O síndrome da procrastinação para visitar coisas só me ataca quando sei que o tempo é indeterminado. Quando não é, até planeio e aponto o que ver e quando na minha agenda. A lápis, para dar espaço à espontaneidade, mas ainda assim um bocado à maníaca da organização do tempo.
É por isso que tenho andado numa espécie de roda-viva a visitar sítios por este Portugal que, aquando em Bruxelas, me andaram a fazer cócegas ao espírito. Isto das saudades tem muito que se lhe diga e eu tenho descoberto que é das coisas mais aleatórias que eu sinto falta: das waffles de uma barraquinha que só aqui aparece no verão, do Cais das Colunas no Terreiro do Paço, do Cascaishopping (wtf, não meto os pés lá há anos!), da vista do mar no cimo da minha (dos meus pais? bah, isto de "casa" tem muito que se lhe diga) rua, do pêlo do meu cão que já não cá está, dos olhos do que está, de jantar com os meus pais, de deambular pela Baixa, de olhar o Palácio da Pena pequenino no topo da serra, de subir uma estrada aqui perto e ver uma bela porção da costa portuguesa aparecer como quem destapa um pano de repente, do Parque Eduardo VII cheio de barraquinhas brancas com livros, de sentir areia debaixo dos pés descalços. Lisboa, por estranho que pareça porque nunca lá vivi, é sempre o que se apresenta mais forte quando perscruto na minha alma lusa a definição de "Portugal". É assim um misto de Belém, muito Chiado, alguma Baixa, e um bocadinho de Saldanha. Mas mais Chiado. É por isto que não consigo vir a Portugal não indo dar uma volta qualquer a Lisboa também. A visita ao país natal fica incompleta se não o fizer. E claro que tendo lá meia dúzia de caras e espíritos dos que mais falta me fazem torna a volta a Lisboa inescapável.
Mas desta vez, a ida a Lisboa incluiu uma paragem especial. Desde que ouvi falar da sua abertura há umas semanas atrás que me lastimava por não cá estar e poder lá ir deitar um olhinho. Falo da
biblioteca pública feminista em Belém. Fica na Biblioteca Municipal de Belém e é uma sala dedicada ao estudo do feminismo. É claro que lá tive que ir.
A minha intenção em relação ao sítio era pura e simplesmente satisfazer a curiosidade. Queria saber a dimensão, o tipo de livros que tinha e se era vocacionada para a história do feminismo em Portugal (que, se tudo correr como espero, me seria mesmo muito útil daqui a um ano) ou se era mais generalista. Após uma pesquisa atenta e deliciada pelas lombadas dos livros expostos fiquei contente por ver que os grandes clássicos feministas lá estavam, incluindo obras de Germaine Greer, Betty Friedan e, claro, Simone de Beauvoir. Fiquei com a impressão que é uma coleção que, apesar de mais pequena do que estava à espera, é bastante abrangente, tendo livros de pura literatura de ficção que às vezes me fizeram suspeitar que ali estavam apenas por terem sido escritos por mulheres, obras mais filosóficas sobre o que é ser mulher e a condição da mesma ao longo dos tempos e em vários países, bem como livros que analisam políticas que influenciam a condição da mulher como o divórcio, as leis laborais e as licenças parentais, etc.
Eu fui um bocado gananciosa e levei para a mesa estes 4 livros, embora só tenha conseguido dar atenção - e nem sequer a devida - ao da Maria de Lurdes Pintasilgo. Aguçou-me a curiosidade o facto desta mulher ter sido uma feminista e, o que é mais, ter escrito sobre o assunto. Ela auto-declara-se uma feminista católica, o que é ainda mais interessante porque as duas coisas são normalmente contraditórias na sua teoria. Não lhe consegui ler o livro todo mas gostei mesmo muito do que li. É uma coisa muito terra-a-terra, explicando coisas elementares mas basilares como o que é o feminismo e o sexismo, não deixando que aquilo seja mero dicionário mas deixando transparecer que a autora pensou, remoeu e fez a comparação com a realidade sobre os temas que ali fala. Fiquei extremamente interessada em conhecer mais sobre esta figura da história recente portuguesa.
Era a única pessoa ali - quase na biblioteca toda, aliás - e isso deixou-me um bocadinho desanimada. Na minha ingenuidade, estava à espera que às duas da tarde de um dia de semana em julho aquilo estivesse compostinho mas pelos vistos não conheço bem muitas bibliotecas públicas. Bom, uma coisa é certa, é um lugar ideal para ir trabalhar frequentemente...
S.