Depois de ter passado
cinco meses a caminhar todos os dias para o trabalho, estava um bocado ansiosa sobre:
1º - se ia arranjar emprego;
2º - onde iria ser esse emprego e se poderia continuar a deslocar-me a pé.
Pensei sempre para comigo que iria ser sorte a mais conseguir um emprego a menos de meia hora de casa, como tinha sido o caso até aqui. E, de facto, não me enganei. A nova morada profissional não me era desconhecida - a rotunda de Schuman é o centro da colmeia dos eurocratas - mas de facto ficava a bem mais de meia hora de casa, num caminho não tão linear, e por isso foi com resignação que, na véspera do primeiro dia, lá estava eu a estudar o mapa dos transportes.
Depressa concluí, como já desconfiava, que não tinha transporte direto. Ou andava 500 metros para apanhar o metro e tinha que mudar de linha, ou andava uns 700 para apanhar um autocarro que, a somar ao meu azar rodoviário, consta que não são muito de confiar aqui em Bruxelas. Conclusão: mais de meia hora iria sempre gastar em commuting e uma parte deles seria a andar de qualquer das formas.
Na véspera do primeiro dia bati o pé e decidi que ia experimentar ir sustentada a perninhas apenas. "Só amanhã, para ver se custa muito ou não."
Deixei 45 minutos para a travessia e cheguei com quase dez minutos de antecedência. Alegria! :D Na primeira semana, fiz o caminho com entusiasmo, se bem que com mais custo por ser mais longe e ter subidas e descidas.
Entretanto, comecei a pensar "O que era mesmo fixe era eu ter um transporte que me levasse de casa ao trabalho, sem ter de esperar nem cumprir horários, e à minha inteira e única disponibilidade..." E comecei a namorar bicicletas.
Ora, Bruxelas tem um sistema muito catita de aluguer de biclas (semelhante ao de Londres, aliás) e que sempre me suscitou a curiosidade. Há uns dias, decidi investigar.
E o que descobri deixou-me boquiaberta. Por uns míseros 32 euros anuais, uma pessoa usa estas bicicletas as vezes que quiser, a partir de onde e para onde quiser. A única regra é que cada viagem tem de durar menos de meia hora, caso contrário começa-se a pagar 50 cêntimos por cada excerto de tempo excedente.
Aquilo tem um sistema muito bom de se poder utilizar o passe urbano de transportes em vez de ter um diferente, e usá-lo para desbloquear a bicicleta que se quer utilizar.
No sábado, porque tinha uns recados para tratar e era pertinho, estreei-me neste transporte tão catita.
Foi um desastre, a estreia.
Estava nervosa, porque já não andava de bicicleta seguramente há mais de um ano, nunca andei no centro de uma cidade, e era uma experiência nova. Começou logo pelo facto de não saber mudar as mudanças daquilo (e ainda não sei... :/ ). A bicicleta estava no mais leve e eu comecei logo por uma descida. Depois, deu-se o facto de eu, simplesmente, nunca ter conduzido no meio do trânsito. Foi algo que me deixou muito nervosa, já que eu, por um lado não quero estorvar os carros, então vou muito perto do passeio ou dos carros estacionados, e por outro sinto-me um peão que vai a andar ali no meio da estrada feito maluco. São demasiados anos condicionada pelas regras do bem-circular na estrada enquanto peão...
A somar a isto, uma das estradas pelas quais tive que passar era de calçada e a bicicleta, por estar demasiado leve, ia-me cuspindo do assento. Quando uma das rodas entrou por um carril de tram dentro, perdi o controlo da bicicleta e tive que levar os pés ao chão para não bater no táxi do lado. De coraçãozinho a tremer, lá fiz o resto do caminho que faltava, depositei a bicicleta no seu parque, e saí dali quase a correr. "Como, oh meu deus, como vou eu adotar a bicicleta como meio de transporte se só em cinco minutos ia morrendo umas três vezes...!" (sou muito dramática e mariquinhas nestas experiências fora da minha zona de conforto. Que ainda por cima é muito estrita).
