terça-feira, 11 de novembro de 2014

Lição de ética

Era uma vez um jogador do Sheffield United chamado Ched Evans. Um dos melhores jogadores da sua geração, marcou muitos golos pelo clube, chegou a ser capitão da seleção do País de Gales, jovem promissor. Aqui há uns anos, foi condenado a 5 anos de prisão por violar uma rapariga e ter convidado os amigos para ver. Os 5 anos passaram a 2,5 e em outubro o jogador foi libertado. O clube nunca quebrou completamente o vínculo laboral (penso que chegou apenas a suspender o contrato com o jogador quando ele foi condenado) e portanto a dúvida para muita gente foi: vai o Sheffield United integrar um violador condenado na equipa? Pode? Deve?
 
Temos uma Associação de Jogadores Profissionais que diz que não só pode como deve. Foram eles que requereram que o clube aceitasse o jogador de volta aos treinos, o que acontecerá ainda esta semana. Há um mês, quando interrogado sobre se o Evans devia voltar a jogar profissionalmente, o representante desta respeitosa instituição deu uma resposta sarcástica do género "não sabia que as pessoas quando cumprem pena de prisão não podem voltar a fazer coisas". Mestre da sensibilidade, portanto.
 
Ele era jogador, foi condenado por um crime, cumpriu a sua pena, volta à sua vidinha. E isto parece-me certo. Uma pessoa não pode ficar irreparavelmente culpada por um erro que cometeu - e pelo qual pagou o preço que a lei estipula - o resto da sua vida. Há que lhe ser dada uma segunda chance, a oportunidade de se reabilitar para a vida em sociedade.
 
E aqui se calhar é que está o problema: ele não acha que fez nada de errado. Nunca pediu desculpa à vítima, continua a declarar-se inocente. Não há como ser reabilitado se não há admissão de culpa.
 
Entretanto o nome dele vai ser cantado todos os domingos, em estádios com milhares de pessoas. Vai ser o ídolo de muito rapaz, de muito adolescente cuja admiração pelo seu talento de chutar uma bola para dentro de uma baliza vai ser misturada com admiração pela pessoa que ele é, o Ched Evans. Ele destruiu a vida de uma rapariga, mas isso vai passar a ser visto apenas como um aborrecimento na vida talentosa deste jogador, no melhor dos cenários um erro que ele cometeu e pelo qual pagou e no pior dos cenários ela será relembrada como a má da fita porque lhe estragou a carreira, a carreira de um promissor jogador de futebol. Assim como acontece com todas as outras vítimas de violação e abuso sexual que estragam as carreiras de famosos apresentadores, políticos, atletas. Como se atrevem, realmente.
 
Pelos vistos, esta rapariga vítima de violação não lhe estragou rigorosamente nada. Suspendeu-lhe a carreira por três anos, coisa menos coisa, mas o lugar no clube estava cá à sua espera quando ele saísse. 
 
Uma petição tem circulado contra o regresso do ex-violador ao Sheffield United, assinada por mais de 150 000 pessoas. Há muita gente que acha que idolatrar homens que violam raparigas não é boa ideia. O clube ainda não se decidiu formalmente se o vai voltar a integrar oficialmente na equipa, mas a permissão para treinar esta semana deixa antever qual será a decisão. Os jornais dizem que a última palavra cabe aos presidentes do clube, dois sauditas, por isso, pronto, já sabemos que são as considerações éticas de anti-violência contra as mulheres que vão singrar sobre a vontade de fazer dinheiro.
 
 
 
 
 
S.
 
 
P.S. Já referi que a maior defensora e promotora da inocência do Ched Evans é nada mais nada menos do que a sua própria namorada? Namorada que já o era aquando do crime, portanto, e mesmo que acreditasse piamente na inocência do seu pombinho, tinha sido traída de uma das formas mais escabrosas que uma pessoa pode ser? Namorada que vem a público defender uma e outra vez que ele devia ser permitido voltar a integrar o Sheffield United e que ele é muito boa pessoa? Valha-nos todos os santinhos contra a perda de respeito próprio.

2 comentários:

  1. Petição assinada, obrigada pela partilha.

    2,5 anos por uma violação? É isso que vale a dignidade de uma mulher? Não falta muito para violadores pagarem 500£ de multa e fazerem 1 semana de trabalho comunitário e está arrumada a pena. -.-

    E essa namorada, credos! Faz-me aquelas mulheres que ao verem o marido/namorado com outra se atiram à outra em vez de pedirem satisfações a ele...

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  2. Ao que parece a sentença foi atenuada porque basicamente ele não "aleijou" a vítima e não houve premeditação do crime. Uma violação continua a não ser levada muito a sério pelos sistemas judiciais.

    Sim, no meio desta história já de si triste a questão da namorada acrescenta um laivo deprimente.

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