quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Wholeness

'We’re kind of teaching our kids that happiness is the default position — it’s rubbish. Wholeness is what we ought to be striving for and part of that is sadness, disappointment, frustration, failure; all of those things which make us who we are. Happiness and victory and fulfilment are nice little things that also happen to us, but they don’t teach us much… I’d like just for a year to have a moratorium on the word “happiness” and to replace it with the word “wholeness.” Ask yourself, “is this contributing to my wholeness?” and if you’re having a bad day, it is.'

Lido hoje aqui, do Hugh MacKay.

domingo, 26 de novembro de 2017

Black Friday que não foi

Estive mais tempo do que queria na Debenhams, saltitando entre pisos para levantar a encomenda, experimentar roupa, olhar os saldos, devolver o que não me servia. Tinha uma gata para visitar na área e então planeei a visita à Debenhams de Oxford Street para esse dia também. Mas tinha suspirado de frustração por só me ter apercebido de manhã que hoje era a Black Friday. Cerrei os dentes e que se lixasse, estou habituada a multidões e as de Londres costumam ser ordeiras.

Saí da Debenhams já era de noite - o que não é difícil nesta terra por volta do inverno - mas ainda assim fiquei ligeiramente aborrecida. As últimas semanas tinham sido loucas entre trabalho novo a todo o gás e vários gatos para visitar todos os dias, queria um bom dia de dolce far niente. Mas bom, ainda ia a tempo e este era o primeiro dia que tinha reservado para stress a meio gás.

Ponho o pé fora dos armazéns, ainda a pensar nisto tudo e a planear onde ir apanhar o autocarro, quando vejo uma multidão ao virar da esquina a correr na minha direção. Não me lembro quanto tempo demorei a racionalizar a coisa, acho que pareceu muito e nenhum ao mesmo tempo. Lembro-me deste sentimento:



A partir daí entrei em auto-piloto. O pânico foi real, mas não me toldou completamente a memória. Lembro-me de rodar nos calcanhares e começar a correr na direção em que as outras pessoas estavam a correr, lembro-me de passar pela porta da Debenhams onde tinha acabado de sair e ver mais uma onda de pessoas a correr pela porta fora e escadas abaixo, lembro-me de ver mais pessoas a correr à minha frente, lembro-me de pessoas a gritar, lembro-me de ficar frustrada por ter botas de tacão calçadas e ponderar parar para as descalçar mas decidir imediatamente contra isso, lembro-me de ver uma pessoa a cair estatelada no chão à minha frente, lembro-me do pensamento "isto está a acontecer, AGORA" dominar grande parte da minha mente, lembro-me de guinar para a direita assim que vi um edifício com uma porta giratória e um lobby enorme porque sair da rua me pareceu instintivamente uma melhor opção do que continuar a correr feita alvo ambulante sem rumo.

Mais pessoas tiveram a mesma ideia mas as portas giratórias teimavam em não andar quando as empurrávamos - e eu fui uma das primeiras, estava a sentir a pressão das outras pessoas a quererem empurrar a porta e a mim pelo caminho. A rececionista, sem saber o que se estava a passar, pediu calma já que as portas paravam de girar precisamente quando eram forçadas, e lá conseguimos entrar a conta-gotas para o lobby marmorizado e iluminado. Suspeito que as caras à minha volta eram o espelho da minha, confusão, agitação da adrenalina e respiração ofegante pela corrida inesperada. Ninguém sabia o que se estava a passar e mais pessoas continuavam a forçar a entrada. Alguém grita alguma coisa e corre para dentro, para longe da rua e vamos todos atrás porque de repente as portas vidradas que nos separam da rua deixam de parecer proteção suficiente contra o que quer que fosse que estava atrás de todos nós. E é óbvio que todos soubemos imediatamente o que se estava a passar: um ataque terrorista na popular rua de loja no centro de Londres, na hora de ponta na Black Friday. Corremos todos para dentro dos corredores do edifício, sem saber para onde, numa tentativa em pânico de nos esconder dos atiradores (a esta altura já circulavam meios-rumores de tiros em Oxford Street). A rececionista direcionou-nos para o segundo piso, um piso vazio, sem acesso exterior a não ser com cartão. Aquela ala ampla e vazia, de paredes brancas e chão espelhado, pareceu-me o céu no momento em que entrei. Suspiro de alívio, apesar de a adrenalina continuar a percorrer-me, a razão começando a encontrar espaço para poder começar a funcionar.

