quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O inverno não tarda aí, e eu mortinha

Nada me podia ter aquecido melhor o coração (e a barriga, especialmente a barriga) do que isto, após uma semana particularmente esgotante e eventful, e de um dia inteirinho de formação em contabilidade na língua dos gauleses:


Que maravilha! Um chocolate quente que sabe mesmo a chocolate derretido, e não a leite com chocolate, que é só o que eu sei fazer. Com o copinho a escaldar entre as mãos geladas, com a previsão de neve para este fim-de-semana a pairar na minha mente e o mercado de Natal bruxelense que se avizinha, deixei de arrastar os pés cansada e foi quase com saltos de alegria que entrei em casa.

Os mercados de Natal alemães bem que podem ficar para outro ano. Agora tenho é que aproveitar enquanto a prospetiva de uma Bruxelas natalícia ainda é uma fonte de grande entusiasmo e surpresa para mim.



S. 

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Das conferências e das chatices das manifestações



Pararam grande parte da cidade? Pararam.

Bloquearam as artérias principais de acesso ao bairro europeu com os seus 500 tratores? Bloquearam.

Deu muita chatice a muita gente que ia trabalhar? Deu.

O Parlamento quase fechou as portas por causa do protesto? Sim.

Íamos ficando sem lugar para a conferência que andámos a preparar durante meses, correndo o risco de mais de cem pessoas ficarem à porta? Pois, e trememos muito durante duas horas.

Metade das pessoas chegaram atrasadas? Chegaram.

Houve muito barulho? Se houve.

Tem razão? Não faço a mínima.

É justo que milhares de pessoas sejam afetadas porque uns quantos agricultores se sentem injustiçados? Absolutamente.

O direito à manifestação é um direito ileanável  dos cidadãos de um país democrático. Independentemente das chatices que possa causar  - e normalmente causa - a terceiros. Acho sempre muita piada a quem é contra as greves pelo incómodo que lhe causa. Estes foram especialmente perspicazes em dirigirem os seus protestos a quem é realmente responsável pela política agrícola europeia - as instituições europeias em Bruxelas. E, desculpem mas borrifar a polícia de choque com jatos de leite é ridicularmente engraçado.


A conferência correu muito bem, obrigada. 



S.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Haggis a quanto obrigas

Embora seja muito picuinhas com a comida e a bebida, demore a habituar a novos paladares e só agora me esteja a habituar aos legumes não cozinhados, gosto de provar novos pratos. Lendo muito atentamente as descrições dos ingredientes que contém e fazendo cálculos mentais complexos no sentido de apurar a probabilidade de aquela nova comida ser satisfatória às minhas papilas gustativas, consigo aventurar-me por sabores diferentes.

Claro que a Escócia não tem paladares fundamentalmente diferentes do que uma portuguesa está habituada. Há carne, há. Há batata frita, há. Há puré, há. Há legumes cozidos, há. Daí que a probabilidade de eu gostar do que provaria já era à partida de 50%.

Só havia um prato escocês que me saltava à memória como especificamente tradicional: o haggis. O que eu já tinha ouvido por alto e os bleurcs quase instantâneos ao proferir da palavra "haggis" não me deixaram muito confiante. Tinha ideia que aquilo era uma espécie de iscas, fígado de porco ou vaca ou assim misturado com mais qualquer coisa. Quando a fome apertou e após várias horas de andar de um lado para o outro, decidi entrar num pub e espreitar o menú. Li a tal descrição detalhada e pensei: "tem puré, quão mau pode ser isto? Se não gostar como a batata, pronto". Nervosita, esperei que me trouxessem um prato de iscas a fumegar. Qual não foi o meu espanto quando me trouxeram isto:



Não estava à espera de gostar. Tanto. Esperava tolerar, ir comendo e não aguentar mais o sabor estranho/nojento, mas nunca pensei gostar mesmo. Ou isso ou estava mesmo com muita fome. De qualquer forma, aquilo era-me familiar. Sabia a sheperd's pie, um prato que comi várias vezes em terras da rainha e que é muito parecido com o vulgo empadão.

