quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Dores de crescimento

Dei-me agora conta de que faz hoje dois anos que chegámos à Bélgica.

O que são dois anos numa vida? Nada. 

Continuo a sentir-me tão criança quanto quando aqui cheguei. Continuo com a leve sensação de que não faço ideia do que estou a fazer, nem do que devo fazer, e, às vezes, nem do que gostava de fazer. Sei, tão claro como a água (mas não a que sai das torneiras bruxelenses) que daqui a quatro meses vou-me embora daqui sem saber se estou a fazer a coisa certa. E o pior: provavelmente nunca vou saber. E isto é horrível. Eu cresci convencida de que os adultos sabiam sempre o que estavam a fazer e o que deviam fazer. Esta liberdade e múltiplas opções de escolha é humanizante mas paradoxalmente claustrofóbica. Nunca vamos saber se tomámos a decisão certa e haverá sempre tantas pessoas a enveredar por caminhos diferentes que nos farão questionar o nosso. É o ter que fazer uma escolha e viver com o "e se" de todas as outras que recusámos. Suficiente para uma pessoa dar em doida.

Haverá sempre alguém a fazer o mesmo que tu, melhor do que tu.

A única frase que me regula as perspetivas e acalma as ânsias, embora eu não consiga explicar porquê. A perspetiva de que há sempre alguém melhor do que nós só deveria era potenciar essas ânsias. Estranhamente, acalma-me a necessidade de querer ser melhor, de querer mais, de saber mais e de estar agudamente consciente de que sou a única responsável nisto tudo. Do ser melhor. É capaz de ser na lógica do "perdido por cem, perdido por mil", do fuck all para isto tudo.

Espero é entretanto não ter ficado a gostar da Bélgica afinal.






S.



sábado, 22 de fevereiro de 2014

Definição de casa-pátria

Em Bruxelas, existem carros de muitas nacionalidades. Como aqui há gente de muitas nacionalidades, causa direta de isto ser a capital da Europa e de tudo o que gira à volta desse facto, haver carros de matrículas tão variadas não é nada de estranho ou digno de nota. Mas eu gosto de números e letras arranjados aleatoriamente e por isso ter matrículas variadas é uma coisa que me distrai os sentidos.
 
Portugal é o único país que usa uma faixa amarelinha de lado com o ano e mês em que o carro foi registado. Eu não sabia, mas após esta longa experiência empírica já concluí que sim, é o único. E então acontece que o meu estômago dá um salto de cada vez que eu descortino uma matrícula com uma listinha amarela, porque sei automaticamente que aquele carro vem de Portugal e algures ali perto (talvez até ao volante, se não estiver apenas estacionado) estará um português. É o mesmo tipo de salto de estômago que acontece quando oiço português na rua.
 
Agora imaginem quando vou a Portugal. O meu estômago parace um ginasta olímpico. É só carros com listas amarelas nas matrículas! E como isto já se tornou uma reação inconsciente, eu tenho que estar a dizer, frequentemente, ao meu estômago para parar com essa merda porque ali é normal. Estamos na terra deles! Ouvir português em todo o lado, idem.
 
Isto para dizer que ainda não tenho a certeza absoluta, mas acho que já encontrei a minha definição de casa, não a casa particular, mas a casa-pátria: a minha casa-pátria é onde todos os carros têm listas amarelas nas matrículas.
 
 





S.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

O vendaval da leitura


a ler Wuthering Heights stop há muito tempo que não conseguia não pousar um livro stop telegrama escrito em pausa para wc stop embrenhar outra vez leitura stop



S.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

"Escócia, desculpas, não desculpas?"

O The Guardian publicou uma lista extremamente cómica e espirituosa com tudo o que os ingleses precisam de pedir desculpa aos escoceses. Para ver se eles não saem da União no próximo setembro:


Está escrita na primeira pessoa e percorre a história comum dos dois países. Tem algumas coisas demasiado locais para serem facilmente entendidas por outsiders, que se sentem quase como private jokes, mas no geral está muito boa. Ficam aqui algumas que me fizeram rir muito alto:

(sobre os escoceses serem mais socialistas que os vizinhos do sul)

2 "So sorry for the years of heartless Conservative governments that you never voted for and that ripped the heart out of the Scottish mining, steel and shipbuilding industries, butchered public services and imposed an unwonted, dismal neo-liberal ethos on a land to which such a callous political and economic philosophy was inimical."

(sobre os ingleses se apropriarem do Andy Murray quando lhes convém)

7 "We're sorry for describing Andy Murray as Scottish when he was rubbish and British when he won Wimbledon. It's just that we don't win much."

