sábado, 29 de março de 2014

Descrever uma cidade em 5 palavras

Antuérpia é Amesterdão mas em feínho.







S.


P.S. Claro que mais feínho que Amesterdão continua a ser 10 vezes mais bonito do que Bruxelas, mas ainda assim. Compara-se coisas comparáveis e Antuérpia está na liga das cidades-País-Baixo enquanto Bruxelas, bom, sinceramente não sei.

P.P.S. Sim, já é o terceiro fim-de-semana que temos com vinte graus e sol desde o início ano, após termos tido o inverno mais ameno de que há memória, e então? Não podem ser sempre os mesmos a sofrer agruras climatéricas.


 

quinta-feira, 27 de março de 2014

O pão de homem é o novo espinafre

A Feministing escreveu um artigo que eu gostava muito de ter sido eu a escrever: "The most pointlessly gendered products."
 
Desde que descobri o man-washer que sei que há todo um mundo disparatado de produtos para ele e para ela por explorar. Os exemplos do artigo são ainda melhores:

- lenços de papel:
 

"Because Real Men's tears are too big and strong for regular tissues."
 
 
- Pão (!!! eu sei. Pão). Porque aparentemente existe pão de homem (literalmente, men's bread) e pão de mulher, como existe comida de cão e comida de gato, nunca podendo ser confundidos. Os cães não podem comer comida de gato mas os gatos podem comer comida de cão. Quem será o cão e quem será o gato neste jogo das pseudo-diferenças?...
 
 
 
 
- Ovos (!!! idem). Ovos de princesa e ovos de pirata, com as respetivas cores rosa e azul a marcar cada um para que os meninos e as meninas aprendam desde muito cedo quem são e do que devem e não devem gostar. Oh meu deus, e se houver um filho e uma filha na mesma casa? Como fazer para não dar a um e outra o ovo estrelado da caixa errada?! Como impedir que a criança cresça sem problemas de identidade se comer acidentalmente o ovo errado?! Mas alguém já deve ter pensado nisto e de certeza que existem frigideiras de princesa e de piratas, para cozinhar os ovos homónimos. O importante é não haver confusão, valha-nos deus.
 
 
 
 
- Ligaduras de pulso. Porque os pulsos são aquela parte do corpo humano que nos distingue entre homens e mulheres, como toda a gente sabe.
 
 
 
 
Eu ficava nisto a tarde toda mas a verdade é que isto é coisa para se tornar aborrecido. Podem sempre checar o álbum que a Sociological Images compilou no Pinterest sobre estes produtos. Que foi aliás onde as escritoras da Feministing se inspiraram.
 
 
 
 
 
S.


Ele há coisas... #42

Matrículas de três letras são mais divertidas e dão-se mais aos jogos de palavras.
 
Este carro, por exemplo, tem a melhor matrícula de sempre:
 
 
Espero que pertença a um imigrante. 
 
 
 
S.

terça-feira, 25 de março de 2014

É tudo um grande bocejo

Obama is in town. O jornal Metro hoje dava-lhe as boas-vindas efusivas na capa com um "President Obama, welcome to Belgium!". A rua do meu trabalho tinha mais de dez carrinhas da polícia em cima dos passeios, as barreiras de arame farpado voltaram ao lugar (desta vez nem as guardaram, arrumaram só a um cantinho após as manifestações/cimeira europeia da semana passada). Ele vai dormir algures no quarteirão (nada mais nada menos do que no The Hotel, o hotel com mais moral de Bruxelas) por isso tenho um helicóptero a pairar há meia hora por cima de casa (pergunto-me se isto é coisa para durar toda a noite). Bruxelas e os seus habitantes estão estupidificadamente habituados a estas andanças de alta-segurança, fechamentos de ruas, paragens de autocarros provisórias e carros de vidros fumados escoltados com grande alarido por essas avenidas fora, mas claramente o sr. presidente dos Estados Unidos está numa outra liga no que à paranóia segurança diz respeito.
Por falar em Estados Unidos, há uns meses quase me caiu o queixo quando, numa viagem de autocarro até ao aeroporto, passo pela sede da NATO e olho para o outro lado da estrada e vejo um edifício descomunal a ser erguido do chão.


