sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Primeiras impressões de Sheffield

Agora sou uma pessoa do norte. Tudo o que fica acima de Londres para os ingleses é norte de Inglaterra, de maneira que Sheffield, ainda que sendo South Yorkshire, é norte. As pessoas têm sotaque do norte - fonte de risadas para os habitantes da capital e south-easterners, onde é que eu já vi este filme -, o clima é do norte, as pessoas são incomparavelmente mais afáveis e simpáticas mas, infelizmente para mim, menos compreensíveis. Se os britânicos em geral parece que falam com uma batata dentro da boca, aqui então parece que a têm a meio da garganta e estão a tentar equilibrá-la para que não vá para baixo nem para fora. Não sou novata em sotaques estranhos (nos dois anos passados lidei bastante com o escocês) mas pelos vistos eles são muitos e cada um precisa da sua dose de afinamento do ouvido. Sei que não tarda muito vou andar a dizer "nô", em vez de "nou" e "haiá" em vez de "hai" mas isso será incomparavelmente menos dramático do que começar a tratar toda a gente por love. "Are you alright there, love?", "Cheers, love", "How can I help, love?" são tudo frases já mais do que ouvidas nestes nossos três primeiros dias em Yorkshire. Todos os comerciantes, homens ou mulheres, tratam os seus clientes, homens ou mulheres, por "lôf". Tinha uma vaga noção disto, mas não sabia que era uma expressão utilizada tão assiduamente e tão indiscriminadamente. Só ainda nunca a ouvi ser usada entre comerciante homem - cliente homem... Cá estarei para certificar que ela é mesmo inconsequente quando isso acontecer.
 
Sheffield é uma cidade incrivelmente segura e pacata. Diz que é a quarta maior cidade inglesa e a mais segura em termos de grandes cidades. É muito homogénea. Depois de Londres e Bruxelas, Sheffield faz-nos impressão pela quantidade de caras brancas que a compõem. Temo que precisamente pela falta de diversidade étnica isto seja um daqueles bastiões do velho orgulho nacionalista inglês, do orgulhosamente sós e do desdém pelos estrangeiros e pela União Europeia, ou pior, que grande maioria da população apoie o UKIP. Não sei se conseguirira ser feliz num sítio assim. Acho que o que salva Sheffield é precisamente a universidade, uma realidade omnipresente em toda a cidade a começar pela quantidade enorme de edifícios dispersos pela cidade que ostentam o símbolo da Universidade de Sheffield: departamentos disto, departamentos daquilo, residências aqui e acolá, o gigantesco complexo desportivo frequentado por toda a comunidade. Os milhares de alunos de todos os cantos do mundo garantem que os habitantes de Sheffield têm convivência com outras culturas, uma lufada de ar fresco no que de contrário seria uma aborrecida homogeneidade de white British, como eles categorizam nos censos.
 
Apesar de ser a quarta maior cidade inglesa, depois de Londres, Manchester e Birmingham, o centro de Sheffield é bastante pequeno. Suspeito que sejam os subúrbios populosos de casas de tijolo castanho e arvoredo com fartura os responsáveis pela classificação. A cidade é incrivelmente verde. 90% das vezes não parece que estamos sequer numa cidade. Mais uma vez, depois de Londres e Bruxelas isto é um choque. Não sei se bom ou mau. Estamos surpreendidos pela positiva para já, não sei se há potencial para isto nos aborrecer. Por falar em choques, e a altimetria de montanha-russa desta cidade, senhores? Olha-se para o fundo de uma rua não para a frente, mas sim para cima, ou para baixo. Sei que estamos às portas do Peak District, a Área dos Picos, mas pensei que as palavras-chave aqui eram "às portas do" e não necessariamente "Peak". Vou sair daqui uma corredora com umas pernas e um fôlego que faz favor.
 
A nossa casa tem muitas janelas. Não estou habituada a ter muitas janelas. Até a casa-de-banho tem janela, que coisa rara! E portas. As nossas casas têm sempre só uma porta, a da casa-de-banho. Esta tem demasiadas: no corredor, sala, roupeiros, quarto. Estamos a ficar crescidos, oh, a viver em casas de gente grande. :')
 
Tinha-me esquecido da palidez incrível do céu daqui, que mesmo quando chegámos e quando estava limpo, estivemos uns bons minutos a tentar certificar-nos que estava mesmo limpo ou se não haveria ali uma camada fininha de nuvens brancas a empalidecê-lo (estava mesmo limpo). Entretanto já choveu, já caiu aquela chuvinha molha-patos, o céu limpo nem vê-lo. O verde predominante da vegetação não é por acaso. A cidade é sombria e escura como todas as cidades britânicas, tão diferente de Lisboa, tão diferente de Bruxelas.
 
Entretanto aprendi que Sheffield é a cidade orgulhosamente inventora do aço inoxidável, facto apresentado com honra logo na parede da estação de comboios. Já não olho para os meus talheres de stainless steel da mesma maneira. 



imagem retirada da internet




S

6 comentários:

  1. Fico muito mais sossegada agora que já estás mesmo em terras da rainha.

    Vegetação? Altimetria? É agora que te rendes ao trail :)

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  2. O título deste blog volta a fazer sentido :)

    Já pensei muitas vezes nisso! Acho que não tenho como fugir, a altimetria desta cidade faz com que qualquer corrida seja trilho urbano.

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  3. Em primeiro lugar: you made it, girl!

    Parabéns pela chegada bem-sucedida, pelas primeiras impressões positivas e pela felicidade que se denota nas tuas palavras.

    Vou continuar a acompanhar-te à distância e a seguir este blog com um incompreensível contentamento, que só se explica pelo facto de eu me identificar com percursos académicos desafiantes.

    T.

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  4. Obrigada pelas palavras amigáveis :) O próximo passo é mesmo a introdução à universidade e à nova fase de investigação, estou mortinha.

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  5. Quanto mais vou ao estrangeiro mais gosto de Lisboa. E já nem falo da comida.

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  6. Ainda bem Anónimo, significa que está no sítio certo. Comigo deu-se uma coisa semelhante: quantos mais anos passaram comigo a viver fora de Inglaterra mais certa fiquei de que o meu lugar era aqui.

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