(sobre os submarinos nucleares estacionados ao largo da costa escocesa e claramente indesejados)

16 "Sorry, too, for putting Trident nuclear submarines at the Faslane naval base, thus once more transforming blameless parts of Scotland into a nuclear target. Perhaps in retrospect we should have put them nearer London."

(sobre os Jogos Olímpicos de 2012, que só serviram para enriquecer - ainda mais - Londres)

19 "So sorry, what's more, for the 2012 Olympics. We know you paid for quite a lot of it and that most of it took place in London or nearby. With hindsight we can see that taking billions of the nation's taxes and paying them to huge civil engineering firms that build luxury flats that push up London house prices and fatten profits for property developers and local estate agents wasn't fair. If we'd been Scottish, we'd have been quite annoyed."

(sobre os três maiores partidos em Westminster conluírem na recusa irredutível de uma futura união monetária com uma Escócia independente)

23 "On that point, so sorry for the three main Westminster parties saying: "Well, if that's how you're going to be you can't be part of our sterling currency union. Ner ner ner ner ner!". We're just terrible neighbours. Sorry again."

(a Muralha de Adriano e as sucessivas piadas sobre onde acaba a civilização e começam os bárbaros)

26 "Sorry about Hadrian's wall. True, the Romans built it to keep you out but we could have bulldozed it rather than conserving it as a world heritage site and symbol of how civilisation stops – as if! – at Carlisle."

(sobre a Susan Boyle do Britain's Got Talent)

35 "Sorry for being unpleasant about Susan Boyle."

(haha, geografia!)

39 "Sorry for calling Scotland 'northern Britain'"

(HAHA, isto é tão verdade, apesar de ser a mesma moeda os ingleses recusam-se a aceitar pounds vindas do norte!)

43 "Sorry for not accepting Scottish banknotes as legitimate currency south of the border. We all know that RBS is the worst bank in the history of banking, but the Clydesdale bank's notes are OK."

(sobre a mediatização de sítios)

47 "Sorry for the films of JK Rowling's Harry Potter books. In particular that one of the most imposing pieces of Scottish architecture, the railway viaduct at Glenfinnan, is now called the viaduct from the Harry Potter film. Woeful."

(sobre a revolução industrial 'inglesa' e mais umas piadas com nomes inventados)

52 "Sorry for not recognising that the 'English' industrial revolution was unthinkable without Scots engineers – Thomas Telford, James Watt, John Loudon McAdam, Lena Zavaroni and Wee Dougie McSporran."

(sobre a língua inglesa)

56 "Sorry for making you speak English. To be fair, you could always stop if you become independent. The Americans didn't when they went independent, but you could make your national language Gaelic if you go it alone. We're just saying."

(ai, os Tudor, aquela família de chanfrados)

61 "Sorry for what we did to Mary Queen of Scots. True, she was trying to topple her cousin, Elizabeth I of England, and install herself on the throne but executing her was a bit rich. Especially that bit when the executioner held up her decapitated head and her wig fell off."
 
(hihi, as ligações a Londres :) )
 
71 "Sorry for being so unfriendly when you arrive at Euston or King's Cross."
 
(sobre um potencial exército escocês)
 
74 "Sorry for laughing at the prospects for your army in an independent Scotland. Of course you could always use it to invade the Faroe Islands if nothing else."
 
(e, finalmente, a desculpa pelo tempo que levou a desculpa)
 
76 "Ultimately, so very sorry for taking so long to say sorry. It's just that we've done so much bad stuff that we've had to say lots of other sorrys before we got to you. (...)"
 
 
O autor manteve o cinismo tipicamente inglês em muitas delas mas nem sempre se consegue perceber onde ele está ou onde está a sinceridade (que também me parece estar presente, na medida em que pode haver sinceridade num texto inerentemente humorístico). Mas é precisamente por este cinismo camuflado que o humor britânico (inglês? Fico baralhada com tanto overlap de identidade) é tão genial.
 






S.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Nota-se muito?

O entusiasmo está a ser mais que muito e a minha vontade é só a de falar da viagem, de tão embrenhados que estamos no planeamento. É extremamente irritante, eu sei. Só espero que o entusiasmo todo se mantenha até julho, quando chegar a altura de fazê-la mesmo...
 
Para não afundar este blog numa torrente de posts sonre quilómetros e terras, e para ter um sítio limpo e único onde arrumar tudo o que concerne a viagem, criei o De Bicicleta pela Costa, que já está ali de lado. Quem quiser acompanhar venha daí, e todas as sugestões são mais que benvindas.




S.