Não sei como é que só dei por ele há uns meses já que ele deve andar a ser construído já há uns anos valentes por isso está cá desde que comecei a fazer viagens de e para o aeroporto. Mas eu tenho a mania irritante de me sentar sempre do mesmo lado do autocarro e olhar sempre para o mesmo lado da estrada, é, deve ser isso.
Foi com grande surpresa que li a placa que orgulhosamente informava que ali se construía a nova sede da NATO. Hah. E eu que andava convencida que a NATO era coisa para se dissolver mais ano, menos ano, assim que os americanos se fartassem de suportar os custos da defesa da Europa às costas e os europeus aprendessem a cooperar para a sua defesa comum.





Menina ingénua, eu.
O Spiegel diz que aquilo está a dar barraca e que a construtora está à beira da falência. Parece que a megalomania militar não se demonstra só através de invasões aleatórias de países terceiros.




S.

quarta-feira, 19 de março de 2014

O feminismo em 20 palavras

 
"(...) é preciso constantemente lembrar que o que se opõe à igualdade não é a diferença, mas a hierarquia, a dominação."



in Direito das Mulheres e da Igualdade Social - A construção jurídica das relações de género, Teresa Pizarro Beleza




S.

terça-feira, 18 de março de 2014

Sexismo onde menos se espera #2

Uma pessoa fêmea vai levantar a t-shirt oficial da meia-maratona a que tem direito. Em não havendo o seu tamanho nem o acima, decide levar a t-shirt reservada ao outro sexo porque dessas há das pequeninas. Uma pessoa diverte-se com a cena que está a acontecer mesmo ao seu lado em que um distribuidor de t-shirts tanta convencer uma pessoa macho a fazer o mesmo e a levar a t-shirt do outro sexo porque já não há o seu tamanho nem perto das para machos. Uma pessoa começa a ficar estupidamente consciente das suas raízes feministas quando a pessoa macho até leva as mãos à cabeça em dramatismo quando o distribuidor de t-shirts, ainda a tentar convencer que as t-shirts não são assim tão diferentes diz “ela nem parece de mulher, acredite, quem não souber que era para mulher nem vai adivinhar”. Uma pessoa decide instigar um bocadinho de bom-senso naquela cena e declara meio a sério, meio a brincar (o bom senso tem que ser instigado meio a brincar porque egos masculinos destes são frágeis) um “Eu vou levar uma t-shirt de homem porque também não havia o meu número. E não me importo.” seguido de sorriso convencido. Os distribuidores de  t-shirts juntam-se num coro de “pois”, e “exato”, e “está a ver!” mas eu lanço outro sorriso satisfeito e vou-me embora antes de saber se a pessoa macho desceu ao nível de aceitar a t-shirt de pessoa fêmea ou não. Porque é disto que se trata, não é? Da vergonha. A vergonha instigada desde muito cedo que fazer coisas de gaja é degradante, des-masculinizador, quase um crime. Vou constatando agora, que até para certas mulheres o é. Uma atitude muito “eu sou gaja mas não sou «dessas» gajas”. Isto não é igualdade. É o contrário de igualdade porque é a demonização de tudo o que é estereotipicamente feminino. Considerado mau porque, lá está, tem o cunho do “feminino”.

Para mim, e suspeito que para a maioria da população feminina, usar uma camisola de homem não é nenhum problema. Às vezes até aparecem aquelas peças de roupa que se chamam “boyfriend cardigan” ou “boyfriend jeans” e assim. Uma mulher usar calças é aborrecidamente banal e absolutamente nada digno de nota. E um homem usar uma saia? Nop, não é possível. Quem usa saias são as mulheres.

Isto sem entrar na questão de para que raio é que se tem que diferenciar tudo segundo o género. Para quê que hão de criar uma t-shirt para mulheres e uma t-shirt para homens para uma corrida? É a porcaria de uma corrida, o objetivo é ser confortável e ir tudo de igual, não é nenhum desfile de novas tendências. E ainda se poupavam problemas de tamanhos a mais num modelo e tamanhos a menos noutro.


Eu acabei por levar a minha t-shirt preferida, uma coisa muito verde fluorescente, muito (da seleção) portuguesa, muito de homem, mas que me serve como nenhuma outra, orgulhosamente oferecida pela cara-metade. Garanto que os meus ovários ainda funcionam.






S.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Já só faltam 21

Ontem corri a minha primeira meia-maratona.

Vou escrever só mais uma vez porque mereço e para ver se acredito mesmo: ontem corri a minha primeira meia-maratona.  