Dito isto, fico contente por não ter lido antes de comer a descrição de haggis que a wikipédia apresenta: "Haggis is a savoury pudding containing sheep's pluck (heart, liver and lungs); minced with onion, oatmeal, suet, spices, and salt, mixed with stock, and traditionally encased in the animal's stomach and simmered for approximately three hours."

Coração, fígado e pulmão de ovelha?? Cebola?? Suet?? (não sei o que é e temo ir procurar...) Fechado dentro do estômago da ovelha??? 

... Pensando bem não é muito pior que chouriço.

No dia seguinte foi a vez de uma ale pie. Mais uma vez, a presença de puré deu-me coragem para provar. O facto de ser uma espécie de empada alegrou-me a vista e o paladar pois fez-me lembrar as adoradas cornish pasties, empadas maravilhosas que funcionam ótimamente como fast food alternativa. A ale pie tinha carne picada por dentro, muito saborosa. Com o molho aconteceu o que é normal: provo, é satisfatório ainda que diferente, e depois acaba-se a embalagem a meio porque aquilo começa a ficar desagradável. Acho que é ali que entra o ale. Porque aquele molho sabia ao cheiro dos pubs. Ainda bem que vinha separado.



Ainda provei uma sopa que era um cruzamento entre peixe e tomate, muito espessa e saborosa, mas que não teve direito a fotografia. Acho que é o que eles chamam o broth, um caldo que parece que tem pão lá dentro.

Não provei whisky mas isso dispenso. Provei chá mas não foi nada de especial (cada vez mais difícil de contentar neste campo).



S. 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Eu conto como foi

E foi assim que, ao dia quinze do décimo-primeiro mês do ano de dois mil e doze da graça de Nosso Senhor, eu descobri que tinha tornado numa velhota. Uma velhota de idade avançada, que faz crochet, mete a mantinha por cima dos joelhos, e tem uma dúzia de gatos em casa.




Ando a ver bules de chá.



S.

Edimburgo a meia luz

Desta vez não comprei chá.

Perdi um bocado a cabeça nas lojas de tecidos tartan, cachemira, lã pura e trouxe mais roupa aos quadrados do que é sensato mas não me arrependo - e só não trouxe mantas e ponchos porque ainda assim só levei uma mochila e eu não tenho dotes mágicos para a fazer alargar.

Por falar em dotes mágicos: Edimburgo, hã... Sim senhora, Rowling. Bem escolhido o sítio. Nunca tinha eu visitado uma cidade que me relembrasse a toda a hora aquele universo mágico. As ruas de calçada, os edifícios de pedra escura, mais o anoitecer típico de inverno às 16h, somado à palidez do céu e ao cinzento das nuvens que normalmente o cobrem (ontem aprendi que os escoceses tem mesmo uma expressão para esse tempo: Scottish dreich) fazem com que não seja mesmo nada difícil imaginar que por detrás daquelas portas de madeira preta vivem confortavelmente feiticeiros que usam cloaks de lã e compram ingredientes para poções na loja da esquina. É a estranheza de entrar num Starbucks que mais parece um Leaky Cauldron, ou numa Topshop que lembra o Gringotts.





Edimburgo é uma cidade de elevações, colinas e o dominante castelo no topo de uma delas. Por vezes, e inesperadamente, vê-se o mar lá ao fundo, relembrando que esta é uma cidade costeira. Não o fiz, mas tenho a certeza que se tivesse subido ao castelo, teria deleitado a vista com a paisagem circundante. E daí talvez não, que o dreich escocês não é muito dado a vistas panorâmicas.


