, inferindo destas afirmações, ela devia era estar grata e sentir-se muito lisonjeada. Novamente, pergunto: mas que porra de mundo é este?!

- um tweet sobre como uma ex-deputada devia estar caladinha e ser uma boa esposa em vez de responder aos meninos crescidos da Câmara dos Comuns; 

- outra sobre como uma mulher indiana, após 20 anos de andanças na política de alto-nível, ainda tem que ouvir coisas como "fiquei engasgado com a beleza dela" ou como supostos colegas de Câmara não se conseguem controlar e que depois lá fora revelam o que não podem revelar ali dentro. Tudo isto porque foi, em jovem, vencedora de uma concurso qualquer de beleza. Claro exemplo de categoria 1.

- depois, a Presidente sul-coreana, acusada de não ter qualquer espécie de "feminidade" por não ter filhos, nunca ter dado à luz, etc. Mas acusada de não estar à altura de ser comandante das forças armadas por ser mulher e não ter experiência na matéria. (Ou seja, cabra mas não cabra o suficiente, aparentemente.)

- na mesma nota, a famigerada Primeira-Ministra australiana, vilipendiada por não ter filhos e que portanto é uma pessoa fria, coração de pedra, e que como pode uma mulher assim ter empatia suficiente para governar um país. A ideia pelos vistos ainda extremamente enraizada de que uma mulher que escolhe deliberadamente entre filhos e carreira é uma aberração.

- entretanto, piadinha no Chile sobre como as mulheres não sabem o que querem, e que quando dizem "não" querem dizer "sim", umas indecisas. (Acho, de todos os mitos sobre géneros, este o mais perigoso. É ele que vai perpetuando o que muitos apelidam de "rape culture", e de que a vítima tem sempre qualquer dose de culpa, porque estava a pedi-las, porque tinha uma mini-saia justa, porque estava bêbeda, porque foi por aquele caminho sozinha, porque mandava supostos "sinais". "Não" significa "não", não significa "talvez", nem é um convite para mudança de ideias. Mas esta conversa leva-me por um caminho muito extenso, que não é para percorrer hoje).

- finalmente, a Hillary Clinton. Essa teve que ouvir repetidos gritos de "vai-me passar a camisa a ferro!" durante um comício durante a corrida às presidenciais norte-americanas de 2008 e é constantemente apelidada de histérica, estridente, e cabra. Mesmo assim, com as letras todas: b-i-t-c-h. Pessoas tipo Glenn Beck e Rush Limbaugh (que eu não sei como ainda estão autorizadas a respirar) que dizem sem vergonha nem escrúpulos nenhuns que ela é "o estereótipo de cabra" e que seria um inferno para todos os homens americanos durante quatro anos se ela ganhasse as eleições para Presidente. Mais: que era uma coisa horrorosa ver uma mulher envelhecer diariamente à frente da nação toda. ... E é nestes momentos que uma pessoa chega a conclusão que quais sexismos subtis quais quê, o machismo violento e desavergonhado está bem e recomenda-se neste nosso mundo ocidental. E que estas criaturas podem não ser representativas dos EUA mas que têm uma base de fãs demasiado alargada para que eu possa restaurar a minha fé na Humanidade a 100%.

Acho que isto dava uma investigação de doutoramento tão frutífera, estudar de que forma a misoginia está infiltrada no debate político. Mas depois talvez quatro anos não fossem suficientes para o levantamento de exemplos.





S. 


sábado, 15 de junho de 2013

Sobre oportunidades perdidas (macacos me mordam, porra)

"I'm going back to 505..."


Sempre quis ficar num quarto com este número :D (apesar de ainda não fazer qualquer ideia do que eles querem dizer com 505...)



E por falar em Arctic Monkeys, ontem descobri que eles vêm cá a Bruxelas. Nunca, ninguém de jeito vem a Bruxelas. E quando alguma mega estrela vem à Bélgica, vai é a Antuérpia, só por despeito. Por isso fiquei uns segundos sem respirar, de boca aberta porque eu ando a arranjar maneira de os ir ver há 2 ou 3 anos (e estava até a contemplar o SBSR não obstante a minha aversão a festivais, poeirentos e com maus acessos, ainda por cima). Acho mesmo que soltei um gritinho-de-animal-ferido quando vi que os bilhetes já esgotaram. Como, quando, onde é que foi possível tal anúncio que eles vinham cá atuar escapar-me continua uma incógnita das grandes.