P.S. Já temos mapa do trajeto! :)

Outra blasfémia, outra heresia, outro palavrão

Por falar em tradições de pastelaria que já não são o que eram (ou que começo a desconfiar que nunca chegaram a ser), num ano quase inteiro que vivi em Londres nunca comi scones. E isto é uma coisa que eu tenho muita vergonha em admitir. Não foi por esquecimento ou por recusa (eu gosto mesmo muito de scones) mas porque nunca os vi a serem servidos em cafés ou pastelarias.

Posto isto, não sei se um dos símbolos vendidos como o supra-sumo da Britishness é na verdade falso, ou se Londres tem pouco de British, ou se fui eu que andei de olhos fechados durante dez meses.

Em contrapartida, em Bruxelas já devo ter comido scones umas quatro ou cinco vezes. 

Não é só o clima que anda todo trocado, está visto.





S.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O Valentim que se cuide

No One Billion Rising bruxelense deste ano estava muito menos gente do que no ano passado. A greve dos transportes e o facto de ser ao meio-dia não deve ter ajudado.
 
  
 
 
Mas, como se costuma dizer, erámos poucas mas boas :) . E fizémos muito barulho.
 
Ao princípio, como sempre, eu era a imagem perfeita da timidez. Sossegada, de chapéu de chuva na mão, a sondar o sítio e as pessoas presentes sem mexer o pé.
 
Mas depois uma senhora veio ter comigo e deu-me isto:
 
 
 
 
Um apito!
 
E a carnavaleira que há em mim - e que eu nem sabia que existia - acabou por manifestar-se em todo o seu esplendor.
 
Tirei o pé do chão, apitei muito, bati muitas palmas, sorri muito, e acabei por me divertir bastante, tal como no ano passado. Houve "I Will Survive", houve coreografia do One Billion Rising, houve comboínho daqueles extremamente divertidos que ninguém consegue deixar de participar de sorriso rasgado.
 
E pronto, foi isto. Agora estou aqui num café das redondezas, a ouvir Sara Tavares (!!! Música portuguesa em cafés bruxelenses rula muito), a trabalhar de chávena de chá na mão e com as antenas viradas para Lisboa, ansiosa para saber como vai correr o Lisbon V-Day.
 
Boas flash-mobs para logo.
 
 
 
 
S.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Guia de Portugal para o não-viajante

Já temos trajeto completamente definido.

Foi só agora, num cálculo mental rápido para ver quanto tempo tínhamos demorado a decidir o caminho, que me apercebi que foi no dia um de fevereiro que ficou decidido que iamos mesmo pedalar por Portugal afora. Demorámos pouco menos de duas semanas, portanto. Tenho a certeza do dia exato e tudo porque estivemos juntos e falámos que nos fartámos da coisa, tanto que tivemos que ir procurar num instante um mapa de Portugal à tabacaria mais próxima (que acabou por ser um Continente, as tabacarias já não vendem dessas coisas. Se calhar nunca venderam, não sei, nunca precisei de um...). Foi também quando informámos terceiros sobre a nossa ideia louca. E quando se informa terceiros sobre a nossa ideia louca ela deixa de ser ideia e passa a realidade. Pode continuar a ser louca à mesma, mas fica a pressão de se a concretizar.

Bom, mas dizia eu que comprámos o tal mapa porque nos estava a fazer falta na conversa um guia exato da linha de costa do nosso país. Para sabermos se daqui até ali é mesmo perto ou se tem que se guardar dois dias para lá chegar, como é.

Claro que um mapa de papel não chega nem de perto nem de longe para o ultra-mega-planeamento pormenorizado que queríamos, um que incluísse distâncias exatas (escalas e medir cenas com régua é aborrecido e demasiado dispendioso de tempo. E lamento mas somos criaturas jovens, que cresceram à medida de um Google Maps e não pensam abrir mão da sua mega conveniência.)

Posto que o mapa de papel foi muito útil para se abarcar a ideia geral, mas o trabalho todo de cálculos de distâncias, decisões de dormidas e terras a visitar foi feito através do nosso amigo precioso.

Assim que acabámos eu tive a brilhante ideia de pegar no livro que tinha comprado há uns anos e que teria sido bem mais útil ler antes de termos sequer começado a desenhar o trajeto...




Isto porque a ignorância por vezes é uma benção. E eu acho que era uma pessoa mais abençoada quando não sabia que Portugal tinha tanta coisa fascinante para ver. Mas saber não é ter uma ideia vaga, do género "gostava de visitar Aveiro, ou o Gêres, dizem que a costa alentejana é muito boa também...". É ver mesmo fotos ou ler descrições de sítios específicos, concretos, saber-lhes o nome e ver-lhes a cara. Por exemplo, sabiam que Portugal tem uma coisa destas?



Eu não sabia! E estou num misto de estupefação e indignação, mas mais indignação porque não sei quem é que nos anda a esconder estas coisas.