A razão não tinha muito por onde pegar. Outro tipo de instinto fez-me a mim e a outras pessoas sacar do telemóvel para procurar notícias sobre o que se estava a passar, mas nem o Twitter nem os media tinham ainda pegado na situação. Lá fora continuávamos a ver pela janela pessoas a correr lá em baixo com alguns gritos de pânico. A alguém ocorreu de repente que devíamo-nos afastar das janelas, que éramos presa fácil ali à espreita, e devíamos apagar as luzes, "APAGUEM AS LUZES!". O pânico vem em ondas e propaga-se como fogo. "Ssssshhhh", gritei eu e mais umas pessoas: estávamos tão seguros quanto possível, e apagar as luzes não só não era possível como poderia parecer mais suspeito do que mantê-las acesas numa rua onde todos os outros edifícios estavam iluminados.

E depois começou a procura de informação, tentando cruzar relatos de uns grupos e de outros. Uma mulher, não esqueço porque mesmo no estado inicial de medo e ignorância completa me irritou com a segurança com que propagou informação alarmista: tinha saído a correr da Debenhams porque viu e ouviu homens armados a disparar contra os compradores, e eram do ISIS, eram do ISIS, eles tinham avisado que iam fazer alguma coisa na Black Friday, e agora cá estavam eles.

As pessoas ligavam a familiares e amigos, alguns que tinham sido separados a dizer onde estavam, o que se estava a passar. Eu continuava uma busca frenética pela Internet para compreender o que se estava a passar. Twitter da Metropolitan Police de Londres foi para onde me virei, a única fonte de informação fidedigna e segura, experiência de ataques passados onde havia sido espectadora ausente e que agora se tornava o guia de ação para uma experiência bastante mais ativa. Finalmente começavam a aparecer movimentações da polícia na rede social. A vaga e frustrante informação típica do início de ataques: a polícia está a responder a um incidente na estação de Oxford Circus, evitem a área.

Começou a espera. Não sabia quanto tempo teríamos de ficar ali; lembro-me de pensar que não tinha comida na mala e preocupar-me. Um trabalhador daqueles escritórios trouxe um jarro de água e copo. As casas de banho eram ali, se alguém precisasse. A rececionista de vez em quando voltava ao nosso piso para nos informar que havia mais pessoas no lobby, que não havia nenhuma informação, mas que estávamos seguros ali. Uma serenidade louvável. Para além de trocar mensagens com o D., nunca me passou pela cabeça informar alguém dos meus do que se estava a passar. O que é que ia dizer? Tenho uma maneira de encarar as adversidades que é a seguinte: engolir. Dentes cerrados e vamos racionalizar: qual é o plano? Não me estou a gabar: quando foi para fugir em pânico, sem nenhuma ameaça visível que não o pânico da multidão, também fugi. E isto nada tem que ver com coragem nem tampouco liderança. Até porque isto é uma estratégia que utilizo porque me serve a mim. Lembro-me de pensar com alívio que ainda bem que estava sozinha e só tinha de pensar em mim. Mas isto para dizer que a última coisa que queria era ligar a alguém que estivesse longe, para dar conta de uma situação que não fazia a mínima ideia de qual era, verbalizando o meu pânico. Entretanto a Met Police tinha informado para quem estivesse nas redondezas se abrigar em edifícios até informação em contrário. Tínhamos tomado a decisão correta, respirei fundo. E sentei-me no chão, preparando-me para esperar.

Notei o saco de compras que trazia e decidi enfiá-lo a custo na mochila, para que fosse mais fácil fugir da próxima vez. Voltei a ponderar descalçar a merda das botas de tacão (não descalcei).

Levantei-me para ir às janelas espreitar o que se estava a passar, na ânsia de sorver informação que teimava em não chegar pelo imediato Twitter. As pessoas já não corriam, pareciam andar normalmente pela rua. Algumas pessoas continuavam dentro do edifício oposto.

A mulher dos rumores voltou à carga, desta vez com a informação sensacional de que o marido estava a ver a BBC e que tinham informado que eram três grupos armados: um na estação de Oxford Circus, um na Debenhams, e outro na rua. Online, a BBC mantinha-se vaga nas informações, respeitando o bom jornalismo e seguindo a linha oficial da polícia, que continuava as investigações e sem divulgar nada. Apeteceu-me mandá-la calar, um Daily Mail ambulante que tira regozijo macabro de espalhar informação sensacionalista e completamente infundada.

Continuava a não haver relatos de nenhuns atiradores, esfaqueadores, camiões ou bombas. Começava a tornar-se exasperante. Mas quanto raio de tempo precisa a polícia para dizer o que se está a passar?!

Cerca de uma hora depois de entrarmos no edifício, a rececionista regressa para dizer que tinha falado com a polícia lá em baixo e estavam a recomendar às pessoas começarem a ir embora dali, não havia perigo. Tive as minhas dúvidas - não tinha havido informação oficial pelo Twitter para desandarmos - mas as pessoas lá fora caminhavam normalmente. E eu tinha as chaves do cat-sitting recente, uma casa ao fundo da rua onde me encontrava neste momento. Alguma coisa era só correr em frente.