Entretanto parece que dá para comprar bilhetes à mesma, ficando-se numa lista de espera caso haja pessoas que desistam da sua reserva. Eu ia comprar e vi que o número que me alocavam era o 1678 por isso mandei mais um gritinho-de-animal-ferido e fui refletir. Não faço ideia de quão expectável é que 1678 pessoas que já reservaram bilhete desistam, e não é claro o que eles fazem caso vendam bilhetes a mais. Abrigava uma secreta esperança que eles fossem impelidos a fazer um concerto extra caso tivessem suficientes pessoas na lista de espera mas depois vi que há outros dois marmanjos quaisquer que vão atuar no dia antes e no dia a seguir ao concerto deles, de maneira que essa esperança caiu-se-me por terra. 

Vou puxar mais uns cabelos e bater com a cabeça na parede, já cá volto.



  

S.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Os humoristas andam originais

E por falar em notícias que consistem em imagens grotescas de comida: a oposição na Austrália organizou um jantar e colocou no menu as mamas pequenas e as coxas grandes da primeira-ministra, Julia Gillard.


Espetacular, hã? Dar a um prato o nome de partes do corpo de uma oponente. Só classe. (Notícia aqui)

Claro que, sendo isto revoltante, não é inédito nem devia ser tão surpreendente. Julia Gillard tem um defeito que é ser uma mulher com poder. E as armas de arremesso preferidas contra mulheres no poder (ou contra qualquer mulher, agora que penso melhor) são insultos à aparência. Acho que é um reflexo inconsciente do que nos foi incutido durante a primeira infância, quando contrariados atirávamos à cara da menina que nos estava a chatear seriamente aquele insulto muito demolidor de recreio de infantário de "és feia!". Exceto que a coisa não pára no infantário, continua antes pela vida. Qualquer revista e blog cor-de-rosa o atesta.

Mas o que é mais interessante é como o insulto continua a ser atirado mesmo contra mulheres poderosíssimas, que alcançaram cargos de topo nos países respetivos, e que ainda assim não merecem mais que um "és feia!", "és gorda!", "és velha!", "és mal feita!". Estas mulheres singraram altamente num meio ainda extremamente dominado por homens mas isso pouco parece importar ao lado dos seus falhanços na maior aspiração e papel da mulher: ser bonita. Contem quantas vezes o Ricardo Araújo Pereira, o Bruno Nogueira e o Nilton colocam o adjetivo "gorda" na mesma frase que Merkel. Ou o frenesim que se gerou quando Hillary Clinton apareceu sem maquilhagem algumas vezes e sem cabelo arranjado (acusaram-na imediatamente de estar a descurar os seus deveres como Secretária de Estado. Ao que ela respondeu qualquer coisa como "Oh meninos, eu cheguei a um ponto na minha carreira em que me posso dar ao luxo de me estar a marimbar para se pinto os olhos ou não. O meu título fala mais que todo o meu guarda-vestidos junto." Pimba, calou.)

O que é verdadeiramente preocupante neste caso da Julia Gillard é a escolha da comparação: coxas e peito, duas partes do corpo feminino extremamente sexualizadas. Ou seja, o insulto aqui dá um passo a mais no sexismo dos "és gorda" e "és feia" para passar a ser "és um objeto sexual, para ser olhada, avaliada [o "mamas pequenas e coxas grandes"] e comida". A alusão à violação como forma de silenciar uma mulher e de a submeter à vontade do seu oponente a permear toda esta brincadeira oh-tão-sofisticada. 

Por isso, refletides: da próxima vez que quiserem insultar a Merkel através do seu peso corporal, pensem "E se fosse o Berlusconi, também o chamaria de gordo?" (nunca ouvi ninguém chamá-lo de tal). Aposto que muitas outras infâmias surgiriam à frente na lista de insultos ao palhaço. De modo que chamando "gorda" à Merkel mas "palhaço" ao Berlusconi, tendo os dois senhores relativamente a mesma massa corporal, sim, seria sexista. Sede originais.





S.   

Bipolaridade editorial

Website do Guardian, ontem:


Estou eu muito bem a ler a notícia, quando me deparo com um daqueles vídeos muito fofinhos, na coluna direita: "Lion and puppy 'kiss' each other". Awww. Reviro um bocado os olhos porque, sinceramente, vim parar ao Your Daily Dose of Cute ou quê?