Nós decidimo-nos pela viagem pela costa abaixo e graças a isso vamos ver coisas magníficas, a antever pelas poucas terras que googlámos (há que manter algum suspense) e porque a costa portuguesa é extremamente diversificada para um país tão pequenino. Mas isso significa também que vamos abdicar de muita coisa interessantíssima que valeria tanto a pena quanto o resto, só foi azar ter calhado a mais de 20 quilómetros do mar.

Por isso mesmo, para não se falar mais do que poderia ter sido e cortar pela raiz os arrependimentos, vou deitar cá para fora tudo aquilo que eu queria tanto ver mas que não cabe na viagem. Para depois poder falar do que realmente vamos visitar já com a alma purgada.


Monserrate

Sintra, realmente... Mete raiva. Mete raiva pela quantidade de coisas que tem para ver, pela mistura de paisagens naturais e monumentos lindíssimos com que foi agraciada, pela aura de mistério, até pelo micro-clima marado e chuvoso. Algures lá para o meio da serra está o Palácio de Monserrate, uma construção exótica rodeada de plantas de todo o mundo e que, ao que parece, está um bocado ao abandono. Está na minha imaginação como uma Regaleira II.



Buçaco

E por falar em Regaleiras II... Grande filha da mãe, esta floresta, hã. Então nós temos toda uma espécie de floresta encantada e mística ali para os lados de Coimbra e eu só soube disto há dois ou três anos?! Como é possível?! Tem mosteiros e casas de retiro com mais de mil e quatrocentos anos, tipo casas escavadas no meio da rocha, tem vales de fetos, tem igrejas pequeninas cobertas de musgo, eucaliptos centenários e monumentos a batalhas das invasões francesas e eu sem nunca lá ter metido os pés. Parece impossível.



Batalha

Este não posso dar a desculpa de que nunca tinha ouvido falar, que me andaram a esconder e não sei quê. É mesmo uma falha grande e pronto. Mas é um grande mosteiro, provavelmente o nosso mais bonito (rivaliza ali taco-a-taco com o dos Jerónimos) e está na minha lista de coisas para ver em Portugal há muuuuito tempo. Ainda não vai ser este julho.



Tomar

Ali perto está outro monumento assim daqueles hard-core da história portuguesa que é o Convento de Cristo de Tomar. Segundo este senhor, é ali que está escondido o Santo Graal, que não é cálice nenhum mas sim um globo terrestre de madeira feito por Jesus Cristo carpinteiro e dado aos Templários para estes desbravarem o mundo. Foi por isso que os portugueses foram pioneiros nisto dos descobrimentos, e que sabiam que o Brasil estava lá onde estava muitos anos antes de 1500. É uma teoria muito linda, muito divertida, à la Dan Brown, mas que me espicaçou ainda mais a curiosidade de visitar esta cidade. Até porque é lá que está enterrado o nosso Pai Fundador, o Sr. Henriques, e a cidade diz que também é muito bonita.



Castelo de Arouce

Algures perto da Lousã, nos arredores de Coimbra, existe um castelo num vale. Um castelo construído num vale, ao invés de no monte mais alto que conseguiram arranjar. Quão intrigante é isto?...



Biblioteca da Universidade de Coimbra

Portanto, eu estive em Coimbra em dezembro, sabia que a universidade é centenária e tinha ouvido umas coisas sobre como a biblioteca é qualquer coisa de especial, mas ainda assim não a fui visitar. Por esta só me tenho a mim própria para culpar.



Ponte da Barca

Epá, adoro vilas com pontes romanas. São lindas. Pensar que os senhores de camisolas vermelhas, sandália no pé e capacetes com penugem estiveram ali e construíram aquilo que estou a ver e que mais de dois mil anos depois ainda é útil e utilizado, deleita a historiadora clássica que há em mim. E esta paisagem é lindíssima.



Citânia de Briteiros

E por falar em cenas bué antigas... Nós temos toda uma aldeia da Idade do Ferro reconstruída algures no Minho. E ninguém me ter dito nada, está certo? Não acho que esteja muito certo.





Braga

Braga está-me atravessada há já bastante tempo. Uma das cidades portuguesas mais bonitas e eu não a conheço. Vergonha, só vergonha.




Parque Nacional Peneda-Gerês

Deste nem vou falar para não me enervar...



Marvão

Como quase todos os vilarejos, vilas e cidades de fronteira, o Marvão é bad-ass. O que mais me fascina quando li sobre esta vila é o contraste entre o tamanho e o nível de fortificação: ultra-proteção para uma coisa tão pequenina. E vejam como se camufla ali na rocha:



Miróbriga

No Alentejo, perto de Santiago do Cacém, existe uma cidade romana encontrada e escavada que apresenta ruínas de coisas como dois templos, um fórum e um circo com capacidade para 25 mil pessoas. !!! Quem precisa de Romas com coisas destas a duas horas de Lisboa de carro?