Saímos. O som que me atingiu imediatamente foi o tectectectectec dos helicópteros por cima das nossas cabeças, as sirenes da polícia, as luzes azuis intermitentes dos carros de emergência: apesar de tudo, era uma zona ainda em estado de sítio. Caminhei até ao Hyde Park, até Marble Arch onde sabia que passavam autocarros para casa. Não valia a pena esperá-los na Oxford Street, de certeza. Centenas de pessoas na rua, mas isso não é nada de estranho naquela zona a uma sexta-feira à noite. Ainda me sentia meio fora do meu corpo, pela surrealidade do que tinha acabado de viver. A praça de Marble Arch estava cheia de pessoas, pareceu-me que um ponto de encontro de vários escritórios que devem ter políticas de evacuação planeadas para casos destes, com várias pessoas de colete refletor e megafone. De resto, a cidade completamente normal: carros a passar, a parar nos semáforos, autocarros a funcionar normalmente. Olhando em volta, as pessoas pareciam-me em estado normal. (Vi muita gente ainda abrigada em lobbies de escritórios enquanto caminhava até Marble Arch.)

Mas que raio se tinha passado?

Fui esperar o 10 à paragem. E lembro-me de pensar que ainda não estava normal por ter achado ridículo fazer um gesto tão banal como sacar do cartão para passar no autocarro. E havia qualquer coisa de estranho porque parecia-me que as pessoas à minha volta não estavam na mesma dimensão que eu, que havia qualquer coisa que não sentia certo. Lembro-me de recear ficar com algum resquício de ansiedade duradouro porque apesar de não ter estado sob perigo, experienciei tudo como tal e pensei estar a correr pela vida durante alguns fatídicos minutos.

Claro que isto agora me parece ridículo. Só quando cheguei a casa é que começaram a surgir as notícias de que a polícia não tinha encontrado vestígios de tiros ou de bombas ou de altercações ou de... nada. Até me sinto levemente zangada por esta experiência, impaciente pelo pânico que senti. Já reconstituí o que fiz e sei que tomei as decisões certas com a informação que (não) tinha: confiar que uma multidão a virar uma esquina em pânico sabe coisas que eu não, não esperar para confirmar o perigo, sair da rua o mais rápido possível, manter-me sossegada e esperar direções da polícia. O que não me impede de temer que o ridículo desta situação possa ser como a história do Pedro e do lobo da próxima vez...

Óbvio que não fiquei com resquícios de nada. Já voltei a Oxford Street ontem e hoje para continuar a cuidar da gata. Passei duas vezes pelo edifício onde entrei em pânico e vi que, caramba, é muito mais perto da Debenhams do que me tinha parecido na altura. Continuam-me a ser indiferentes as multidões, nas ruas e nas lojas, para além da leve irritação de quando queremos passar e não se mexem.

Mas continua-me ligeiramente preocupante a rapidez com que cheguei à conclusão de que aquilo era um ataque terrorista, toca a fugir. É um lembrete de que, apesar de não pensar nisso no meu dia-a-dia, a plausibilidade de uma situação dessas é forte no meu inconsciente e, a avaliar pelo pânico coletivo, no dos habitantes e turistas que visitam esta cidade.



S. 



sexta-feira, 17 de novembro de 2017

O fim do mundo não é em Chelsea, é em Westminster

A verdade é que estou aqui, tive que optar entre UK e UE, contacto com ele profissionalmente e mantenho-me a par por motivos também pessoais. Mas na maior parte do tempo é muito fácil esquecer que o Brexit vai acontecer. Voltei a viver na cidade com que estou apaixonada, comecei o meu trabalho de sonho, e por isso o meu estado de alma neste momento, assim no seu geral, é do mais abençoadamente satisfeito que me lembro de sentir.

Mas depois há umas alturas em que o Brexit berra-me aos ouvidos de tal forma que eu não consigo ignorar a evidência de estar a viver um dos períodos mais deprimentes da história recente deste país e a presenciar o governo mais incompetente de que há memória.

Não é apenas a decisão tão desnecessária, ignorante e auto-mutiladora que foi tomada. Nem a absoluta incompetência com que está a ser gerida.