Até que reparo no vídeo imediatamente acima desse:


"How to section an octopus". 0.o

"Descubra como virar a cabeça do avesso (literalmente, jasus), remover entranhas, bico (?) e olhos". Afinal, se calhar, não vim parar ao Your Daily Dose of Cute...

Que violência vem a ser esta, meu deus! E que bipolaridade de quem organizou esta secção, já agora. "Ooooooh, olhaa, tão fofinhox o cãozinho cutxi-cutxi e o leão grande a darem uma jokinha fofinhaaa :')))))) ; QUER DESMEMBRAR UM POLVO E NÃO SABE COMO?! VEJA ESTE VÍDEO. SE TIVER CORAGEM..."

A paixão dos humanos pelo reino animal a mostrar também os seus dois pesos e duas medidas, separando o que é fofinho do que é para comer. 




S.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Moral das histórias

Houve alguém que decidiu pegar em alguns filmes Disney e meter-lhes nomes mais honestos ao que a história é. O resultado é muito bom, especialmente na parte das Princesas:

A Cinderela e a sua super makeover que envolveu abóboras transformadas em coches e sapatos perdidos:


A pior Princesa Disney com o título que merece e que eu já tinha reclamado há uns mesitos:



Este filme nunca vi por isso não posso atestar sobre a veracidade da crítica. Mas fez-me rir:


Oh, este é muito bom :'D



Muito bem apanhado, sim senhora. Ficam aqui mais duas que, não tendo que ver com representação das mulheres nos media, me arrancaram mais umas boas gargalhadas:



Exato, tanto cão que aquele filme tem!


Hahahaha! Disney, a promover Shakespeare entre os mais novos desde 1994 :D


Isto é tudo daqui: If Disney Films Had Honest Titles



S.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Edimburgo merece muito mais que a referência a um chá de whisky

"Edinburgh is a mad god's dream, fitful and dark". Era assim que começava um dos poemas gravados no muro do novo parlamento escocês. Um de muitos, uns em inglês, outros em gaélico, mas que ficou comigo porque é uma ode à atmosfera mágica, meio impenetrável e milenar desta cidade que, para mim, is the loveliest in the world

Não tem a beleza óbvia e por vezes irritante de Amesterdão, nem o rigor, limpeza e ordem germânicos de Estrasburgo; ao invés, é uma cidade escura devido à pedra uniformemente acastanhada, gasta e poluída pelos séculos, com que os seus edifícios são invariavelmente construídos. É escura, mas sem nunca ser sombria. Edimburgo é uma cidade sinuosa, de altos e baixos, de becos e ruelas muito estreitas, mas nunca é duvidosa, assustadora, suspeita. Não há um graffitti nas suas paredes, não obstante a fama estereotipada dos escoceses para a, er... selvajaria. É uma cidade segura, com uma qualidade de vida extremamente invejável não obstante o tempo que faz.

O tempo que fez a semana passada foi extraordinariamente benevolente para connosco. O sol brilhou, durante muitas horas, muito frequentemente, e a chuva manteve-se ao largo. Vi o azul do céu escocês, vi o dia nascer às quatro da manhã e fechar-se às onze da noite. Andei na rua às dez da noite não vendo vivalma, estranhando a ausência de gente e de lojas e cafés abertos, porque a luz do dia dizia-me, enganosa, que eram cinco da tarde. A frase que mais ouvi repetida das bocas dos locais foi "It's hot, isn't it?" porque claramente 18 ou 19 graus no final de maio equivale a vaga de calor na Escócia. Eu encolhia os ombros, sem dizer nada, porque claramente as perceções de calor variam muito na Europa e, francamente, deviam ver o que são 35 graus em Lisboa para conhecerem o calor!