Museu Regional de Beja

Este museu é o antigo Convento de Nossa Senhora da Conceição, que fiquei há dias a saber foi onde a freira Mariana, das Lettres Portugaises (1669), viveu. Está lá a janela da cela dela e tudo. Estas Lettres Portugaises foram mais tarde reproduzidas com um twist nas Novas Cartas Portuguesas, um livro chave do feminismo português e que, como bom livro feminista, irritou profundamente a censura do Estado Novo.


Tem ainda salas arabescas como esta, de azulejos intricados lindíssimos como estes, de maneira que vale mais a pena uma visita do que eu consigo exprimir:



Tour dos megalitos


Por último (quero crer que é o último...), entre Évora e Santiago do Escoural, existe tanto megalito, menir e dólmen que os senhores que escreveram o meu guia de Portugal criaram a tour dos megalitos, que deve durar um dia inteiro. Tem coisas como isto, a gruta do Escoural, carregada de pinturas rupestres com mais de 15 mil anos:


Ou isto, o Cromeleque de Almendres:


Não sabia que tínhamos celticidades e druidarias destas.

Pronto. Estão exorcizados de mim os sítios que não visitarei este julho mas que ainda assim quero tanto, tanto, tanto visitar. O tempo é curto, a vida é pequenina para se estar em todos os lados que se quer. O Fernando Pessoa tinha aquela ideia - parva - de que não é preciso ir aos sítios para os visitar, muito pelo contrário, que a ideia de visitar coisas é mil vezes mais interessante em si mesma do que o ato concreto de o fazer. Eu como sou uma pessoa mais rude e simplezinha, e como o Fernando claramente viajou pouco, fico-me pela vontade de querer mesmo pisar estes sítios e vê-los com os meus próprios olhos, sem intermediários. Ainda assim, acho que o Fernando Pessoa teria gostado de conhecer o Google Images.




S.

O Lisboa V-Day na Estação do Rossio

Amanhã eu podia perguntar: "Então, foram ao Lisboa V-Day? Gostaram?" e vocês podiam responder: "Ah, eu era para ter ido mas nem imaginas a chuva que estava, e o vento, um horror, não ia agora dançar para o meio daquele temporal, agora até temos tempestades com nome de gente, isto o fim do mundo está para chegar."
 
Podiam responder isto, mas já não podem. A flash-mob do Lisboa V-Day mudou-se para a Estação do Rossio. É já amanhã, às 18h30.
 
Desculpa nº1: faltei por causa do tempo.
 
Arranjem outra agora.
 
Ou não, e venham só participar:






S.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Meu rico federalismo europeu

Apercebi-me agora de que em 2014 vou lidar com finanças de três países diferentes.







Até se me gelou o sangue.


S.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Blasfémia, heresia, palavrão



Só para deixar aqui registado, porque ainda foi há pouco tempo e por isso ainda tenho a certeza que é verdade: os pastéis de Belém da Fábrica dos Pastéis de Belém não foram os melhores pastéis de nata que comi na vida.




S.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Um dia de um homem numa sociedade matriarcal

Uma autora francesa criou um vídeo sobre um dia na vida de um homem se vivêssemos numa sociedade matriarcal. Uma sociedade com os mesmos vícios para um dos géneros como a em que vivemos, mas ao contrário. Está muito interessante, especialmente nos detalhes:




Pode ser que mudando a personagem se mude a perspetiva sobre o problema.
 
(O vídeo com legendas em inglês, que por alguma razão insondável não consegui incorporar, está AQUI.)


S.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

"Who made these rules anyway?"

Desde 2010 que penso muito sobre o que é isto de "casa". Quanto tempo demora a estabelecer uma, do que é ela depende, se podemos ter várias? Se tem que ser sempre onde moramos, se é onde vive quem amamos, se é imutavelmente o sítio onde crescemos ou se é onde ansiamos estar. A sabedoria cibernauta nunca me conseguiu esclarecer -  que choque, não é verdade.
 
Temos então:

 
O meu telemóvel liga automaticamente em vários sítios, nomeadamente na minha morada oficial, no meu trabalho, no aeroporto de Varsóvia, no Workshop Café, em casa dos meus pais, no autocarro do aeroporto em Edimburgo, na lavandaria do bairro. Não me parece que isto os classifique como "minha casa".
 
 

Não gosto de vinho. E também não acho que o supermercado da esquina se classifique como casa.




Eeeeeh... Eu queria perguntar em que sentido? mas tenho medo...