O pior é mesmo esta realização de que a secção Brexiter da sociedade - público e elites media e governo - estão cegos. É uma ânsia enorme de se libertarem da Europa, de serem novamente únicos, orgulhosamente sós, qual cá mais um entre pares. Os detalhes dessa libertação? Não interessam, interessa é a visão brilhante, cor-de-rosa, maravilhosa, de um mundo onde são só eles a decidir o seu futuro, onde têm completa e absoluta soberania, como antes da guerra - quando eram especiais, sabem? Quem se atreve a questionar o processo, a levantar dúvidas pertinentes sobre a viabilidade da posição do governo nas negociações, a sugerir um processo de transição de alguns anos para que a saída não implique cortes abruptos em nenhum setor ou dimensão da sociedade, é rotulado imediatamente de traidor, Remoaner, inimigo do povo, ou, como ontem, mutineer.


Isto foi a capa de ontem do The Daily Telegraph. Não é nenhum tablóide; é um jornal conservador, de direita, sim senhora, mas nenhum Daily Mail. E no entanto a estratégia utilizada é a mesma: bullying.

Neste momento está a ser discutida no parlamento a European Union (Withdrawal) Bill, a lei que tornará toda a legislação europeia que o UK neste momento segue em legislação interna britânica. Isto para que não haja nenhum limbo legal no momento em que o Reino Unido sair formalmente da UE.

Dois problemas de peso:

- o atual governo meteu uma cláusula que antecipa que qualquer parte desta legislação europeia transposta possa a qualquer momento ser alterada por decreto ministerial sem precisar de qualquer aval do parlamento. Portanto, num sistema político onde o parlamento detém a soberania, e depois de tanta choradeira sobre sair da UE para recuperar o controlo das mãos de tecnocratas não eleitos para o povo, o governo britânico passa a ter total liberdade para emendar como quiser coisas chatas e burocráticas tais como máximo de horas laborais semanais, licenças de maternidade, obrigatoriedade de rotulagem de produtos alimentares, medidas de proteção ambientais, e afins. Tudo em nome da "competitividade económica", está bem de ver, tornar o UK um íman de investimento internacional, uma espécie de Singapura da Europa.

- a May teve a brilhante ideia de definir a data - e hora! - em que o Reino Unido passará a não pertencer à União Europeia, e quer essa precisão inscrita na lei, numa de diminuir o poder negocial do UK, provavelmente. Portanto, esqueçam os períodos de transição, esqueçam pensar em gerir um processo dantesco de separação de duas entidades emaranhadas por décadas de milhares de diretivas, regulações, decisões judiciais, padrões, programas e projetos financiados em comum de uma forma racional e o menos disruptiva possível: vamos antes sossegar os Brexiters radicais atando as mãos do governo na mesa de negociação a uma data que ou sim ou sopas. Data essa que é já daqui a ano e meio.

Ora, nem todos os líderes políticos foram consumidos pela histeria Brexit coletiva. Houve uns poucos deputados conservadores que se rebelaram contra estas cláusulas, especialmente a da data de saída, e estão contra essa proposta do seu próprio partido. E é aqui que entra a primeira página do Daily Telegraph. No dia seguinte ao primeiro dia de negociações desta lei, pimba, caras e nomes num dos principais jornais diários britânicos, com o rótulo de amotinados, para que o ultraje dos nacionalistas seja convenientemente espicaçado e direcionado.

Tenho a impressão que já vi esta tática nalgum lado...


Familiar?

Isto foi há cerca de um ano, quando os juízes do Supremo Tribunal decretaram por maioria que era inconstitucional o governo decidir começar a negociar o Brexit sem consultar o parlamento primeiro. Tomem lá a vossa cara na imprensa popular sobre o rótulo de "Inimigos do Povo" que é para verem o que é bom para a tosse.

Bullying. É a palavra que me ocorre e mesmo assim acho-a fraca para este explícito incitar de ódio a elementos de uma democracia que estão a fazer os checks and balances normais num sistema político democrático representativo onde impera a lei.

Para muita gente, o resultado do malfadado referendo, que nem sequer era vinculativo, tem agora um caráter absoluto e permanente, os 51,9% que representam a vontade indiscutível e imutável de um povo, sem margem para qualquer compromisso ou discussão.

Há quem desconfie que há uma vontade neste governo conservador - e sem dúvida numa parte significativa da população - de que a saída seja um crash completo, um final sem se chegar a acordo nenhum, para que haja uma espécie de reset do país. Sei que essa é a vontade de muita gente que viu nisto um voto de protesto pelos anos de políticas de austeridade, desemprego em zonas que dependiam de indústrias que já não existem, pela mudança da cor das pessoas que veem na rua e pelo declínio das condições de vida que tinham. O mundo dos 60s era um lugar mais previsível, mais estável, mais familiar. Querem isso de volta. Quanto a uma parte sinistra de conservadores eurocéticos radicais e neoliberais: que ideia tentadora, essa de não ter que chegar a qualquer compromisso com a outra parte, poder deitar todas as regulações europeias para o lixo e tornar o UK num offshore internacional, um recanto capitalista-em-esteróides europeu sem direitos e proteções ambientais e a consumidores para chatear. Era só inscrever o 29 de março de 2019 na lei e continuar a arrastar os pés nas negociações através de ambiguidade e incompetência.