Ganhei um respeito e sobretudo um carinho muito grande pelo povo escocês. Consigo agora entender e distinguir a sua individualidade que me tinha largamente escapado das primeiras vezes que visitei a Escócia de fugida. Os elementos que fazem a minha consciência acenar que sim, que estou no UK, estão lá - a tomada tripla, os carros em contramão, as distâncias em milhas, o volante do lado direito, o semáforo que acende laranja antes de acender verde, os Neros, as Debenhams, Primarks, Marks & Spencer, Tescos, HVMs, o omnipresente inglês, os autocarros de primeiro andar, o dinheiro esquisito, os Look Lefts no alcatrão, a chaleira no quarto de hotel, o omnipresente chá com leite, tudo grita "UK". Mas isso é para quem olha uma vez. Quem olha a segunda, a terceira, a décima, dá-se conta de um laivo muito forte, secular, cultural, subtil mas invariável, de qualquer coisa que não existe em mais lado nenhum. Primeiro são as bandeiras azuis de cruz branca. que marcam presença nas montras de pubs, em edifícios administrativos, em hotéis. Não como que a marcar uma posição desafiante, nacionalista, com cheiro artificial, mas sim a constatação de um facto. A Escócia existe de facto, os escoceses são um povo, têm uma história própria, verdadeira, distinguível dos ingleses. Mas a bandeira desfraldada no topo do Castelo de Edimburgo é a Union Jack...

Uma colega e amiga revelou-me que os escoceses têm uma mentalidade política profundamente diferente dos ingleses. Bem mais comunitária, mais socialista, mais complacente. Ela disse "We want to succeed, of course, but we want to bring everyone along with us." E isto, afirmou, é algo que os seus amigos ingleses simplesmente não entendem. Sim. Não obstante ter sido a terra natal de um pai do pensamento económico liberal (o que muitos protestariam ser um eufemismo para capitalismo selvagem), Adam Smith, a Escócia é muito mais esquerdista que o resto do UK. O partido trabalhista obtém as suas maiorias parlamentares graças aos deputados escoceses, o partido conservador é fraco da muralha de Adriano para cima e a palavra Thatcher é quase uma asneira nas Highlands. O UKIP, esse partido profundamente anti-Europa, assustadoramente anti-imigração e ridicularmente populista como só quem nunca governou pode ser, não consegue ganhar raízes na Escócia como o está alarmamente a conseguir em Inglaterra. No outro dia - e eu juro que queria ter feito um post sobre isto porque me ri tanto e bati tantas palmas sozinha como uma doida - o Nigel Farage foi a Edimburgo e foi corrido à sapatada de um pub porque o empregado atrás do balcão simplesmente se recusou a servir gente da laia dele. E depois o Farage queria vomitar mais um bocadinho de scaremongering numa conferência qualquer e não conseguiu porque os protestos foram tantos que ele teve que, literalmente, fugir a correr. Diziam os protestantes que não queriam escumalha fascista e homofóbica na cidade deles. O Farage, fulo da vida, lá tentou obrigar o Primeiro-Ministro escocês a condenar os protestos,  numa tentativa demasiado falhada de ligar protestos legítimos de quem não tem paciência para gente que gosta de espalhar o ódio e o racismo, à causa nacionalista, mas foi em vão. O Alex Salmond levantou-lhe uma sobrancelha e basicamente disse que cada um tem o que merece. E que não fosse criança e fosse aprender a argumentar, em vez de espalhar ódio sobre os nacionalistas escoceses. 

A Escócia, ao contrário de Inglaterra, tem uma ligação profunda com o Continente. Gosta dos europeus continentais, percebe a ideia de Europa, sabe o que isso é, sente-se parte. Dizem eles que os escoceses passaram a sua história toda a aliar-se ora com os franceses, ora com os espanhóis contra os vizinhos do sul, e que, uns séculos mais tarde enquanto Londres franzia o sobrolho ora à França, ora à jovem Alemanha e tentava equilibrar a balança europeia, os escoceses mantinham trocas comerciais com o Continente, negociando, trocando, vendendo, comprando, com os primos europeus. Na Europa, a Escócia vê uma oportunidade de ter uma voz, de escapar aos laços que a estreitam e regem em Westminster. Percebi, também, e claro como o dia, que a situação de meia autonomia, meia pertença em relação ao UK - a chamada devolution - não é nada mais que uma transição. Entendo que a independência seja o único passo lógico na luta por uma cada vez maior devolução de poderes. Porque é disso que se trata, devolução. A Escócia foi um país durante séculos, tem uma cultura política diferente da Inglaterra, há uma grande vontade de voltar a ser soberana. Dentro da família europeia, em parceria com a Commonwealth. É uma vontade transversal a tudo o que eu vi, senti, ouvi na Escócia, ainda que não seja unânime. O referendo de 2014 vai ser extremamente antecipado por esta outsider.  

