sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Portugueses bravos descobridores

- "Então, de onde vens?"
- "Eu sou da Malásia, e tu?"
- "Sou de Portugal."
- "Ah, que engraçado, os portugueses foram o primeiro povo a colonizar a Malásia."
- "..."
 
O que é que uma pessoa responde a isto?
 
a) "Ah, que giro, não foi isso que aprendi na escola. Na escola ensinam-nos que os portugueses não colonizaram coisas, 'descobriram-nas'."
 
b) "Ai sim, onde fica a Malásia, mesmo? Nós colonizámos tanta coisa que é difícil manter registo de tudo."
 
c) "Agora somos nós os colonizados, já não colonizamos ninguém."
 
(As três passaram-me pela cabeça, mas só uma viu a luz do dia.)
 
Normalmente o que se segue à resposta "Sou de Portugal" é um par de olhos muito abertos e um "Uau, a sério?". Ainda não tinha conhecido ninguém da Malásia.





S.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Último estado da evolução

Vamos lá ver: eu sou uma pessoa que ama dormir. Mas ama, mesmo, do género não ter vontade de sair da cama quando não tem nenhum horário a cumprir. Abraçar a almofada, enroscar no edredão, estas são duas das minhas coisas preferidas neste mundo. Um bocadinho abaixo de crepes com Nutella, mas não muito, e bastante acima de correr.
 
Em quantos e quantos domingos, o meu dia semanal da corrida longa, eu adiei a hora da partida para além do meio-dia para conseguir dar mais um abraço à almofada, mais um suspirozinho de contentamento por estar deitadinha sem fazer nenhum. Por quantos e quantos fins de tarde esperei eu este verão até que estivesse fresco o suficiente para poder ir dar uma corrida, sem nunca ter esperado por uma madrugada para obter o mesmo efeito. Quantas e quantas vezes olhei com a admiração reservada a heróis atletas que se levantam às 5, 6 da manhã para irem correr por essas estradas e matos afora, especialmente no inverno.
 
Por isso, quando, hoje, pela primeiríssima vez na vida, me levantei da cama às 7 da manhã para ir correr antes das aulas, percebi que a minha evolução está completa. Tornei-me uma daquelas pessoas.
 
 
 
 
 
"Completing a PhD is a marathon", disse o outro, numa das primeiras coisas que ouvi quando cheguei à universidade. Hahahaha, ai é? Então já são duas! :D





S.

domingo, 26 de outubro de 2014

Tenho a mesa cheia de feminismo

Ainda estou a ressacar da minha primeira conferência feminista de ontem, em Londres. Tenho o computador rodeado de panfletos sobre organizações, campanhas e mulheres incríveis, que catalogo diligentemente no meu caderno de notas virtual, para futuro contacto.
 
O PhD não é um mar de rosinhas, não senhor (decisões, decisões, só decisões), mas caramba, se calhar todos os investigadores que nos dizem constantemente que os anos de doutoramento são os mais livres e felizes da nossa vida profissional têm razão.
 
 
 
 
 
 
S.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Forever young

Aquele momento embaraçoso em que percebes que, não, passados quatro anos desde a última vez que te pediram o BI para comprar uma coisa, ainda não pareces ter mais de 18 anos.
 
(Pediram-me BI para poder comprar um conjunto de facas de cozinha.)
 

(Isto é outra vez por causa do health and safety, maníacos do caraças.)


S.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Despertares, bicicletas e alarmes

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O alarme soou ainda não eram oito da manhã. Estridente e omnipresente, é das piores maneiras de arrancar o cérebro à terra dos sonhos. Estremunhada e aflita, sabia o que fazer: calçar os primeiros sapatos que encontrasse, vestir o roupão, resgatar a chave do fundo da mala, e dirigir-me para a rua o mais rápido possível. Sob pena de a universidade achar que o pessoal desta residência é demasiado lento para seu próprio bem e decidir repetir a simulação de incêndio à surpresa. Tive sorte: houve pessoas que foram apanhadas pelo alarme a meio do banho. A manhã fria não convidava a cabeças molhadas e chinelos enfiados à pressa nos pés nus.
 