 

Outro... Bom, este vou interpretar no sentido mais light. Sim, é onde estamos mais à vontade, é onde podemos saltar por isso das convenções da vida em sociedade e ser os animais que na verdade somos. Tudo bem. Mas isto é mais quando estamos sozinhos em casa, não apenas quando estamos em casa.
 
 

Nah. Isso é a casa dos meus pais, é a casa da minha infância, é onde mora a minha família. :) A minha casa terá que ser outra coisa qualquer. Senão nunca se criavam casas novas, era sempre a da mãe...
 


Não tenho cão :( . Só o que está em casa dos meus pais. Mas esse não é meu, lá está, é dos meus pais, nunca foi meu porque eu estava lá mas depois já não estava e o bicho é 100% de coração da minha mãe. Quer dizer, ele faz uma grande festa sempre que me vê, nem consegue acreditar que eu voltei, não sei se pensa que eu moro ali à mesma, se entende que eu pertenço à matilha dele, mas acho que não, ele não sofre quando eu me vou embora, não fica a ganir baixinho quando desapareço, ou à chuva sentado de olhos presos no portão por onde saí, como faz com a minha mãe. Por isso, não, não tenho cão realmente. 




Sim, está bem, mas, er... explicação demasiado escatológica.
 


...

Esta nem faz sentido.




Ah, assim está bem. É onde quisermos, é onde a construirmos, está bem. Mas isso significa que pode ser em muitos lados? Mas, e também, o que é realmente preciso para ela ser casa, mesmo "casa" (recuso-me a empregar a palavra "lar", que odeio)? Dá para se tornar casa num instante, só porque eu quero?
 
A sabedoria cibernauta não foi capaz de me satisfazer.
 
Acabei por voltar à sabedoria popular.



Ah, porra. Este é mais complicado.
 
O meu coração está em muitos lugares. Está em todos os sítios onde eu já fui feliz, está no passado ligado às memórias da minha infância, mas também está no futuro, demasiadas vezes no futuro, em coisas que anseio fazer, em pessoas em abstrato que ainda não conheci. Está em sítios que eu nunca vi mas que sinto que conheço, está em sítios que nem existem mas que, segundo a minha cabeça, podiam muito bem existir. Estamos antes a falar de pessoas? Bom, isso aí eleva ainda mais o grau de  complicação. Pode a nossa casa ser uma pessoa? É que as pessoas movem-se. E são muitas, como escolher.
 
Uma amiga, bem mais experiente do que eu nisto das emigrações (aos 26 anos já tinha vivido em 7 países diferentes), disse-me uma vez que a maldição de qualquer emigrante era nunca mais voltar a ter a alma inteira, esteja onde estiver. Se estou em Bruxelas sinto falta da minha família e amigos em Lisboa, se estou em Lisboa sinto falta dos meus amigos de Bruxelas, em Londres deixei uma grande amiga, outra fugiu para a Dinamarca. Para onde quer que um emigrante se mude, vai sentir sempre falta de alguém. Ela disse mais: onde quer que esteja nunca vai conseguir reunir todas as pessoas que ama no mesmo sítio. Seja para festejar os anos, seja numa graduation, seja num casamento. E isto é assustadoramente verdade e irremediavelmente cruel.

Só se... for uma pessoa mesmo muito especial.
 
Eu voltei sem o D. em janeiro. Não estava planeado, mas é temporário, não houve drama. Motivos estritamente profissionais. Eu estou contente por estar de volta a Bruxelas, ansiava pela minha rotina, pelas minhas coisas, voltar aos meus percursos familiares de corrida, estar sossegada no meu canto. Por isso acho que esta é a minha casa. Mas é também a nossa casa e por isso há qualquer coisa estranha no ar, um silêncio que é um bocadinho maior do que eu estar aqui sozinha simplesmente. Parece que está qualquer coisa partida. Não me interpretem mal, eu sou uma criatura que se sente muito bem sossegadinha, quieta no seu canto, que fica feliz por ouvir e ver pessoas à sua volta por aí e se contenta com isso. Os grupos esgotam-me emocionalmente. Mas a minha casa está esquisita. Ainda no outro dia dei por mim a pensar como é que fazem as pessoas que vivem sozinhas e longe da família, por exemplo, para aguentar a falta de carinho físico (não é desse, vá, seriedade), os abraços ou as festinhas de quem nos quer mesmo bem. Depois até arregalei os olhos um bocado horrorizada a pensar que devia estar a começar a bater mesmo mal para pensar naquilo porque eu sou uma pessoa que gosta de guardar as distâncias físicas, mesmo de quem gosto mesmo, mesmo muito. Sou um bocado como aqueles bebés que fogem dos beijos ou limpam a cara a seguir, com a diferença que eu tenho mais vinte e tal anos em cima, por isso sou um coração de pedra. Mas a verdade é que aquilo continuou a preocupar-me durante dez ou vinte minutos. Parece então que há uma parte do meu coração que não está aqui, tente eu racionalizar isto como queira.
 