A sensação é de vila, não de cidade, mas uma vila com todas as lojas, serviços e museus (visitei o National Gallery - grátis, claro) que despoletam o estupidamente familiar sentimento de coração quente sempre que estou em território britânico. Aqui, o gaélico não é muito usado e por isso mesmo, aliado à minha curta estadia e não obstante as conhecidas pretensões de país, não senti estar num sítio fundamentalmente diferente do resto do UK. Daqui a ano e meio o referendo ditará se tal continuará assim...

Desta vez não trouxe chá e o arrependimento continua a moer-me a consciência. 



S. 

sábado, 10 de novembro de 2012

Nas margens do rio Main

Apesar de um início de viagem atribulado (seis da manhã é demasiado cedo para ouvir berros de um alemão lunático que acha que as câmaras de gás deviam voltar a ser abertas para os ciganos - não estou a brincar, ouvi isto dito tal e qual...), a day-trip a Frankfurt correu muito bem.

A expectativa de que Frankfurt seria só escritórios e uns arranha-céus e pouco mais desvaneceu-se em pouco tempo, especialmente durante o passeio nas margens ajardinadas do rio Main.



Por entre o rio que me fez lembrar fortemente o Tamisa, com as múltiplas pontes transversáveis a pé, o núcleo de arranha-céus como a City, intervalado com praças centenárias, ruelas e lojas deliciosas, sem esquecer os grandes armazéns comerciais e as marcas multinacionais, mas nem tão-pouco um mercado de rua com coisas alimentares tradicionais (ainda não foi desta que provei o mulled wine), os inúmeros ciclistas que me fizeram ansiar por pegar também numa bicicleta e pedalar e pedalar, como em Bruxelas, e a língua tão misteriosa e estranha mas tão familiar ao mesmo tempo (um dia conquistá-la-ei até ao fim, juro aqui), fiquei muito contente por voltar a sentir-me numa cidade, numa verdadeira cidade.

Depois de provar a tradicional salsicha no pão (que não é o mesmo que o hot dog comum, percebi-o), de encontrar a maior loja de chás que já tinha visto na vida e de não ter apanhado uma gota de chuva, cheguei à conclusão que podia ser feliz na Alemanha...



O D. olhou-me com um misto de impaciência e resignação quando lhe confessei tal coisa. "Tá quieta...", diz ele. Eu limito-me a sorrir e a esfregar as mãos como quem diz "We'll see..." Mas sem gargalhada maléfica no fim. Não o quero assustar.

Acabei por trazer dois chás, que mais podia ter eu escolhido, pff. Especialmente depois de ter tropeçado na loja gigante.



O da esquerda é um chá de inverno, meio natalício, e que por cheirar a canela apaixonei-me instantaneamente. O outro é chá vermelho com caramelo, do qual também gostei do cheiro. (Amo quando as lojas tem testers para se cheirar os chás. Se não conheço o nome e não o posso provar na altura, é óbvio que vou lá pelo cheiro. É ver-me nos supermercados a agitar as caixas seladas na esperança que trespasse algum odor, por entre sobrancelhas levantas de transeuntes que questionam a minha sanidade mental. Por isso, lojas que me poupem a estes esforços infrutíferos ganham uma montanha de pontos na minha consideração). Ainda não os provei mas estou esperançosa.



S. 

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O fresquinho

Vantagens de estarem 3º:

- voltar a usar gorro;

- felicidade e energia redobrada perante a perspetiva de uma subida de bicicleta; 

- botas peludas;

- bicicletas disponíveis com fartura porque pedalar próximo de zero graus não é para meninos;

- beber quatro canecas de chá por dia deixa de ser esquisito.


Desvantagens de estarem 3º:

- o alívio das descidas de bicicleta torna-se num amaldiçoar constante (merdamerdamerdamerdamerdatáfriotáfriotáfiotáfrio).


Pesando o inverno* na balança dos prós e contras, acho que ele sai a ganhar.




*Mentira. Sei perfeitamente que vem aí pior.



