segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

É só substituir Negro por Woman e White City Council/Ku Klux Klan por Juiz Neto de Moura/José António Saraiva

Hoje, em dia de Martin Luther King, esta passagem da Letter from a Birmingham Jail, onde ele advoga a estratégia da resistência não-violenta contra o racismo, fez-me lembrar esta onda de gente que acha que o assédio sexual é mau mas só quando envolve violação (e boa sorte em prová-la), que o #metoo está a ir longe demais, que se está a tornar numa caça-aos-bruxos, e que as mulheres deviam era fazer tudo certinho pelos trâmites legais que existem para não perturbar muito os homens no geral e não fazê-los ponderar comportamentos e temer consequências (bem se viu onde isso nos tem levado até aqui):

"... the Negro's great stumbling block in the stride toward freedom is not the White City Council-er or the Ku Klux Klanner, but the white moderate who is more devoted to 'order' than to justice; who prefers a negative peace which is the absence of tension to a positive peace which is the presence of justice; who constantly says 'I agree with you in the goal you seek, but I can't agree with your methods of direct action;' who paternalistically feels he can set the timetable for another man's freedom; who lives by the myth of time and who constantly advises the Negro to wait until a 'more convenient season.' Shallow understanding from people of goodwill is more frustrating than absolute misunderstanding from people of ill will. Lukewarm acceptance is much more bewildering than outright rejection."




S.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Guia para um run-commute bem-sucedido

Isto era uma coisa que queria fazer desde o verão, quando voltei a trabalhar num escritório regularmente, que ainda para mais tinha cacifos: correr nos meus percursos casa-trabalho-casa.* Dois grandes problemas se me afiguraram:

1. Não tenho chuveiro no escritório, logo correr casa-trabalho não era opção. O combo toalhitas-champô seco nunca foi verdadeiramente opção.

2. Mesmo que ignorasse a questão do chuveiro ou passasse só a correr trabalho-casa, o meu trabalho implica usar o computador portátil sempre, sem exceção, algumas vezes com um livro ou outro atrás. A marmita é importante também, mas até poderia ser ignorada se todas as outras condições fossem perfeitas. Ora isto implica uma mochila grande o suficiente para transportar um Macbook Air dos maiorzitos, que embora levezinho e fininho, ocupa espaço considerável em comprimento e largura. Problema acrescido: sou uma pessoa baixa e magra, assim a modos ao que aqui nas roupas se apelida de "petite", de maneiras que a mochila teria que ser grande o suficiente para acomodar o portátil, mas pequena o bastante para não passar da cintura e poder correr confortavelmente com ela. Problema acrescido ao acrescido: aqui a modos que chove bastante, pelo que waterproof seria uma característica imperativa para conservar o portátil durante mais uns bons anos.

Passei dias e dias obcecada a procurar a mochila ideal. Há muitos modelos, de vários materiais, tamanhos (em litros) e para várias bolsas. Não queria gastar 100 libras numa mochila sem saber se esta era uma rotina à qual ia realmente aderir, mas para ter o conforto necessário para considerar aderir à rotina run-commute, a mochila tinha de ter boa qualidade, ao nível do tecido respirável, do design para amortecer os abanos das coisas que lá vão dentro, e do formato da mochila em si para evitar que comecem a aparecer bolhas, raspões ou dores com o atrito dos saltitos que a corrida implica.

O problema maior com que me deparei foi o problema mestre do nosso mundo: homem como padrão. 90% das mochilas no mercado são desenhadas com a fisionomia do homem médio como padrão: acabam portanto a passar a cintura da maioria das mulheres, o que se torna muito desconfortável quando vamos na corrida sempre com a porcaria da mala a bater no rabo, largas demais nas costas, o que implica mau ajuste no que se queria um fit adequado das várias alças à volta dos braços e dos ombros, e finalmente, nenhuma consideração por mamas, pelo que as fitas que prendem as alças uma à outra pelo peito, crucial para impedir a mala de abanar e descair, estão normalmente no sítio errado.


Esta não é má em relação ao que às mamas diz respeito, já que tem uma fita por baixo e outra por cima, mas continua a ser desproporcional nas alças para uma pessoa pequena: iam-me roçar no pescoço. Acabei por me focar nas poucas marcas que têm modelos desenhados para mulheres, o que me limitou francamente as opções (mochilas de run-commute já são um nicho bastante reduzido de mercado, mochilas de run-commute de preço acessível ainda mais; agora imaginem mochilas de run-commute de preço acessível para mulheres!) A Osprey tem umas catitas.

O maior quebra-cabeças no entanto foi tentar decidir o tamanho da mochila, a tal combinação perfeita portátil-costas pequenas, o que sinceramente com tudo em litros não ajudou. Sei lá eu quanto mede uma mochila de 42l ou de 20l! Fui a uma loja de corrida mas não tinham grande oferta de mochilas, pelo que fiquei um bocado na mesma.