Porque a verdade é que eu contei os dias todos mentalmente desde que entrei no avião numa Lisboa chuvosa até chegar ao aeroporto da Portela novamente. E eram só 26. Mas passaram um a um, vagarosamente, de uma maneira que não costumam passar. E eu depois nem conseguia ver Family Guy, não achava piada nenhuma aquilo, e não conseguia comer crepes porque era o que fazíamos todos os sábados ao fim da tarde, nem conseguia sentar no pufe porque era o lugar dele. Eram coisas simples que eu evitava, sem grande drama, mas só porque me pareciam desconcertantes. Já está um pouquinho melhor, vi-o há pouco tempo, já não faz mal sentar no pufe.
 
Vi-o, fui radiosamente feliz, mas não estava em casa, mesmo estando com ele em Portugal. A sensação é sempre a do temporário, estou só de passagem, é pena não vires para casa comigo... Esta casa. Daqui. Que é nossa por alguma razão que eu ainda não consegui descortinar completamente e que continua a ser a minha casa mas que está meio errada. É que é possível, claro que é, mas eu não sei construir casas sozinha. Nunca construí sem ele. Por isso casa não é onde quer que ele esteja, mas definitivamente que ele tem que estar lá. É qualquer coisa que construímos os dois de raiz, onde temos rotinas tão aborrecidamente corriqueiras como beber chá a seguir ao jantar nas nossas canecas castanhas do Ikea, ou irmos dobrar e buscar a roupa seca à lavandaria, ou ver o New Girl com um crepe de chocolate no colo (o teu é com açucar. Branco, não mascavado, mesmo à gulosão).
 
Não sei muito bem agora como concluir isto porque eu não gosto de dramatizar. E esta falta de casa é temporária, vamo-nos ver tão regularmente para duas pessoas que estão a dois mil quilómetros uma da outra. E daqui a uns meses vamos construir outra casa de raiz, noutro sítio diferente de Bruxelas, diferente de Lisboa, diferente de Londres, talvez A casa, será? Não vale a pena gritar saudade aos quatro ventos, as coisas são como são e há quem esteja tão pior de saudades do que nós. Ainda assim, percebo agora o que a Helena uma vez disse, de como a pessoa que inventou o estrangeiro devia morrer.



S.


O Lisbon V-Day (e porque hoje é Dia Internacional para o Fim da Mutilação Genital Feminina)



Só para avisar que a dança já tem lugar marcado. O Lisbon V-Day vai ser no Largo do Carmo, em Lisboa. 14 de fevereiro às 18h30.

Ide, por favor.



S.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A grande viagem (ou, como quem diz, já não há juízo entre nós)

Há uns meses valentes, dizia-me o D. assim: "Eh, 'bora de Bruxelas a Portugal de bicicleta!" Eu acho que na altura não disse nada porque fiquei muito ocupada agarrada à barriga a rir. Mas nos tempos seguintes comecei a ponderar, a admirar a coisa de diversos ângulos e a magicar maneiras de a tornar possível. Como acontece aliás sempre que ele vomita uma ideia estrombólica deste tipo (cofvamosviverparalondrescof). Depois a coisa já era "Eu hei-de ir a Portugal de bicicleta..." E eu tornei-me condescendente: "Hmm-hum, claro que vais, se nem em Bruxelas andas, deves ir." Mas a ideia, na sua teoria, vá, até era fixe e seria uma mega conquista e uma oportunidade perfeita para palmilhar, quase literalmente, um bom pedaço da Europa, e eu até ia todos os dias para o trabalho de bicicleta e tal, comecei a dar algum crédito à coisa. Seria difícil mas não impossível e inesquecível decerto. Depois até descobri a rede EuroVelo e fiquei fascinada com a prospetiva de uma Europa toda ciclável e ganhei balanço. Chegámos a estimar dias e quilómetros, se faríamos pela costa francesa e espanhola ou cortando caminho pelo interior (eu dizia-lhe: "Há PIRINÉUS pelo meio" mas ele não queria saber), estivemos quase a comprar bicicletas para começar a visitar cidades belgas aos fins-de-semana (sempre Waterloo...), chegámos a sonhar visitar uma cidade de cada país aqui à volta só para dizer "Eu fui a [inserir país vizinho da Bélgica] de bicicleta e voltei!", eu sempre a insistir em irmos a Londres dando ao pedal e quase morrendo de desgosto por saber que o ferry de Calais-Dover ou Ostende-Southampton só transporta carros (sempre a Inglaterra...).

