Um projeto de dois anos, financiadinho por 200.000 euros dos contribuintes portugueses, para tornar a "cultura tauromáquica" em Património Cultural Imaterial de Portugal (e portanto Tradição™e impossível de eventualmente proibir legislativamente). Foi um dos mais votados.
Um dos problemas mais difíceis de solucionar na democracia é que a maioria de votos, seja numa eleição, num referendo ou numa votação para um orçamento participativo, não representa a vontade da maioria da população, mas tão somente a vontade da maioria que se expressou. E há grupos que, por diversas razões, se tendem a expressar mais.
Aqui há uns anos, o governo britânico impôs umas medidas bem catitas de austeridade que começaram a levar municípios à ruína. O governo central reduziu drasticamente as contribuições para as autoridades locais, pelo que muitas câmaras municipais não tiveram outra opção que cortar inúmeros serviços numa lógica de escolher o mal menor. Bibliotecas públicas e centros de infância fecharam aos rodos.
Num levantamento que mais tarde se fez, concluiu-se que centros destes tinham sido fechados em maior número em zonas mais pobres do que em zonas mais ricas - o que só agrava a tragédia porque é normalmente nas zonas mais pobres onde são mais precisos. Isto não foi apenas porque os municípios mais pobres foram os que perderam mais quando o governo central começou a cortar no financiamento, embora isso também seja verdade. Mas o facto de nas zonas mais ricas os cidadãos terem maior capacidade de se organizarem - porque têm mais escolaridade, mais contactos, mais tempo disponível e mais empoderamento pessoal para enfrentar os decisores locais - levou a que as câmaras municipais vissem a tarefa de cortar serviços públicos mais difícil. E não fecharam (tantas) bibliotecas.
Este viés é agravado em situações de democracia direta, ou participativa, como é o caso dos referendos ou dos orçamentos participativos. No caso dos últimos, se não há um esforço concertado de publicitar e de proativamente encorajar grupos marginalizados ou em menor vantagem a participar, corre-se o risco de os projetos vencedores serem apenas os que foram mais bem sucedidos na sua própria promoção e em ativar o público interessado a votar em massa. Pior: se esse esforço de encorajamento de participação não existir, os projetos em votação à partida refletiram sempre e apenas os desejos e experiências de uma pequena minoria da população, minoria essa já relativamente privilegiada.
S.
P.S. Nos entretantos, acho que esse plano de investigação está afinal mesmo em fermentação...
Já tinha conhecimento disto... Vi algures.
ResponderEliminarAcho parvo, muito parvo, mas pior é saber que há dinheiro meu a ir para isso.
ENFIM!
A minha indignação chega tarde (esqueço me do blogue) mas não fazia ideia que havia esse projecto em curso. Aqui parece me ser precisamente nos centros mais pequenos e do interior que a tauromaquia confisca mais interesse porque nos outros sítios as pessoas estão ocupadas com outras coisas.
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