Neste momento, Edimburgo está metade em Westminster. A justiça é gerida pela Escócia em Edimburgo, são os membros do parlamento escocês quem dita as leis do sistema penal da terra. Mas nas reuniões de ministros em Bruxelas, quem se senta à mesa é o Ministro da Justiça britânico, quem dá sugestões para a política europeia, quem decide, quem veta ou aprova legislação europeia, que será depois vinculativa em todas as partes do UK, mesmo nas que ele, nacionalmente, não decide nada. Porque é o UK que é país, estado-membro, não a Escócia. Muita especulação já houve também sobre a pertença da Escócia à UE caso se torne independente: entrada automática ou fase de adesão? Obrigada a adotar o euro eventualmente ou pode manter-se na libra? Os novos cidadãos escoceses perdem o direito a movimentar-se livremente pela Europa e só o ganham quando a Escócia voltar a pertencer à UE? Mas pode a UE retirar-lhes um direito, o de livre circulação, apenas por terem eles exercido o seu direito democrático de votar para a independência? Tanta pergunta sem resposta por não haver precedente. 

Sente-se o peso da História nas pedras da calçada das ruas de Edimburgo. E nas casas, seculares e com o mesmo traçado característico desde o centro aos subúrbios mais longínquos. Evidência de uma cidade que escapou às guerras devastadoras do Continente no século passado. Não se encontra uma capital tão medieval e sistematicamente preservada e autêntica na Europa continental. Acasos felizes que não são só acasos mas consequências de uma geografia muito periférica. Uma geografia que, para além disso, se caracteriza por ter mar à volta. Ser ilha e impossível de invadir a pé e a cavalo, basicamente. Apenas o Parlamento escocês destoa, um edifício moderno, sinuoso, e que consta que sem um único ângulo reto na sua arquitetura. Estranho mamarracho que suscita ódios e amores nos corações escoceses. (Mas eu diria mais ódios.)   

Por falar em ilha, vi novamente e por uma série de acasos muito felizes - estar sentada à janela, ter olhado na altura certa e estar um céu limpo - como a Grã-Bretanha é tão "já ali". É mesmo. Quando se vem do norte e estamos a sobrevoar a costa britânica, surge o mar e logo a seguir o Continente. Abarca-se ambas porções de terra no mesmo olhar, com uma língua de mar que parece ínfima da janela de um avião. É maravilhoso.

Quero muito lá voltar. 




S.    

Minimalismo - nível IV

É oficial, vamo-nos mudar. Só de casa, quando muito de comuna, mas ainda assim estou muito entusiasmada. É uma coisa mais pequenina por isso teremos que ser criativos na arrumação. É para isso que o Ikea existe. Sinto-me como se estivesse a jogar Sims, modo compra, e sem batota. Assim tenho um número reduzido de peças para as quais posso olhar porque quero manter os cordões da bolsa firmemente apertados e não há cá "motherlode"* para ninguém. Isto da decoração ultra-funcional em espaços pequeninos tem o seu quê de desafiante.

Entretanto descobri a Amazon versão loja de móveis e pronto, fiquei com os meus problemas resolvidos. Especialmente a alemã; ninguém nem nada consegue bater a Amazon.de nos preços e na quantidade de escolha. Nem mesmo o Ikea. Btw, o Ikea é mais caro em Portugal do que na Bélgica. Não sei como é possível, mas estive a comparar os mesmos produtos e por vezes havia diferenças de 10, 20 euros (em 100). Não sei que tipo de contas é que os senhores ikeianos andam a fazer para estabelecer preços mas ajustados ao poder de compra não são de certeza.

Entretanto o verão chegou a Bruxelas. Primeiro a medo, mas agora parece que vem aí uma semana de temperaturas máximas nos 21-22º. Ainda não me aventurei de manga curta porque isto uma pessoa tem que ir com calma e ainda estou traumatizada por ter visto nevar no fim de abril. Daqui a pouco mais de um mês volto a Portugal por uns dias valentes e quero saber o que é isso de "ir à praia" ou "o mar". Apagou-se-me da memória ambos.




*para quem nunca jogou Sims, motherlode era o código que se introduzia para aumentar o orçamento familiar em 10 mil ou 50 mil simliões. Assim, do nada. Dava muito jeito, pois claro.




S.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Scotland, you're doing it wrong



Chá com sabor a whisky?! Oh, mãe do céu. O aeroporto de Edimburgo tem as coisas mais estranhas. Primeiro o man-washer, agora um chá alcoólico. Isto é que é gente que gosta de beber. Tudo. E, de preferência, ao mesmo tempo.



S.