S. 

sábado, 3 de novembro de 2012

Comédia à francesa

Depois de muito debate e de muita hesitação, hoje decidimos ir ao cinema. Foi a primeira vez que o fizemos cá, e, como explanarei de seguida, não foi uma decisão fácil.

A ideia começou a pairar com mais intensidade quando estreou o novo Astérix. Dos poucos filmes que vimos em francês - e gostámos - seria sempre mais um que iríamos ver de qualquer forma. Decidimos que seria o filme ideal para nos estrearmos num cinema belga.

Várias coisas constituem um problema em ir ao cinema em Bruxelas. As que já sabíamos:

- som francês: o problema mais óbvio de todos. Nenhum dos dois entende francês tão bem que consiga acompanhar uma história do princípio ao fim, perceber todos os detalhes e piadas como se se tivesse a ver um filme em português ou inglês. Aqui há também a mania de dobrar os filmes americanos, e, ainda que se se procurar bem dê para encontrar versão original, não é fácil. 

- legenda neerlandesa: ah, legendas; as nossas melhores as amigas. NOT. Filme dobrado em francês com legenda em neerlandês é ouro sobre azul, sem dúvida. Não basta uma pessoa estar a esforçar-se para ouvir e perceber um filme numa língua à qual não está habituada a ter numa sala de cinema, como ainda quando aparece o guia visual da tradução, está numa língua ainda mais impercetível para dois pobres portugueses. Há que fazer um esforço consciente para ignorar o palavreado com que somos bombardeados na parte inferior do ecrã.

- o preço: cinema equivale a luxo nestes países do norte e uma pessoa chora internamente enquanto paga vinte euros por dois bilhetes. Ainda que já tenha pago 26 libras.

Foi por isso com um misto de ansiedade e excitação que entrámos hoje na sala de cinema e nos sentámos à espera dos trailers e do filme que sabíamos não poder esperar entender perfeitamente. Por entre risos combinámos que pelo menos isto era um filme de comédia, e portanto saberíamos que os pontos altos das piadas seria quando ouvíssemos gargalhadas do resto da sala, que era só imitar.

Chegaram os trailers e eu fiquei logo com uma dor de cabeça enorme. Uns eram em francês sem legendas, outros em inglês com legendas em francês, outros em francês com legendas em neerlandês. Um houve cujo som era italiano e portanto tinha legendas duplas em francês e neerlandês, a correr em simultâneo. Começou a apetecer-me bater com a cabeça no banco da frente. 

Depois começou o filme e começa-se a ouvir a versão original francesa. A legenda aparece e os olhos descem inconsciente e instintivamente para a ler, mas lá vem a linguagem dos flamengos e uma pessoa respira fundo enquanto se mentaliza que tem que se apoiar apenas nos ouvidos para entender o filme que aí vem.

É um bocadinho triste. Aquela gente fala muito rápido e se há variação de tom, como um murmúrio, lá vai o entendimento para o galheto. E depois começa tudo a rir na sala e nós não captámos a piada e olhamos um para o outro como que a perguntar "...Percebeste?...". Uma pessoa sente-se excluída. Mas ainda assim não foi tão mau. A comédia é uma faca de dois gumes nesta coisa da linguagem: por um lado as ações, sentimentos, etc são muito mais exagerados e portanto chega-se lá facilmente pela linguagem corporal dos atores, ainda que não pelas palavras exatas; por outro lado é feita de piadas e é permeável a trocadilhos, a que só se chega verdadeiramente se se entender a língua muito bem. Por isto mesmo conseguimos perceber muita coisa, definitivamente entendemos a história, apenas algumas cenas cómicas se perderam.

O sentido de humor destes filmes, cheio de nonsense e atravessado de anacronismos conscientes é um que eu prezo muito e muito bem-vindo por ser tão diferente do habitual hollywoodesco, e distinto também do humor britânico (se bem que este filme era sobre aventuras do Astérix na Grã-Bretanha por isso houve uma espécie de mix entre os dois e, claro, festa de estereótipos :D).

