Acabei de ler há dias um dos livros mais interessantes que li nos últimos tempos, o
The Descent of Woman: The Classical Study of Evolution. Já tem uns aninhos - foi publicado em 1972 - mas é absolutamente brilhante. Foi o primeiro livro a elevar a fêmea humana a um papel igual ao do macho humano na evolução da espécie. E arrasa muitos mitos andropocêntricos da evolução para lhes dar uma explicação mais conforme com a sobrevivência da espécie - tipo, as mamas, por exemplo - ao invés da explicação centrada no que o macho quer e deseja.
Já agora, e por falar em androcentrismos, é por isto que são necessárias coisas como estudos das mulheres, estudos de género, estudos pós-coloniais, etc. A Ciência, muito longe de ser uma coisa objetiva e imparcial, está carregadinha de androcentrismos. As perguntas que apresentamos e as respostas que propomos estão tragicamente presas ao que somos e à nossa experiência. E ao longo destes recentes séculos em que se andou a fazer Ciência, quem somos e essa experiência tem sido esmagadoramente a de um homem branco, ocidental e de classe média. E essa perspetiva, por muito difícil que nos possa parecer, não é especialmente mais imparcial ou objetiva do que qualquer outra. As teorias apresentadas para aspetos da evolução humana, que Elaine Morgan tenta contra-argumentar, são um belíssimo exemplo disto.
Mas bom, voltando ao livro. Curiosamente, o que mais me fascinou não foi a elevação que Elaine deu à mulher na evolução humana - evolução essa que está intimamente ligada ao aspeto reprodutivo da fêmea, como não podia deixar de ser - mas sim à teoria que ela apresenta para defender grande parte dessas contribuições femininas. A teoria não é dela, já tinha sido proposta antes por um patologista alemão e por um biólogo marinho nos anos 60 mas que não teve grande atenção porque refutava demasiados mitos da nossa evolução como a importância de termos começado a caçar para a organização política e social da espécie, ou o termo-nos posto em pé para vermos mais longe na savana, e as modificações no corpo da fêmea terem-se dado como forma de agradar ao macho.
Chama-se the aquatic ape theory e é completamente fascinante. Como o nome indica, o argumento central propõe que houve uma dada altura na evolução humana que os nossos antepassados passaram a passar grande parte do seu tempo na água. E quase que lá ficavam permanentemente, mas não, regressaram à terra. E é por isso que somos uma espécie de golfinhos mal acabados. O nosso corpo começou a adotar mecanismos dos mamíferos marinhos - ausência de pêlos, aparelho reprodutor e sexual ainda mais recuado para dentro do corpo (no caso das fêmeas), membranas entre os dedos, lágrimas salgadas para diminuir a quantidade de sódio ingerido - mas sem os ter desenvolvido até à perfeição porque entretanto voltámos para a terra (não conseguimos aguentar o tempo que outros mamíferos marinhos aguentam sem respirar denaixo de água, por exemplo. Nem chegámos ao ponto de transformar pés e mãos em barbatanas. Mas abram o polegar e o indicador; ela está lá!). Só uma alteração tão brusca de habitat poderia justificar a diferença evolutiva tão rápida entre nós e outros primatas próximos. E essa diferença brusca é o meio aquático, empurrados para lá pela mudança climatérica do Plioceno, defende Elaine.
Vamos lá ver, nós não nos tornámos animais completamente marinhos. Mas a praia passou a ser o nosso habitat. Passávamos muito tempo dentro de água, inicialmente para afugentar predadores que não gostam nada de se molhar, como os grandes felinos. Como não sabíamos respirar dentro de água, começámos a aprender a andar nos dois pés, para conseguirmos ir mais para dentro do mar. Começámos a morar em cavernas, coisa que não falta na linha de costa. Aprendemos a usar seixos como ferramentas (são sempre seixos, as ferramentas encontradas junto aos nossos antepassados) porque isso não falta na praia. Perdemos o pêlo, porque realmente na água ele não dá jeito nenhum (o pêlo! Ninguém tem uma história convincente sobre termos perdido o pêlo. Quer dizer, temos pêlo para nos aquecermos naturalmente, perdemos o pêlo e depois temos que andar a arranjar pêlos de outros animais porque temos frio à mesma? Que aspeto tão parvo da evolução, se tirarmos o habitat água da equação). Criámos uma camada subcutânea de gordura ao mesmo tempo que perdemos o pêlo, tal e qual como os outros mamíferos marinhos. Criámos um mecanismo, que mais nenhum primata tem porque nunca precisou dele, para compensarmos as golfadas de água salgada que dávamos: as lágrimas (salgadas). Temos um medo irracional de cobras porque temos a mania que são viscosas (a pele de uma cobra é seca, sequinha, mas a de uma enguia já não). E por aí fora
E eu acho isto espetacular não só porque explica tanta coisa de forma tão convincente, incluíndo coisas ainda inexplicadas pela teoria do caçador, mas também porque me faz espécie como é que isto nunca foi pegado seriamente e sistematicamente pelo establishment científico. É que depois do livro publicado, não houve nem aceitação nem tentativas sérias de contra-argumentar a teoria do macaco aquático. Silêncio, só. Certamente mudaria demasiado a narrativa estabelecida da evolução humana.
Eu pela parte que me toca agora sempre que vou à natação tenho a mania de esfregar as mãos de contente e apetecer-me gritar "BACK TO BASICS, BABY!". Ponho creme nos braços com pêlos escassos e fininhos e penso com tristeza "Estivemos quase, quase! a transformar-nos em golfinhos, que pena termos voltado para terra..."
S.