Entretanto comecei a trabalhar no meu escritório atual e cheguei à conclusão que havia uma possibilidade de fazer o meu run-commute sem andar com tralha às costas: deixar as minhas coisas lá! Ideia revolucionária, eu sei. Mas o problema sempre foi deixar o portátil pessoal para trás. Mas sendo que tenho pelo menos dois dias fixos e seguidos por semana em que trabalho a partir do escritório, posso fazer com que o trajeto trabalho-casa do 1º seja feito a correr. Passar uma noite sem o portátil não me vai matar.

Foi portanto isso que experimentei ontem: levei para o escritório a roupa de correr e a minha mochila de hidratação sem a bolsa de água, para poder transportar a carteira, chaves e telemóvel na corrida para casa, deixei o portátil fechadinho a sete-chaves no escritório, e a roupa de dia na mochila debaixo da secretária. E pronto, foi esta a simplificada logística com que tive que lidar.


Eu aqui toda feliz após o meu primeiro run-commute.

Isto não me irá funcionar todos os dias porque só tenho os tais dois dias seguidos garantidos no escritório e uma noite é o máximo que fico sem o portátil (não tenho televisão, todo o meu trabalho e lazer e admin geral de vida é feito através do menino), pelo que só posso fazer run-commute uma vez por semana (e quando há reuniões fora do escritório é para esquecer, já não consigo partir dele, já não consigo deixar a tralha lá). Numa situação mais normal de trabalho num sítio fixo das 9 às 5, cinco dias por semana, é possível correr trabalho-casa às segundas, terças, quartas e quintas (de manhã leva-se a roupa de correr para a tarde, num saco, para não acumular 4 ou 5 malas numa semana no escritório) e na sexta à tarde traz-se tudo o que ficou no escritório para casa. Fácil! Quem tem chuveiro no escritório pode ainda optar por correr as idas também, garantindo só que à segunda de manhã leva a tralha toda necessária para o resto da semana, incluindo mudas de roupa para correr e mudas de roupa para o dia-a-dia.

E pronto, é isto. Lamento não ter uma resposta mais definida e baseada na experiência de uso em relação ao problema das mochilas para run-commute, o que torna o título um pouquinho enganador, mas esta é a minha experiência com um run-commute light e parcial, só trabalho-casa levando apenas carteira, chaves e telemóvel (mas já cheguei a usar esta mochila de hidratação para ir buscar e devolver livros a bibliotecas por esta cidade fora e funcionou muito bem! Imagino que a marmita pudesse substituir o livro. Infelizmente só não cabe é o portátil.)

Experiências, sugestões ou dúvidas nisto do run-commute muito benvindas nos comentários!


ADENDA: uma coisa que me agrada francamente nas corridas trabalho-casa é o facto de ser um treino feito em linha reta: vou de um ponto ao outro, sem ter que voltar para trás e isso mentalmente para mim é muito melhor. Odeio treinos/corridas que passam por pedaços do caminho à volta. A maratona de Lisboa, de Cascais ao Parque das Nações, nesse aspeto ganha muitos pontos.


S.



*Não existe expressão para isto em português, uma palavra que traduza commute. Pensava que os movimentos pendulares que se aprende em Geografia era o mais próximo que havia mas não está correto; um movimento pendular implica que o sítio onde se viva e o sítio onde se trabalha sejam em duas cidades e/ou regiões diferentes, o que não é necessariamente o caso com a palavra commute. Um fenómeno tão importante nas vidas diárias de quase toda a gente, à volta do qual se determinam tantos outros - tempo de lazer, orçamento mensal, decisão sobre onde viver, que transporte utilizar - não tem expressão em português. Está certo.   

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Quase ouvi o revirar de olhos

Depois de mais um pânico coletivo em Oxford Street num dia tradicionalmente associado a compras, isto começa a soar um bocadinho à história do Pedro e o Lobo.

As autoridades começam a ficar impacientes connosco. Ontem num anúncio sonoro no metro ouvido numa voz que os britânicos dominam desde sempre - aquela fúria e impaciência transmitida através de um keep calm and carry on entredentes:

'Please. do not. run.'

x'D



S.  

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Consumismo 2.0

Ver a forma como tanta gente, incluindo bloggers portuguesas proeminentes, listam o número de viagens que fizeram ao estrangeiro e equacionam isso com sucesso e um ano 2017 bom, faz-me pensar que viajar não é necessariamente melhor do que adquirir coisas materiais. Parece-me consumismo na mesma, colecionar nomes de sítios em vez de malas caras, pôr certinhos ao lado de listas de sítios a visitar uma extensão da mentalidade consumista, não uma substituição da mesma por algo mais integral e saudável.



S.



(Esta observação pode ser mais fácil de fazer por estar numa fase muito bizarra em que a minha vontade de viajar para conhecer sítios novos é nula, em que a minha mente se rebela ativamente se alguém me propõe uma visita a um país/cidade estrangeiro numa de sightseeing. Não há espaço em mim desde há um par de anos para nada que não seja Reino Unido, e pouco tolerado neste momento se não for Londres. Se escarafunchar a mente encontro as minhas inseguranças todas como causa, mas elas nunca me preocuparam menos porque sei perfeitamente o que quero.)