Estou triste. Não me interpretem mal - estou felicíssima por estar de volta e em paz com a minha vida nesta cidade que amo e onde só me tiram daqui deportada (literalmente). Mas estou triste. Sei que este país é tão melhor do que isto. Mas na mó de cima está agora um cocktail de ignorância, nacionalismo, radicalismo e ingenuidade que só vai trazer infelicidade e dificuldade desnecessárias, e que está a pintar esta coletividade que admiro de tons muito sombrios.



S.

domingo, 22 de outubro de 2017

Ando numa fase de biografias e gostei tanto desta que tenho de partilhar umas citações




'You should do your best to notice luck so that you don't accidentally take credit for it.'

'The stereotype of the Nagging Wife has proved very useful to those of us who are often the primary cause of all the nagging: the Useless Husband. Because these days, women who find their domestic situation deeply unsatisfactory won't just need to complain, they'll need to apologise for the complaining.'

'Masculinity adds up to little more than the pursuit of not being a woman (not walking like this, not talking like that).'


E a minha favorita:


'A young man may call himself feminist, but to do so is hardly a test of character. It isn't even a test of feminism. He'll find out how firmly he believes that women have minds of their own when one of them breaks his heart.' 





S.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Mas que obsessão é esta de dividir o mundo em géneros

Numa grande parte das línguas que existem no mundo houve alguém que decidiu, para todos os nomes comuns dessas línguas, quais deveriam ser masculinos e quais deveriam ser femininos.

Porquê?



S.


(A classificação varia consoante as línguas e não tem nenhuma lógica que se discirna, portanto houve mesmo alguém que fez essa seleção.)






quarta-feira, 27 de setembro de 2017

As alegrias de procurar quarto em Londres

Aprender que, em linguagem imobiliária, um quarto 'cosy' é sinónimo de cama-cobre-três-paredes e 'clean' é sinónimo de há-alguma-coisa-de-errado-com-a-limpeza-do-quarto-senão-não-a-mencionávamos-sequer.



S.

A mulher como um outro, um não-homem II

Nada grita mais homem como default mode da nossa sociedade como a conversa das carruagens para mulheres. Porque é que nunca ninguém fala em criar carruagens especiais para homens? Afinal de contas, são eles o problema.



S.

sábado, 23 de setembro de 2017

É a minha desilusão quando vejo atletas de alta-competição maquilhadas*

Não é para ser purista, mas há mundos que eu gostava que não se cruzassem. Por exemplo, gostava muito que a Jéssica Augusto não seguisse a Pipoca Mais Doce no Instagram. Eu ainda acredito que há áreas onde se faz mais pelas oportunidades das futuras gerações do que outras e gostava que as primeiras não estivessem presas nem fossem pressionadas pelas segundas: gostava que houvesse um tipo de mulher que não fosse influenciada pela mediania, pela moldura dourada do que é suposto uma mulher ser.


*relembra-me que a pressão recai sobre todas nós, não importa que caminhos escolhemos.

S.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Cat-lady level: professional

É, é verdade, cheguei ao topo da carreira de cat lady: pagam-me para dar festas a bichanos.

Uma semana e três clientes depois, já posso apontar no meu currículo que sou cat-sitter. Todas as características do trabalho me parecem, neste momento e ainda, de sonho. A saber:

- interajo com gatos diferentes, dou-lhes festinhas, miminhos e brinco com eles (aos que se dignam a ter interesse);

- interajo com pessoas novas porque tenho de as encontrar para me darem a chave de casa e devolver no final, e enviar-lhes atualizações diárias e fotos sobre a situação dos seus bichanos;

- passo a meia-hora com os gatos na altura do dia que me der mais jeito;

- corro Londres de bicicleta e conheço novos caminhos e ligações entre zonas ("olha, esta estrada vai dar aqui!", "ah, afinal isto é perto", "aaaah, já sei onde estou" foram algumas das coisas que saíram da minha boca frequentemente nos últimos dias);

- conheço o interior de casas pela cidade e dou olhadelas pelas estantes de livros (as duas clientes são fãs acérrimas de Harry Potter - boas pessoas portanto).


E pagam-me para isto, o que - seja eu sincera - foi o que me levou a embarcar nisto.

Na reta final do doutoramento, escrevendo os últimos capítulos da minha tese durante as horas de trabalho, isto é precisamente o que preciso: ir ter com gatos ao fim do dia e enchê-los de festas e elogios parvo-fofinhos. Até limpar cocós das areias me de-stressa.