O zelo que os britânicos têm pelo health and safety roça a paranóia. É o cobertor apaga-fogos na parede da cozinha. As simulações de incêndio anuais, pré-avisadas e com passos muito detalhados que têm que ser cumpridos sob pena de repetição. As reuniões que começam com a informação à la assistente de bordo de onde se encontram as saídas de emergência. É o não poder usar a sala de estudantes fora de horas sem primeiro tirar um curso online sobre segurança e o que fazer em caso de emergência. São as inspeções aos apartamentos para medir a temperatura dos quartos e da caldeira. É o autocolante que todos os aparelhos elétricos (até o ferro de engomar, até a torradeira, até a chaleira) aqui de casa têm em como foram inspecionados em maio de 2014. É o terem enviado um email a avisar que o alarme de incêndio da residência tinha que ser arranjado e que NINGUÉM podia usar qualquer aparelho elétrico durante a hora e meia que durou o arranjo.
 
Eu gosto muito do controlo sistemático que eles têm sobre o caos logístico do dia-a-dia - especialmente depois da experiência belga, que continua a infiltrar-se nas nossas vidas de formas inesperadas - mas isto é um bocadinho demais.
 
 
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Hoje saltei da cama sem precisar de nenhum alarme estridente de incêndio, só pela prospetiva de ir pedalar pela primeira vez na minha nova bicicleta, na minha nova terra, até às minhas novas aulas. Estava nervosa; não pegava numa bicicleta desde Sagres.
 
Mas não precisava de estar. Descida a rua e assim que curvei para a agora especial Manchester Rd, o nervosismo foi-se embora e o júbilo instalou-se. Estava a cair aquela chuvinha irritante, as minhas pernas estavam a ficar todas molhadas e o trânsito foi maior do que o que eu estava à espera, mas a alegria francamente primária de estar novamente a pedalar numa cidade abafou o desconforto. Também porque o caminho foi quase todo a descer. Mas isso não é para aqui chamado; o que importa é que já regressei aos meus commutes de bicicleta e eles funcionam.
 
A Queeny Papa-Léguas portou-se muito bem; é leve como um raio, a miúda, e responde demasiado rápido aos meus movimentos. E é tão pequenina e maneirinha. Deve ser uma vista muito gira, eu, com o meu metro e meio, capacete de patins de criança, a conduzir uma mini-bike pela cidade fora. Quem me dera ter mantido a capa de dementor, para dar um ar mais sério (mas depois talvez ficasse só a parecer um hobbit azul, teria o efeito contrário). Considerações de aparência à parte: é a coisa mais parecida com voar. A rolar num objeto tão pequeno por aí fora, deve ser muito parecido com voar numa vassoura (baixinho).
 
Nota-se muito a euforia ainda?
 
Para cá já não me senti a voar numa vassoura, a força da gravidade já não estava do meu lado. As colinas de Sheffield mostraram que não estão para mariquices de viagens de bicicleta facilitadas e eu cheguei ao meu destino sem fôlego, a suar e com os músculos por cima do joelho a latejar. Pensei que fosse pior, ainda assim. É só porque estou destreinada, nada a apontar ao outro bicho. A QPL está aí para as curvas, e para os altos, e para os baixos.





S. 

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Sexismo onde menos se espera #3

Aaah, estereótipos em livros universitários:



O géniozinho da estatística e a menina que odeia números e estatísticas.

 
(Há meninas que não odeiam números e até se inscrevem em mais disciplinas de números do que é esperado delas. É isso mesmo: esta menina aqui não só não tem medo de números como ainda lhes vai dar uma festinha e trazê-los para casa domesticados, a ronronar. O orgulho de tantas pessoas de letras de que "não tenho jeito nenhum para matemática" arrepia.)





S.

domingo, 12 de outubro de 2014

Verdura citadin... (qual citadina, qual quê!)

Hoje fiz a minha primeira corrida de reconhecimento em Sheffield. Caramba, que agora já senti na pele o que move os atletas de trilhos.
 
Não foi a primeira vez que corri pela cidade, nem que descobri novos sítios a correr aqui. Aliás, todas as novas zonas da cidade que descobri foram durante corridas. Sendo o centro de Sheffield bastante pequeno e tudo o resto zonas residenciais, falta-me pretextos para ir a essas novas zonas. A corrida é o melhor deles todos. Não foi assim a primeira vez que corri na nova terra mas foi a primeira vez que corri por sítios tão fora do nucleozinho central da nova terra.
 
Andava a sonhar com o passeio de hoje há vários meses, muito antes de me ter mudado para aqui. No Google Maps, Sheffield fica tentadoramente perto de uma mancha verde enorme que promete uma Inglaterra natural e paisagens de uma beleza incrível. Fica perto o suficiente para se poder pensar em visitar a tal mancha verde sem necessitar de transportes mas longe o suficiente para não compensar o tempo que se leva a ir até lá a pé. A não ser que se vá a pé mas um bocadinho mais depressa.
 


