"O transporte de trabalhadores escravos de África, iniciado pelos Portugueses para o desenvolvimento do Brasil, não tardou a envolver as colónias espanholas, inglesas, francesas e holandesas da América. Esta deslocação forçada de um número de indivíduos estimado em doze milhões provocou uma quantidade enorme de mortes, durante a viagem e nos primeiros anos de cativeiro. A imposição do domínio português em portos cruciais (e no território circundante) de África e da Ásia causou a destruição de famílias, comunidades e grupos étnicos, bem como o desmembramento de sistemas culturais e políticos. Por estas razões, a publicação deste livro carece de toda e qualquer natureza comemorativa. Ao escrevermos história, a nossa intenção é ir além de uma apropriação ideológica do passado e desconstruir conscientemente os sucessivos mitos que foram criados por várias historiografias. A necessidade de reescrever a história da expansão portuguesa decorre da nossa recusa de perspectivas ideológicas ou nacionalistas específicas; o nosso objectivo é superar as camadas de historiografia retrógrada que ainda são comuns."
in A Expansão Marítima Portuguesa 1400-1800, Francisco Bethencourt e Diogo Ramada Curto (eds)
Página 5 e já estou a gostar muito deste livro.
S.
Tenho a ideia de que povos a tentarem dirigir-se ao desconhecido seria inevitável. Não consigo ter uma ideia completamente negativa dos Descobrimentos, embora seja talvez uma perspectiva inocente e confortável do ponto de vista português (talvez também devesse ler o livro!).
ResponderEliminarAinda hoje de manhã vi um vídeo do Trevor Noah (sul-africano) em que ele criticava os ingleses e tudo me pareceu ressabiado. Até quando os países colonizadores servirão de bode expiatório, quando é que as balanças finalmente se equilibram? Nunca?
Há que ter cuidado na utilização do passado para justificar o presente, especialmente um passado tão longínquo como a época da expansão portuguesa e do tráfico de escravos, concordo. E isso também tem que ver com a suposta culpa que as gerações atuais têm em relação aos crimes dos seus antepassados; que culpa temos nós portugueses do séc. XXI das atrocidades que os nossos descobridores cometeram há 500 anos atrás?
ResponderEliminarAgora, quando se faz História tem que se ter mesmo muito cuidado com os nacionalismos e fugir deles a sete pés. Aliás, as historiografias nacionais foram sempre instrumentalizadas pelas elites para fabricar sentimentos nacionalistas e patrióticos através de mitos muito simplistas, para agregar pessoas que pouco mais têm em comum do que partilharem determinado território nacional. Em Portugal é a ideia de nós contra os espanhóis (começando no Afonso Henriques), e a nossa suposta época áurea em que navegadores portugueses 'descobriram' partes do mundo e que governávamos um império importante. Isto é o que nos impingem na escola (lá está, faz parte da fomentação dessa identidade nacional) mas é uma visão muito etnocêntrica e redutora do passado. É preciso um esforço consciente para ver para além desses mitos e é para isso que os bons historiadores devem contribuir. (Não foi fácil encontrar um bom livro sobre a expansão portuguesa, que não caísse na tentação de olhar um passado complexo de forma celebratória, mas parece-me que acertei.)
É engraçado esse suposto ódio aos espanhóis, que é mais histórico e simbólico do que real. Sobretudo quando se vai a lugares perto da fronteira e percebe-se que uns e outros passam a vida do outro lado :P
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