S.


segunda-feira, 11 de setembro de 2017

A mulher como um outro, um não-homem*

Nada grita mais homem como default mode da nossa sociedade como a representação, interesses e necessidades de metade da população - a metade feminina - ser tido como uma questão de interesses especiais de uma minoria, de "identity politics", um nicho político melhor endereçado através de uma comissão qualquer obscura com poucos fundos e pouco poder.



S.



*Assim como qualquer outra raça é um outro, um não-branco, ou outra identidade sexual é um outro, um não-heterossexual. Mas a diferença é que, ao contrário destas duas categorias, as mulheres não são uma minoria.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Nome de família


'Siddiq found that an estimated 600,000 women over the last five years had been asked to prove they were related to their children when taking their families through UK border control, leaving many stranded for hours if they did not have marriage or birth certificates or were travelling without their partners.
The problem is likely to become more common as women are increasingly likely to keep their maiden name after marriage. Around one in seven women say they intend to keep their name after marriage, according to recent research by YouGov. A separate survey found that just 4% of women intended to give their children their maiden name rather than the father’s name.'

3 coisas muito rápido:
- uma em sete não pensa alterar? Só?? Estamos no século XXI caramba, pensei que estivesse lá para os 30-40%;
- só 4% pensa dar o seu apelido aos filhos? Isso quer dizer que grande parte das mulheres que não adotam o nome do marido mesmo assim perpetuam a ideia do pai-chefe-de-família e acham inconcebível os seus filhos herdarem o seu apelido;
- não é 'maiden name', porra, é 'a woman's last name'.




S.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Qual tiudôr qual quê

Gosto muito como os ingleses dizem 'Tudor', 'txiudaa', começam como quem vai para um 'txi', mas não é bem porque de repente lembram-se que não tem lá 'x' nenhum e chega logo o 'u' e depois vem o 'da' que fica prolongado no ar, 'txiudaaaaa'.



S.

Piada gasta

Na blogosfera portuguesa, poderá alguém ir pôr um filho a um treino de futebol sem mencionar a D. Dolores? Ou se não mencionar é porque o treino não aconteceu?



S.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Inhabitiveness

'The urge to settle permanently in one place can be felt as a quiet hum. Even wanting to stay in a job can bring some often much-needed reassurance and stability to our lives - even if we might worry we’re being a bit unambitious. According to the phrenologists, a group of early Victorian scientists who thought they could detect personality traits by examining a person’s skull (see: PHILOPROGENITIVENESS), the urge to find a groove and stay in it was innate. They called it ‘inhabitiveness’ and defined it as a ‘love of continuity, of endurance, of sameness, of permanency of occupation.’

Inhabitiveness’ lacked staying power, and by the middle of the century had faded into obscurity, partly because phrenology itself lost scientific credibility. But perhaps this loss of a word for the pleasures of permanency can also be traced to the enthusiastic response - by some Victorians at least - to the ideals of dynamism and mobility, and the idea that humans are not only hard-wired to nest, but also to discover and roam too (see: WANDERLUST). 


For other ways of feeling at home see: HIRAETH, HOMEFULNESS, HOMESICKNESS.'

- Tiffany Watt Smith, The Book of Human Emotions


Este é o primeiro agosto que passo em Inglaterra. Já vivi aqui três anos, intervalados, mas nunca vivi aqui em agosto. 

O 'quiet hum' comecei a senti-lo na primeira vez que me mudei para Sheffield. A ideia era passar lá os três anos supostos do doutoramento e manter-me por cá indefinidamente. Mas ainda havia o 'depois logo se vê'. Foi com muita alegria que regressei a Inglaterra, e me preparei para assentar. Mas depois não foi assim, e voltei a sair por um ano, porque podia, porque a libra estava demasiado forte, por razões de companhia. Voltei para o terceiro ano de PhD, e arrependi-me acerrimamente de ter saído. 

Entretanto veio 23 de junho e o maldito referendo. Exatamente no dia que eu completava as provas para recrutamento como civil servant da UE. Estava portanto em Bruxelas. Vim o voo todo no dia seguinte, quando se soube os resultados, a morder o lábio, chorei como uma desalmada assim que cheguei a casa. Digo sem reservas que foi o pior dia da minha vida. Pela irreversibilidade, pela estupidez, pelo desnecessário, pela recusa de partilhar um futuro connosco. As minhas duas paixões que se desalinharam e me atiravam agora para uma escolha imperativa: ou uma, ou outra.