Fazía-nos bem ter TV local. É a conclusão que me ocorre tirar.





S. 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Gaitas-de-foles e salsichas

Assim num instantinho e muito de repente, fiquei a saber que dentro de uma semana vou concretizar duas viagens de sonho.

Agora fiquei com um bocadinho de vergonha de dizer quais são, sob pena de quem me lê ficar a pensar que os meus sonhos são bem modestos, eu que sou uma valente defensora do aim high e blá blá blá, mas odeio o calor de fazer vómitos e a Europa é neste momento o que me faz cócegas na curiosidade, não tenho viagens de sonho fora daqui...

Bom.

A primeira será Frankfurt. Há alguns anos que ando com uma vontade imensa de visitar a Alemanha. Sei que é tudo menos um sítio popular neste momento, mas sinto que a Alemanha é neste momento um grande buraco negro no meu conhecimento da minha casa europeia e na minha construção identitária do que é ser europeu. E eu gosto de ser do contra, por isso é quando ela é menos popular que me dá mais vontade de a conhecer, um bocado como quando embirrei com o Avatar porque toda a gente viu e dizia que era maravilhoso e por isso mesmo não o fui ver. 

Não sei como ainda não calhou, já que estive muito perto de pisar solo germânico várias vezes: Estrasburgo ficava a uns 10 km da fronteira (de qualquer forma, aquilo é mais germânico que gálico); depois, a conferência de Passau em setembro, que estive a ansiar desde o início do ano mas que acabei por não poder ir por calhar mesmo na minha primeira semana de trabalho (pedir férias antes de começar a trabalhar se calhar não fica muito bem...). Além disso, Bruxelas fica a uma hora e meia de comboio de Colónia e de meia dúzia de outras cidades alemãs, de maneira que o espectro da possibilidade de uma viagem à Alemanha há vários meses que paira por aí.

Calhou agora, e será apenas um cheirinho. Ida e volta no mesmo dia não deixa muito tempo para cirandar mas confio que a minha estreia germânica será interessante de qualquer forma. E farei tudo para lhe tirar o melhor partido. Além disso, consta que Frankfurt não é aqueeela beleza arquitetónica, por isso uma voltita chegará.



Uns dias depois será Edinburgh. Esta está-me encravada desde que vivia em Londres. Planos foram feitos para lá ir, várias vezes, mas nove meses não é assim tanto tempo e a minha vida não é só passear. Abandonei solo britânico com a sensação de missão não-cumprida, de um "não fui à Escócia" que me continuou a moer a cabeça irritantemente. Designei todo um plano na minha cabeça sobre esta viagem que queria muito especial: partiria de Londres, de King's Cross, até Edinburgh ou Glasgow e visitaria a outra cidade porque as duas são pertinho. Depois, seguiria num daqueles comboios que fazem viagens cénicas pelas Highlands para ver as colinas verdejantes, daquele verde mesmo verde, os lochs cristalinos e os castelos fantasmagóricos e centenários. E ali deixaria a imaginação rolar e acredito que não seria nada difícil ter a miragem de um Hogwarts, de uma Forbidden Forest, de um Great Lake. Porque para mim Escócia tem o sabor a Harry Potter, mas também a druidas, a celtas, a palavras esquisitas gaélicas e a Alba.

Não será nada disto que irei fazer, não nesta estreia. Conhecerei apenas Edinburgh, mas diz quem o sabe que planar por cima das Terras Altas, de avião, é uma das melhores maneiras de ficar a conhecer as suas colinas verdejantes, os lochs cristalinos, e um ou outro castelo fantasmagórico. E que Edinburgh tem o suficiente para me entreter na minha curta estadia. 