 
Foi a mancha verde que este verão me motivou a voltar a passar a marca dos 10 km na corrida. Quando conseguisse correr os 10 km já poderia ir tocar a mancha verde e voltar para trás.
 
E foi precisamente isso que fiz hoje.
 
Estudei muito bem o mapa, o caminho até às portas do Peak District e o caminho alternativo de volta - que se é para passear é para ver coisas o mais diferente possível. Estudei o nome das ruas onde tinha que cortar, a distância aproximada entre elas para saber quando as devia esperar (que seria contada pelo fiel Garmin), e lá saí de casa armada do telemóvel, chaves de casa e quatro libras caso precisasse de apanhar o autocarro de volta. O Street View do Google Maps serviu para ter uma ideia do que esperar em termos de paisagem, tipo de estradas e altimetria da coisa. Por isso já tinha ideia do que ia ver.


 
Não desapontou. O sol deu o ar da sua graça toda a manhã e eu pude apreciar o verde verdejante das colinas aqui da zona e o mais raro azul claro do céu limpo.

A primeira parte do trajeto foi feita pela Manchester Road, uma estrada bastante importante e comprida que liga Sheffield a Manchester atravessando todo o Peak District. Gosto da auto-evidência do nome.


Para lá...


... e para cá:




O ponto de retorno foram as barragens do Rivelin, uns enormes reservatórios de água já no parque que suspeito serem a fonte de abastecimento de água aqui da zona.


Assim que as avistei foi altura de voltar para trás, fazendo o caminho inverso por uma estrada mais ou menos paralela, que corre um bocadinho mais a norte do que a Manchester Road. Diz que era o vale do Rivelin e por isso foram uns bons quilómetros sempre a descer.
 
Cá está o rio Rivelin:


E uma vaca peluda:


Claro que se desceu vai ter que subir e eu estava preparada mentalmente para onde iria recuperar todos aqueles quilómetros fáceis: numa rua também ela de nome auto-evidente, a Hagg Hill.
 
Não sabia era que os iria recuperar tão rapidamente. Uma inclinação como nunca vi, impossível de a correr. Caminhá-la fez pior às minhas pernas do que os 10 km que já havia corrido até ali. Ou fez melhor, consoante a perspetiva.
 
Olhai a montanha-russa que foi o passeio domingueiro:


(Eu não sou trilheira portanto não estou habituada a gráficos como estes. Nem na nossa viagem de bicicleta consegui linhas de altimetria tão acentuadas, abençoado Sheffield.)
 
Mas uma vez chegada lá acima houve recompensa, e das grandes:






Rica vista, sim senhora.
 
Isto para dizer que, sim senhora, tendo este tipo de caminhos e paisagens para descobrir então está-se muito bem aqui.





S.



quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Sheffield Geographic

Esquilos no jardim:



Coelhos:



No outro dia viemos a correr atrás de uma raposa, que entretanto se escapuliu para dentro de um quintal.
 
Tenho que deixar de dizer que vivo numa cidade.




S.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A barraca das bicicletas


Assim que soube que nos iamos mudar para Sheffield comecei a procurar formas de manter o hábito de me deslocar para o trabalho de bicicleta. Em Bruxelas ganhei-o e reconheço que é das formas mais baratas e fáceis de uma pessoa se deslocar numa cidade. Especialmente uma cidade relativamente pequena e sem metro, como Sheffield.  
 
Bruxelas tem a rede maravilhosa e incrivelmente extensa de bicicletas de aluguer, o Villo!, que torna a combinação de transportes muito fácil e útil. Às vezes ia de bicicleta e vinha a pé, ou ia de metro e vinha de bicicleta, ou ia a pé uma parte do caminho e de bicicleta o resto, conforme me desse na real gana e consoante o que a meteorologia ditasse. Alugar as bicicletas nas estações espalhadas pelas ruas da cidade tornava a coisa mesmo cómoda e sem a obrigação do "se levar a bicicleta, depois tenho de a trazer". Preocupações com roubo, zero; com arranjos, idem, uma vez que era só estacionar a bicicleta numa das estações e rodar o assento para trás, de forma a sinalizar às carrinhas de manutenção que aquela bicicleta tinha qualquer coisa de errado. Era mesmo uma situação perfeita.
 