Entretanto a nossa partida definitiva da Bélgica chegou mais abruptamente do que o previsto e a ideia foi posta de parte. No final de junho iremos para Portugal, em setembro este blog voltará para o sítio que lhe deu o nome. A univ/cidade ainda não está escolhida mas a volta para a ilha já é uma certeza.

Mas... Mas. Há outra coisa. Surgiu a ideia (ou ressurgiu, nem sei com certeza), tão repentina mas tão avassaladora - e as melhores ideias surgem assim, já percebi - de uma volta a Portugal em bicicleta. "Se não dá a viagem maior, faça-se esta por Portugal, já que vamos ter umas férias mais alargadas do que o previsto", disse-me ele. E eu, contra todo o meu instinto dos "mas" e "se"s compulsivos disse: "'Está bem." É que, entendam, depois de termos passado meses e meses a considerar distâncias de 2000 e tal quilómetros e ver como enfiar aquilo em três semanas, olhar para o mapa do litoral português e ver que de cima a baixo são 700, a coisa parece uma brincadeira de crianças. E eu agora até corro fixe e tal, há-de dar, pensei eu. É a confiança de que o meu corpo é imparável e os seus limites serão apenas os que eu lhe impuser. Ou isto é uma revelação extremamente sábia ou a corrida queimou-me o cérebro todo, ainda não sei dizer.

Assim, e porque já sei que é certo e já temos um percurso (em rascunho), as datas alinhavadas e as linhas gerais de logística traçadas, eu posso dizer, com certeza, que o próximo julho será passado numa bicicleta (duas). Iremos de Viana do Castelo a Vila Real de Santo António, em 29 dias, sempre pela costa portuguesa (os emigrantes querem é praia e sol, of course). O entusiasmo é enorme, a antecipação também, o nervoso miudinho é que nem por isso. E isto é estranho. Tenho assim novo objetivo para lá da Meia-Maratona/Corrida dos Sinos: convencer as minhas pernas que pedalar 50 km por dia durante um mês é very nice.

Escusado será dizer que este blog em julho vai estar a abarrotar irritantemente de descrições de quilómetros feitos, dores nas pernas, escaldões no pescoço e outros pormenores que provavelmente só a nós interessarão. Escusado será também dizer que todas as dicas, experiências, conselhos e coiso serão extremamente bem acolhidos por estes dois jovens amadores que não têm nenhuma experiência com viagens de bicicleta, só uma pancada muito grande nestas duas cacholas.



Era para ser uma destas mas eu sou fraca demais para puxar pelos dois e control-freak demais para me deixar ser puxada.



S.

Ele há coisas... #41

Eu já sabia que os políticos belgas eram esquisitos. Desde que recebi um panfleto durante a campanha para as eleições comunais com um homem com um cão ao colo que exclamava "Votez nº 18, c'est mon papa" que não tenho ilusões sobre a sanidade mental dessa classe neste país. Ainda assim, não estava preparada para a carta que recebi.

O mestre do burgo (não consigo expressar o quanto amo esta expressão) da minha nova comuna enviou-me uma carta a convidar para uma sessão de esclarecimento sobre a comuna de St. Gilles para novos residentes. Na medida em que sou realmente uma nova residente, nada de estranho até aqui. A carta personalizada também foi um toque de cortesia. Uma pessoa sente-se sempre melhor ao ser enderaçada pelo seu nome do que por "Chèr/e habitant/e" ou coisa parecida. Mas o endereçamento pessoal passa de cortês a duvidoso quando se lê que a sessão de esclarecimento inclui a partilha do "verre de l'amitié". O copo da amizade.

Quê?! Partilhar o quê? Eu não quero partilhar nada nem com vizinhos St. Gillianos nem com bourgmestres. Muito menos amizades, ainda menos copos potenciais albergadores de micróbios. Juro que ao princípio ainda pensei estar a ler mal ou ter traduzido mal na minha cabeça (o meu francês ainda está longe de me fazer sentir orgulhosa). Mas as palavras "verre de l'amitié" lá estavam, e querem dizer exatamente o que eu pensava que queriam dizer. Só me faz lembrar índios sentados no chão em círculo, de pernas cruzadas e cachimbos da paz. Ou aquilo que se fazia nas missas por volta do Natal de beijar o menino Jesus, em que as pessoas faziam fila para depositar um beijinho no bonequinho de loiça e que me dava sempre tanto nojo quando era pequenina (o pano com que o padre limpava o sítio dos beijos nunca me inspirou confiança nas suas propriedades desinfetantes). 

A tentativa de envolver e informar os cidadãos no governo local é de louvar, sim senhora, mas guardem-se as devidas distâncias.





S.