Foi uma experiência do caraças e tudo o que eu antecipava esteve lá: o mar de pessoas, a confusão na entrada da Ponte 25 de Abril, o sentimento de privilégio incrédulo por estar a tocar com os pés naquela ponte emblemática, a vista de Lisboa sob um céu azul límpido, o esforço a começar a dar sinal ao quilómetro 7, o aborrecimento e a desmotivação lá para o quilómetro 11, a luta afincada e quase sem dar tréguas do corpo contra a mente, a incapacidade de ver as pessoas e as paisagens e as casas, o terreno desconhecido a partir do quilómetro 18 por nunca ter corrido tanto, o sentimento de pura felicidade ao cruzar a meta, a alegria por estar a correr em Lisboa. Não só não faltou nada do que eu esperava como tive o acréscimo de mais umas coisas: a ausência de vontade de procurar desculpas para não ir (para a minha primeira corrida, a de S. Silvestre dos Olivais, elas não faltaram), a ausência da dor excruciante nas canelas que já é uma velha conhecida, mas a presença de uma dor irritante na anca direita que não me largou durante toda a corrida, o desconforto horrível que é ter um sol que queima a bater na cara durante todo o caminho e que torna o esforço elevado de uma corrida quase insuportável, o orgulho tão humano mas tão irracional que é pertencer a um evento maior do que nós e a um grupo cujos membros só têm em comum o masoquismo de bater com os pés no chão muitas vezes por minuto durante duas horas, o sentimento de desespero por ver que ao quilómetro 12 eu já estava mal, a euforia por descobrir ao quilómetro 18 que ia conseguir acabar a prova, o pranto no qual quase desatei quando cortei para a meta, duas horas e vinte minutos depois de ter começado a correr tão feliz e ainda na margem sul. Hoje mal consigo andar, é um bocado assustador ainda que compreensível, mas mais assustador e nada compreensível é ter já concluído que eu não vou conseguir largar as corridas depois da corrida dos Sinos a 6 de abril, como planeava. Um bicho qualquer que acho que deve ser parecido com uma lagarta das maçãs já começou a roer qualquer coisa aqui dentro porque eu já estou com o sentido de querer melhorar aquelas duas horas e vinte. É qualquer coisa que me chateia assim: “Nã, nã, nã, nã, não fizeste aquilo como deve ser, toca a fazer outra vez mas agora em bom.” Não é necessariamente aquela corrida, é mais aquela distância. É uma necessidade de ensinar o meu corpo a correr 21 km confortavelmente. 

Maluco, não é? Eu sei.

Mas já aprendi melhor do que ignorar estas vontades crepitantes que vão alastrando por aí afora. O melhor é mesmo aquiescer até onde a vontade nos levar.

Uma coisa que reparei, e que até aqui nunca me tinha realmente passado pela cabeça, é que a corrida é uma coisa para ser vivida em conjunto. Ou seja, os treinos são feitos normalmente de forma individual mas depois nas corridas propriamente ditas as pessoas juntam-se aos pares ou aos grupos para darem força uns aos outros, para partilharem a euforia da meta, e ser uma coisa minimamente social. Eu fui sozinha. E o meu instinto observador não sinalizou mais ninguém na minha situação durante a caminhada do Pragal até à ponte e durante a espera pela partida. Não sei se isto significa que eu sou um bicho solitário, independente, com uma grande pancada ou sem noção do que se faz normalmente e do que não se faz normalmente. É capaz de ser uma combinação de todas.

Bicho solitário ou não, apoiantes não me faltaram. Entre um namorado incrivelmente otimista que à hora e meia já me estava a ligar para me procurar na meta, uma mãe dramaticamente fatalista que me diz coisas como, e cito: “senti um baque no coração porque pouco depois das duas horas comecei a ouvir uma ambulância e pensei mesmo que eras tu”, e um pai pessimisticamente confiante que depois das duas horas e quarenta ainda me esperava ver passar, não sei a qual agradecer mais. Agradeço aos três, claro, porque cortar a meta depois de duas horas e tal de esforço é uma sensação ali no topo das melhores coisas do mundo mas ver as caras sorridentes das três pessoas mais importantes da nossa vida logo após um esforço de duas horas e tal também não lhe fica nada atrás.    



Isto é uma aproximação fiel de mim hoje.
 
 
 
 S.

sábado, 8 de março de 2014

Uma volta de 360º

E o prémio de mindfuck da semana vai para...:
 
Estar em Bruxelas, numa parabólica belga, a ver através da BBC4, uma série belga com falas alternadas entre o francês e o flamengo, com legendas em inglês, onde aparece frequentemente imagens icónicas aqui do sítio.
 
Só falta aparecer um ou dois atores portugueses, para a coisa ser completa.




S.

quarta-feira, 5 de março de 2014

A minoria privilegiada




Ainda me estou a rir muito, internamente.