Chorei baba e ranho quando a UE abriu uma vaga que correspondia às minhas competências. Coisa ridícula de menina privilegiada? Sem dúvida. Mas estava a ver a vida a levar-me para longe de Inglaterra, de onde o quiet hum me dizia para ficar. Desta vez sem possibilidade de saltitar daqui para Bruxelas e retorno, por causa do maldito referendo. A escolha imperativa a enfrentar-me muito mais cedo do que eu pensava: ou uma, ou outra.


'Anxiety is the dizziness of freedom.'
- Soren Kierkegaard, The Concept of Anxiety

'Kierkegaard argues that angst is the appropriate response to realising life is not predetermined, but that we have absolute freedom to make any choice we want - and have total responsibility for the outcome.'


O quiet hum continuou. Uma segurança muito forte de que eu estava onde devia estar, desculpada pelo doutoramento em curso mas que eu sabia que era muito mais do que isso. É aqui que eu devo estar mas, acima disso, é aqui que eu quero estar. E ficar. Até quando? Para sempre?... Não, nunca se diz para sempre. Até onde a vista alcança. Uma vontade forte, imperativa, constante de criar raízes num sítio, de conhecer as coisas de cor, de poder chamá-las minhas pela força do hábito e do tempo, a minha cidade, a minha casa, o meu país, o meu emprego, a minha carreira, o meu parque, as minhas ruas, o meu autocarro, as minhas lojas, o meu aeroporto. Um dia: a minha família. Nisto, não há nada que substitua o tempo. Tão diferente da vontade de há uns anos, tão diferente do quem eu me julgava. E daí talvez não... A despedida de Londres em 2011 e o quiet hum das saudades dos meses seguintes deviam ter sido um indício.

Mas depois aprendi a gostar de cidades mais à escala humana. Inglaterra seria, então, mas Londres não. Londres é caótica, gigantesca, stressante, cara. Em qualquer sítio de Inglaterra seria feliz. Tentei Sheffield, tentei o campo. Fui infeliz, pelas circunstâncias geográficas, pessoais e, porque não?, políticas. Detestava aquela cidade mas fingia que não. Era ali que devia estar, embora não onde quisesse estar. Detestar é uma palavra forte... Não guardo nenhum rancor ou ódio, longe disso, mas não quero lá voltar. Só percebi isso quando saí.

Londres ressurgiu no final desta primavera, por uns instantes com relutância porque estragava planos, mas logo depois com um fulgor que não passou mais. E se for ali? Não sentes o apelo da cidade novamente? Tão forte, em crescendo, estou em casa.

Estou feliz. Devia ter sabido que preciso disto, da confusão familiar, das multidões, de muita coisa a acontecer, das ruas corríveis e cicláveis, que tudo isto me rodeie sendo só preciso pôr o pé fora de casa. A minha introversão não se coaduna com a calma do campo; definha-me. A permanente estimulação dos sentidos é o perfeito complemento para a minha personalidade serena. Nada disto parece normal, nada disto soa bem (as cidades exercem força centrífuga em quem lá vive por razões que racionalmente me parecem lógicas). Mas é isto que sou e é disto que preciso, com uma constância que já me permite ter alguma confiança na sua permanência. 

O quiet hum continua, mas agora as minhas circunstâncias e os meus planos estão finalmente alinhados com ele. Finalmente. O quiet hum alimenta-os. 'É aqui, é aqui, é aqui!' As raízes. A minha casa. Os meus parques, as minhas ruas, os meus autocarros, a minha estação de comboio, o meu bairro, o meu rio, o meu terminal de autocarros, as minhas lojas. A minha cidade. O meu compasso cultural alinhado com as minhas circunstâncias.




S.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Veados, veados por todo o lado

Acho adequado vir aqui apresentar o desfecho deste episódio:

Fui hoje - finalmente - ao Richmond Park e vi dezenas de veados. À beira da estrada, a atravessar a estrada, nos prados, ao pé de Hampton Court, à beira de uma avenida incrível como quem vai para Teddington.




 Eram mais que as mães.

Quanto à zona adjacente, sim senhora, todo o cenário idílico que lhe dá a fama de uma das zonas mais procuradas da Grande Londres: casas lindíssimas de classe média-alta, muito sossego, limpeza e ordenação, longe da confusão do centro londrino, muito branquela, muito à subúrbio respeitável. Tudo do que neste momento da minha vida quero estar bem longe.



S.


domingo, 9 de julho de 2017

Uma Londres desconhecida

Há dois dias, porque o dia de trabalho foi eficiente e acabou cedo e porque Londres me chama para a rua com uma intensidade inescapável, decidi finalmente ir apresentar a Queeny Papa-Léguas à cidade. Parti sem rumo porque numa cidade que se desenrola à nossa volta com uma planeza a que ainda não me acostumei depois de 2 anos no Pico do Distrito, não é preciso recear esforços despropositados. Tira-se a altimetria da equação do esforço, fica só a simplicidade dos quilómetros. Fui seguindo ciclovias e outros ciclistas, até ver.