Fiquei profundamente aliviada por não ter que fazer escala em Londres, seja de avião seja de comboio. A minha sanidade mental agradece, já que Londres está a chatear-me que a visite há meses - desde que a vi da última vez, em janeiro - sempre a ser relegada para segundo plano e cada vez mais furiosa com o facto. Estar lá e não ter tempo de sair da estação/aeroporto é tudo o que eu não preciso neste momento - já basta viver a duas horas de comboio da senhora cidade e ainda não lá ter ido.

Estou portanto um bocado surpresa mas muito entusiasmada com o que me calhou na rifa do Destino próximo. Entretanto, há que pensar insistentemente se há algo que eu precise do território britânico, e qual seria a melhor lembrança para trazer de terras germânicas. Em último caso, as memórias serão mais do que suficientes.



S.  


Vida a 2 e a 1+1

Começou quando a nossa vida a dois ainda não tinha começado. 

O laço da imperatividade da presença física foi quebrado quando o D. entrou num avião a caminho de Londres três meses antes de mim. A nossa relação tornou-se "relação à distância" durante esse tempo, com pontuais visitas de parte a parte, e ainda que temporariamente. Mas o mito de que a presença era absolutamente necessária a todo o tempo desfez-se e tornámo-nos duas pessoas com vidas autónomas, que se sobrepõem muitas vezes, que vivem juntas, que se amam e que partilham um desejo enorme de constituir um "nós" verdadeiro, todos os dias e à sua maneira.

Quando parti para Londres, viajei de avião sozinha pela primeiríssima vez. Como o D. o tinha feito três meses antes, aliás. Outra amarra que foi quebrada. Rapidamente ficou inscrito na minha mente que é possível, eu sou capaz, faz-se. O que até aqui estava conotado na minha mente com "férias em família" (necessariamente, para mim, férias eram em família) tornou-se um mero instrumento que me leva do ponto A ao ponto B. O avião perdeu a mística que encerrava.

Estes dois cortes de amarras, da imperatividade da presença física e do avião como parte de férias, deram origem a uma coisa muito curiosa e que eu nunca esperei: vou a qualquer lado sempre que é preciso. Idem com o D., ou a coisa não funcionaria.

Há um jogo em Londres para ver, mete-se o D. num autocarro e vai ver. Surge a ideia de surpreender os meus pais interrompendo-lhes as férias de verão para se me juntar a eles, lá vou eu a voar até Faro. Reunião de trabalho em Lisboa, apanha-se o avião e lá estou eu na Portela passado duas horas. Jogo do Benfica com o Barcelona, segue sr. D. até terras espanholas. Férias de natal na terra-natal, senhor meu parceiro parte uns dias antes de mim.

É tudo muito novo, isto. Ou antes, por razões circunstanciais (o Benfica de repente joga muito fora mas muito perto daqui e o meu emprego é muito dado a reuniões fora de Bruxelas) intensificou-se recentemente. Talvez por isso mesmo o gosto a autonomia e a quebra da presença física esporádica sejam hilariantes e um gosto ainda não decididamente certo como saboroso ou amargo. Por enquanto é isso mesmo, hilariante, exhilarating, libertador, confortável, saudável. E a sensação de "CASA, cheguei a casa" quando se entra pela porta do nosso pequeno apartamento bruxelense e "olha só quem está aqui, a falta que me fizeram estes braços e estes traços familiares e este riso e esta voz e estas piadas reconfortantes, perspicazes e conhecedoras". Mesmo quando se acaba de deixar outra casa que já foi Casa, outras caras familiares, outros braços reconfortantes, e ainda se está a tentar descortinar se o país que se acabou de visitar e já foi o meu país continua a ser o Meu País e, se sim, que lugar no meu coração tem este onde acabei de aterrar cheia de alívio.

A ausência é uma poderosa catarse de sentimentos. Especialmente porque suscita a saudade. Faz-nos sentir vivos e humanos, e permite definir claramente o que é fundamental e importante na nossa vida, como acho que mais nada o consegue.





S.