S.

Burocracia DIY

A minha comuna, apesar de ser esquisita, é bastante funcional e no outro dia ofereceram-me um leitor de cartões, para poder aceder aos serviços públicos online (portal de finanças, gerador de comprovativos de moradas e etc).

Como os cartões de identificação belga são mesmo muito semelhantes ao nosso cartão do cidadão, tive a brilhante ideia de experimentar se também lia estes últimos. Oh, joy to the world, lê os dois!

Apanhei um susto grande porque assim que instalei o software de leitura do CC a primeira coisa que apareceu foi a minha foto acinzentada em grande plano no ecrã do computador, e as fotos de Cartão de Cidadão são as maravilhas que toda a gente sabe. A reação seguinte foi a de gargalhar sinistramente enquanto a música "I've Got the Power" ecoava na minha cabeça.

Por entre códigos de alteração disto, códigos de verificação daquilo, códigos pin do não-sei-quê, uma pessoa sente que está a navegar por entre um software muito à NSA. E os meus dados estão ali todos, lidos por aquela maravilha de aparelho. Ainda não cheguei à fase do terror de ser espiada, ainda estou na sensação do seja-espia-você-mesma (ainda que só dos meus próprios dados), da S.-almighty.

Alterei a morada em casa, com os novos códigos que entretanto me tinham chegado e de forma a poder votar para as europeias na embaixada portuguesa. Uma ida desnecessária à embaixada poupada.





S. 

segunda-feira, 3 de março de 2014

A máscara de atleta

"E tu, S., de que te mascaraste ontem, domingo de Carnaval?"

Ora, eu vesti a minha máscara de corredora e lá fui eu por esses caminhos bruxelenses afora, armada em atleta.

Agora a sério. Se há coisa que eu agradeço por viver em Bruxelas é não ter que levar com o Carnaval aí pelas ruas, gente mascarada, apitos, música sambaesca e afins característicos da época. Nem preciso de saber que é Carnaval, posso deslizar por esta festividade numa inconsciência abençoada que muito agradeço.

Mas vesti-me de corredora, sim senhora. Foi o meu último record de distância antes da meia-maratona em Lisboa, a corrida da ponte, como a gosto de pensar, que é já daqui a duas semanas. Foram 17.85 km (eu ainda não me dignei a arranjar uma coisa para medir caminhos. Calculo-os antes de sair para correr e confirmo quando volto, no site muito catita do Mapmyride. Aqueles 150 m deixaram-me um bocadinho piursa na altura de confirmar o que tinha mesmo corrido).

Estes praticamente-18-km significam praticamente-2-horas a correr e eu ainda não sei o que sinto realmente em relação a isto.

A corrida entrou na minha vida como um vendaval e eu tenho com ela a relação mais estranha que já tive com qualquer outra coisa. E não faço ideia onde ela vai culminar. Já fiz as pazes com o facto de ter sido uma batata de sofá durante tanto tempo, de odiar as aulas de educação física, de odiar desporto, de ter tentado tantas vezes incorporar exercício na minha vida e continuar a odiá-lo, e de agora ter metido na cabeça que ia correr uma meia-maratona porque sim. Já não me interessa que não me conheça, e agora a surpresa deste compromisso virou confiança absoluta de que se eu consigo fazer uma coisa tão fora da minha (antiga) zona de conforto, então consigo fazer qualquer coisa que possa imaginar. Pior (ou melhor, vá): o meu corpo consegue fazer coisas incríveis. E eu não fazia ideia. E precisamente por causa disto ganhei-lhe um respeito imensurável, tenho por ele uma admiração e carinho tão grandes que só me apetece é continuar a correr mais longe, a correr mais rápido para continuar a puxar-lhe os limites, a fazê-lo feliz, a cumprir-lhe o destino biológico para o qual ele foi feito, animal que é.

Isto parece um bocadinho esquizofrénico, falar do meu corpo na terceira pessoa, até porque é mais como a gralha disse há pouco tempo: a minha relação com o meu corpo mudou desde que eu percebi que o meu corpo sou eu, não é um trambolho que arrasto de má vontade, e que portanto fazê-lo feliz, metendo-o a mexer e recompensando-o, só me fará a mim feliz.