O até ver tornou-se Torre de Londres assim que me dei conta de que tinha chegado ao Big Ben e que a ciclovia onde estava se partia em duas: ou passar a Westminster Bridge para o outro lado do rio, ou virar à esquerda e continuar ao longo do Tamisa para leste, onde iria eventualmente chegar ao meu monumento britânico favorito.

O que eu não contava era ir estrear a rede londrina de auto-estradas de bicicletas, uma maravilha do planeamento urbano que não existia quando aqui vivi da última vez há 7 anos.

Como é que eu hei-de descrever isto... Basicamente é como se existisse uma Londres alternativa para bicicletas, como se os ciclistas tivessem a sua própria cidade, sem terem que se chatear com carros ou peões. Eu estou numa das estradas mais movimentadas da cidade, a zona do Embankment, mas ciclo com uma velocidade e um descanso que só imaginado em planos utópicos de cidades sustentáveis ou sonhos molhados de cycling freaks.


Isto que é uma animação a computador, tornou-se realidade o ano passado. Uma ciclovia de dois sentidos, completamente individualizada da parte onde passam os carros e do passeio dos peões. E há umas 8 como esta, senão me engano, que cruzam a cidade de umas pontas a outras.

Ora vide mais imagens e imaginai a trabalheira que não foi precisa para renovar estas estradas todas numa metrópole cheia de tráfego:




O cuidado posto no planeamento é notório nas fotos acima e abaixo, que ilustram como as cycle superhighways evitam as zonas onde param os autocarros.


E como as auto-estradas chegam a bifurcar em diferentes direções, no caso da CS3 para quem quer continuar pelo rio ou para quem quer entrar para dentro da City. Em baixo acho que foi onde me enganei ao seguir os ciclistas da frente e cortar para dentro da cidade, em vez de continuar em frente para leste na direção da desejada Torre.


Lá corrigi o meu erro pouco depois e cheguei à Tower Bridge, onde a apresentei à Queeny PL.


Eu ainda estou parva como esta rede gigante de ciclovias, que inclui as 8 auto-estradas mais ciclovias adjacentes e quiet roads para quem quer pedalar longe da confusão, se desenvolveu nos últimos anos sem eu dar por isso! Ainda em 2013, a primeira e última vez que pedalei na capital, a minha experiência foi a de uma cidade em que se ciclava pior do que em Bruxelas. Que puxão político que isto levou.

(a parte onde pedalei, de Westminster à Torre de Londres, está a roxo)

E por isto, ainda que o odeie pela parte hipócrita e de auto-serviço que desempenhou na campanha para o Brexit, o Boris Johnson, iniciador disto tudo, vai ter sempre a minha gratidão.



É que até túneis individuais estas ciclovias têm, porra! Um túnel para os carros e outro túnel ao lado para as bicicletas. Ainda hoje andei noutra das superhighways e lá estava um. (Não encontrei foto, vão ter de confiar.)

Ainda assim, é notório que muitas zonas da cidade, mesmo centrais, ainda não estão convenientemente servidas de boas ciclovias. Por exemplo, de sul para norte, de Westminster até ao Regent's Park, não há linhas de jeito. Mas o passo da evolução, e os trabalhos a decorrer por troços das superhighways planeadas, fazem-me estar muito otimista pelo futuro ciclável da cidade dos meus sonhos.

E quão demente seria isto, se se viesse a realizar?



Aqui fica o único mapa com as auto-estradas que encontrei - curiosamente num site japonês, que o tfl.gov.uk, para minha grande surpresa e frustração, não tem nenhum mapa da rede em condições.



Boa sorte agora em tentar me tirar daqui, Theresa May.




S.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Complexo de inferioridade

Um dia hei-de fazer um estudo sobre a forma como os media portugueses equacionam sucesso de ideias portuguesas com a atenção que países estrangeiros lhes devotam.

(Nunca vi país com tanta necessidade de validação externa como Portugal, irra. Deve ser por isso que vibramos tanto com vitórias em Euros, sejam de futebol sejam de canções.) 



S.

domingo, 23 de abril de 2017

Brexit calling

Viver no Reino Unido sendo cidadã europeia neste momento é sentir o coração a acelerar quando, ao embarcar num voo para Londres no estrangeiro, a assistente em terra me pergunta, após verificar o passaporte: "How long are you staying in the UK?", e responder com um defensivo e zangado "I live there", quase que desafiando-a a contradizer este meu ainda direito.


S.