quarta-feira, 15 de maio de 2013

Disney cobardolas

A Mérida entrou para o Clube das Princesas da Disney. Só esta frase dá logo medo, eu sei. E há razões para ter.

A protagonista do Brave, essa princesa que havia sido tão elogiada por romper tão necessária e brilhantemente com o estereótipo da princesa-Disney-de-sorriso-amarelo-e-vida-merdosa-cuja-salvação-realização-e-felicidade-vem-sob-a-forma-de-príncipe encantado, ganhou o estatuto master que as personagens femininas da Disney podem almejar e que traz tanto dinheirinho ao senhor Walt. Só é pena terem lixado a personagem toda nos entretantos.

Ao que parece, a Mérida levou um upgrade quando foi incluída no Clube. Está agora mais velha, mais curvilínea, sorrisinho amarelo (pronto, é uma boneca, mas há expressões e expressões), e vestido bem mais justo, decotado e sparkly.



Espetacular, hã?

Porque é que a Disney decidiu estilizar a heroína mais inovadora e que provavelmente lhe valeu mais elogios dos últimos tempos? Estavam a ir na direção certa: uma rapariga normal, com personalidade própria, aventureira, curiosa, amorosa, que bate o pé quando é preciso, corajosa, divertida, ativa. Uma rapariga de um conto de fadas com a qual milhões de meninas se podiam identificar. Mas mais importante: uma personagem feminina que rompia com o ideal de beleza sexualizado e banal que nos entra pelos olhos adentro todos os dias. Algo diferente.

Vergonha para cima de vocês, Disney. VERGONHA.

Eu acho que isto foi uma reação de incapacidade de pensar fora da caixa. Eles têm um padrão de princesas e acharam - muito erradamente - que a figura "Mérida" só poderia ser comercializada se encaixasse esse padrão redutor de princesa aka beleza feminina normalizado. Dizem eles que as crianças preferem coisas que brilhem, para justificar a mudança do vestido. Meter um bocadinho mais brilhante não é sinónimo de arredondar formas e aumentar decotes (ela é suposto ser uma criança, porra!). E de qualquer forma, seguindo esta lógica do "brilhante vende mais" gostava de saber então porque é que os super-heróis não brilham. Ou os Action Men. Ou os Legos. A não ser que a explicação seja "as meninas nascem com um gene qualquer que as atrai para coisas que brilham" ao invés de "os brinquedos da secção MENINA, têm uma grande quantidade de brilhantes o que as faz associar brilhantes com brinquedos para menina desde que nascem". É tipo uma espécie de pescadinha de rabo na boca (o que é que surgiu primeiro: o marketing dos brilhantes ou o gosto pelos brilhantes?) que ninguém tem coragem de quebrar. A Disney decerto não teve, mesmo quando a oportunidade certa se lhe apresentou. A decisão de fazer upgrade da Mérida para o molde sexy do costume foi portanto, além de desapontante, extremamente cobarde.

Há por aí uma onda de indignação com este upgrade vinda especialmente de pais que estavam extremamente contentes com a inovação do filme Brave. A criadora da Mérida juntou a sua voz a esta indignação coletiva e fez saber que:


"I think it's atrocious what they have done to Merida. When little girls say they like it because it's more sparkly, that's all fine and good but, subconsciously, they are soaking in the sexy 'come-hither' look and the skinny aspect of the new version. It's horrible! Merida was created to break that mould, to give young girls a better, stronger role model, a more attainable role model, something of substance, not just a pretty face that waits around for romance."


A Disney já respondeu qualquer coisa muito apaziguadora mas extremamente pouco comprometedora, do género, "sim, levou upgrade mas continua a mesma Mérida no interior." Hipócritas do caraças.

Fica a desilusão que afinal a Disney de inovadora tem muito pouco.



S.   

2 comentários:

  1. Olá!
    Gosto e apoio sobremaneira a causa que aqui defendes. Fazes a tua parte para um mundo menos preconceituoso e mais igualitário e isso só pode ser louvável.
    Também tento fazer a minha parte nesta questão da igualdade do género, mas deves saber certamente que o "feminismo" é ainda muito mal visto, encarado como o extremo oposto do "machismo", e por isso metido no mesmo saco. É frequente ver pessoas a desdenharem do feminismo, tal como desdenham do machismo, e nem sequer se apercebem que podem estar a ser injustas e a passar ao lado de um movimento com príncipios nobres na sua origem.

    O que fazer para mudar, ou pelo menos tentar mudar estas opiniões?
    Tens alguma sugestão?

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  2. Uma jornalista britânica aqui há umas semanas dizia que as mulheres que fazem muita questão de dizerem que não são feministas devia-lhes ser retirado o direito a votar, a possibilidade de usar pílula, verem-lhes os salários reduzidos para metade dos seus colegas homens, devia-lhes ser negado acesso ao ensino superior e terem que pedir autorização ao pai ou ao marido para viajar ou abrir um negócio. Eu não iria tão longe, mas isto são tudo coisas que o feminismo combateu e se não fossem as mulheres histéricas e vociferantes, "odiadoras de homens" e queimadoras de sutiãs, ainda tínhamos hoje.
    Mas o mais difícil é fazer perceber a certas pessoas - algumas delas inteligentes mas desconfiadas do feminismo - que ainda não se atingiu a igualdade. Porque na lei já somos iguais ao homens. Mas no dia a dia e em muitas coisas ainda não. Violência doméstica, o medo de andar sozinha à noite, o assédio que continua a levar o nome fofinho de "piropo", a escassez de mulheres nas posições de topo das empresas, poder político, tribunais, no bombardeamento constante que levamos sobre ter um corpo perfeito, vestir a roupa da moda, sermos perfeitas amantes, mães, amigas, no peso maioritário das tarefas domésticas que ainda cai sobre as mulheres.
    O feminismo não se trata de fazer as mulheres serem superiores aos homens ou de os pisar, como é o caso do machismo com as mulheres. É sobre igualdade de oportunidades e vozes e cada pessoa ser livre para se realizar no que bem entender, sem constrangimentos de ser mulher ou ser homem que a sociedade ainda nos impinge.

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