E eu digo que a corrida é a relação mais estranha que eu já tive com alguma coisa porque eu não sou só feliz a correr. Aliás, eu raramente sou feliz a correr. Geralmente sou derrotista, às vezes sou aborrecida, tantas vezes penso "o que é que estás a FAZER?! vai para casa, JÁ!", muitas vezes aperto as luvas que levo na mão com tanta força que quase sinto as unhas a cravarem-se na palma, já me deu vontade de chorar com o esforço. Mas há mesmo muito poucas coisas tão boas nesta vida como o primeiro passo que dou na rua antes de começar um treino quando me sinto leve, leve, leve, ou receber olhares esbugalhados de pessoas encasacadas por ver uma menina de sorriso maníaco a correr de t-shirt quando estão pouco mais de zero graus, ou a vista da minha porta, já mesmo ali, 17 km depois e quase a chorar de alegria. E acordar nervosa antes dos treinos de maior distância, ao fim-de-semana porque sei que vem aí luta física e, muito provavelmente, quase duas horas que custam a passar. Nervosa! Como se fosse algo que não dependesse de mim absolutamente só, algo que só a mim me dissesse respeito, para o qual não tenho absolutamente nenhuma amarra.

Já tive dias que não me apetecia ir, manhãs que prolonguei na cama até quase ao limite da tarde porque já sabia o que me esperava assim que me levantasse. Já lamuriei ser dia de ir correr e temi que o meu entusiasmo com a corrida estivesse a desvanecer-se, como é tão normal com estas paixões explosivas mas efémeras. Houve dias em que me respeitei a mim própria, quando a vontade era tão negativa, e não fui, ficou para o dia seguinte.

Porque isto foi o que eu descobri e que me surpreendeu ainda mais do que se a paixão se tivesse desvanecido: eu acabo sempre por ir. E eu não sei explicar porquê nem o que me impele. A saúde não é, a perda de peso muito menos, a competição ainda menos. Diz que é a adrenalina. Talvez. Confissão um bocado envergonhada: às vezes dou por mim a vir do trabalho a pé e apetecer-me desatar a correr pela rua, qual cavalo galopante, só porque sinto falta da corrida e porque aquelas ruas são-me familiares do treino. É uma vontade um bocado desconcertante, de tão animalesca.

Uma rapariga que eu mal conhecia mas com quem falei entusiasticamente durante meia hora sobre isto das corridas, e que já tinha corrido quatro maratonas só no ano passado (!!!) disse-me assim: se tu queres correr uma maratona, fá-lo. Mas fá-lo por ti própria, aliás, tens que querer fazê-lo apenas por ti própria porque mais ninguém vai querer saber. Ninguém vai querer saber da distância que tu correste, do tempo que demoraste, nem do que te custou. Por isso só podes fazê-lo por ti.

E eu acho que é exatamente por isto que eu acabo por ir. Porque ninguém me obriga, nem eu tenho um compromisso com ninguém. Tem que ver única e exclusivamente com o que eu sinto, e com o que sei que sentirei assim que terminar a prova/treino.

É também por estas palavras sábias da minha mal-conhecida das maratonas que eu termino o post. Já chega, e ninguém quer saber. ;)




S.

Olá cidade belga, adeus cidade belga

Ainda não me habituei a isto de fazer uma viagem de menos de meia-hora de comboio e parecer que estou num país completamente diferente. Esqueço-me sempre, sempre, que Bruxelas é um enclave numa Flandres cada vez mais nacionalista e que me rosna sempre que ouso trazer os meus hábitos linguísticos francófonos para dentro do seu território. É como se sair para as redondezas de Bruxelas fosse ir ao estrangeiro. Os mesmos mecanismos mentais têm que ser feitos: desabituar a ver as coisas escritas numa língua que se entende, desabituar a ouvir pessoas falarem numa língua que se entende, e ter de ter cuidado para se nos dirigirmos a elas no inglês de turista. É estranho, ir ali dar um passeio a Louvain (ou, devo dizer antes, Leuven?) numa tarde e sentir-me uma turista desenquadrada, apesar de não ter passado nenhuma fronteira nacional.

Nem vou falar da cidade em si, toda limpa, ordenada, pituresca como uma caixa de bolachas belgas, e cheia de bicicletas. Só iria dar azo a mais lamentos sobre a fealdade, estranheza e sujice bruxelense. Como todas as cidades flamengas (das que eu conheço, pelo menos), Leuven tem aquele ar de País Baixo que mete impressão.

Só para registar aqui então que dei início à minha despedida formal da Bélgica no sábado ao começar uma série de passeios pelas cidades principais do país que vai deixar de ser o meu não tarda muito e do qual eu conhecia vergonhosamente pouco. Lovaina (até me assustei quando descobri que era este o nome da cidade em português) foi a primeira.




S.