Mas no domingo, e porque andava com a pulga atrás da orelha sobre o Bois de la Cambre há meses, e aquilo era só ir pela avenida abaixo, sempre a direito e com espaço, lá me aventurei eu novamente em cima do selim. Isso e a minha extrema abjeção a desperdiçar dinheiro. "Pagaste 30 euros agora hás de andar todos os dias..."
Já correu melhor. Encorajada pelos outros (muitos!) ciclistas que agora observo atentamente, comecei a ganhar a noção de que a bicicleta é tão transporte como o carro, e portanto não tenho que estar aflita se o carro passa por mim ou não; se tiver espaço suficiente, passa, se não tiver, que vá atrás de mim. Isto parece demasiado despreocupado mas é mesmo assim que no site do Villo aconselham a que os ciclistas façam. E como vejo sempre os outros ciclistas a fazer.
E o que é certo é que, agora que reparo com nova atenção, muitas ruas bruxelenses têm espaço para bicicletas (ainda que não possa dizer que na grande maioria dos casos seja uma verdadeira faixa. Mas que há espaço, há).
Posso dizer também que, pela parte que me toca, Bruxelas está bem servida destas estações de estacionamento de bicicletas. Tenho uma a 50 metros da porta de casa, outra a uns 200, e mais umas a distância a pé. Ao pé do trabalho, tenho também umas duas. Esta é uma possível desvantagem: estas bicicletas não me levam à porta dos sítios onde quero ir; sempre que se quer utilizar este serviço, há que pesquisar no mapa onde as há de onde se quer partir, e onde as há até onde se quer ir. E os meus olhos agora já ligaram radar no que toca a procurar o sinal circular laranja com a palavra Villo! escrita.
Já me deparei com alguns contratempos:
- estação vazia hoje de manhã, quando queria estrear o caminho para o trabalho neste novo modo de transporte;
- ontem, agarrei numa bicicleta com o pneu furado (ainda comecei a andar e lá ia eu perdendo o controlo outra vez...);
- hoje, quando queria voltar, não conseguia destrancar a única bicicleta disponível naquela estação. Frustração transformou-se em energia nas patas (remédio!);
- as inclinações e ligeiras subidas dão cabo de mim, mesmo aquelas que não dão quando caminhava apenas. Em contrapartida, nas descidas estou no paraíso :D ("olha para mim tão rápida a chegar lá abaixo!");
- ainda não me sei colocar como deve ser no sinal vermelho... Aconselham a que nos posicionemos sempre à frente do primeiro carro, para sermos os primeiros a arrancar, e é isso que vejo os outros ciclistas a fazer. Mas muitas vezes não há espaço suficiente para navegar a bicicleta até lá, e não tenho ainda a confiança necessária para me embrenhar aos ziguezagues pela fila, como todos os outros ciclistas fazem. Em contrapartida, a minha sinalética dos braços é efusiva, porque quero que o carro que vai atrás de mim não tenha dúvida que eu vou virar à esquerda (às vezes quase me apetece gritar "EU VOU VIRAR À ESQUERDA, CUIDADO!");
- acho que vou ter que arranjar um capacete. Não é de todo obrigatório, coisa que me choca um bocado, pois aqui há mesmo muita gente a usar a bicicleta como meio de transporte principal, e por isso deve haver acidentes, mas é recomendável. Vou ter que tratar disso.
A minha grande ambição na vida neste momento é saber mudar as mudanças daquilo. Pego sempre em bicicletas que estão no "1", e não encontro o manípulo que costuma existir no lado direito da rodazinha das mudanças. Há que ganhar coragem e perguntar a alguém que esteja a alugar uma bicicleta na mesma altura que eu...
Basicamente, é isto. Ganhei um novo meio de transporte, disponível quando quero, movido a energia de S. e que me leva menos tempo do que se apanhasse metros ou autocarros. A prova final será quando começar a chuva e o frio...
S.
P.S. Por falar em bicicletas movidas a energia de S., ando completamente parva com o exercício todo que tenho feito, quase sem querer. Ele é ginásio dia sim dia não, caminhadas a pé de 40 minutos até ao trabalho, bicicleta... Acho que qualquer dia o meu corpo curto-circuita-se com tanto movimento saudável... "Eu não fui criado para isto!", temo eu que ele me diga um dia destes, e decida fazer greve. Enquanto esse dia não chega, nem a neve, já agora, há que aproveitar :) .