Ora, Sheffield não tem nada disto. Soube logo que se quisesse manter os meus hábitos de ciclista urbana teria que comprar a minha própria bicicleta. A questão principal, claro está, foi: que tipo de bicicleta? Gostei especialmente que o website da universidade tivesse uma secção com conselhos aos ciclistas, e mais concretamente que dissesse que em Sheffield todas as bicicletas têm que ter mudanças. Que essas pessoas que vêm das flatlands não pensassem que aqui uma bicicleta urbana de mudança única servia. Ri-me muito porque pensei logo em Londres e na incrível planez de que estive consciente o caminho todo na minha experiência londrina de ciclismo urbano. Caramba, que ali nunca se toca mesmo no manípulo das mudanças! Basicamente o website quase nos advertia que deveríamos escolher uma bicicleta de montanha.
 
Mas a minha dúvida sempre esteve fundamentalmente entre comprar uma desdobrável ou uma normal. Desde que comecei a pedalar na cidade que sonho com uma desdobrável. A desdobrável promete portabilidade, comodidade, combinação de transportes, mais uma vez. Podia levá-la no comboio quando fosse a Londres, podia levá-la no avião quando fosse a Portugal, podia levá-la no autocarro se não me apetecesse fazer o caminho universidade-casa a pedalar. É só desengatar um manípulo e lá está ela dobrada ao meio.
 
Claro que o problema de uma desdobrável é a fragilidade da coisa. Uma coisa que se desengata e volta a engatar muitas vezes tem que ser mesmo boa ou corre o risco de se desengatar quando menos queremos. Nomeadamente quando estamos a pedalar, no meio da estrada. Neste sentido, uma bicicleta normal é mais robusta e dá uma sensação de maior segurança. Estava ciente de que as desdobráveis mesmo boas começam nos mil euros para cima. Estava também ciente de que nunca daria esse dinheiro por uma bicicleta. Muito menos com orçamento de estudante. Mais: estava ciente de que uma bicicleta boa normal também vai parar acima dos 500 euros, pelo menos. E que nunca daria esse dinheiro por uma bicicleta, ainda por cima que não me oferecesse portabilidade. Portanto a decisão foi tomada rapidamente, para dizer a verdade.  
 
Ganhou a desdobrável. Não a de mil euros, bem entendido, mas uma das mais em conta e depois de uma extensa pesquisa e avaliação de prós e contras e do quanto estava eu disposta a pagar a mais por específicos prós. O marketplace da Amazon acabou por ser o escolhido para encomendar a nova riquinha.
 
Chegou ela numa caixa enorme, dobrada a meio e com pneus vazios. A salvação foi uma coisa maravilhosa de que cedo descobri a existência: o Cycle Hut.


Esta espécie de contentor onde se arranjam bicicletas é um serviço gratuito da Universidade de Sheffield aos seus alunos e empregados para incentivar o uso da bicicleta na cidade. Basicamente os mecânicos diligentes fazem reparações e check-ups de segurança às bicicletas dos alunos, de forma gratuita, às terças e quintas-feiras. A iniciativa e os próprios mecânicos especializados são financiados pela política de transportes da universidade. Ou seja, basicamente funciona assim: o dinheiro que a universidade ganha com as tarifas dos seus parques de estacionamento vai para aqui. 
 
Há lá como não amar isto?


Entretanto já levei a Queeny Papa-Léguas ao senhor doutor, e em boa altura o fiz, já que o manípulo que prende o guiador na posição vertical está a modos que precário. Não me apetece muito estar a pedalar e de repente ficar sem guiador, de maneira que ainda não a estreei. Mas nunca a comodidade de dobrar a bicicleta a meio e a enfiar no autocarro será mais apreciada do que quando a levei ao Cycle Hut.
 
Entretanto, e enquanto a peça nova não chega, tenho andado, num processo lento e estupidamente contra-intuitivo, a mentalizar-me de que aqui se conduz do outro lado da estrada. A palavra-chave aqui é ESQUERDA: lado esquerdo da estrada, encostada sempre o mais à esquerda possível, nas viragens de direção, voltar a encostar à esquerda. Ainda tenho a sensação inconsciente - demasiadas vezes - de que este carro vai em contra-mão, ou de que devo esperar os carros daquele lado da estrada e ficar surpreendida quando um passa rente a mim quando caminho no passeio esquerdo da estrada. Sinto-me canhota ao quadrado.




S.



segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A minoria que importa

Que o feminismo também traz benefícios aos homens não deveria ser espanto para ninguém. Mas certamente que um movimento que tem como objetivo a melhoria das condições de vida de mais de metade da população não deveria necessitar de mais nenhuma validação que essa mesma.
 
A constante necessidade de se tentar demonstrar que os homens também ganham com o feminismo torna-se a prova de que um movimento de mulheres para mulheres é insuficiente, imperfeito, pequenino. Não importa quão grande seja a percentagem da população beneficiada.   







S.