quarta-feira, 20 de abril de 2016

A sub-confiança de umas é a sobre-confiança de outros

Há uma dinâmica entre homens e mulheres que só comecei a prestar atenção há pouco tempo mas que agora que me apercebi dela, vejo como ela é tão omnipresente: o mansplaining. E que irritante que ela é.

Há uma data de estudos organizacionais e em contexto de dinâmicas interpessoais que concluem que num grupo misto, não importa a proporção dos sexos, os homens tomam a palavra muito mais vezes e falam muito mais tempo do que as mulheres. O que não deixa de ser interessante tendo em conta que o estereótipo é o da mulher tagarela que não se cala e o do homem que não se sabe expressar por palavras. Mas a realidade é a inversa e desafio-vos a prestarem atenção a isso da próxima vez que estiverem num grupo misto, particularmente em contexto de trabalho.

O The Guardian há uns tempos publicou um artigo bastante interessante sobre as mulheres do Bloco de Esquerda e de como o partido tomou medidas conscientes para dar espaço à "ascensão" das mulheres nas suas fileiras ao dar-lhes o mesmo tempo de antena que aos homens, ao impedir conscientemente que os homens - especialmente os mais velhos - repetissem o que as mulheres diziam mas por outras palavras (outra técnica muito querida do mansplaining; há mais alguns estudos que concluíram que o que é dito por uma voz masculina é acatado com mais peso e mais poder do que a mesma coisa dita por uma voz feminina, não sei se por associarmos o homem ao poder se pelo facto mais primitivo de a voz masculina ser por norma mais grave e sonora):

'The women started to take action to combat the macho traits of a party that had deep roots in Portuguese society. “At the end of our meetings, we count how many times men and women took the stage to speak. Men always speak more than women – but usually they have nothing new to say. Women are more cautious about speaking in public, but when they do they’re adding new ideas or information,” says Joana Mortágua. Martins says the party now trains women in public speaking.
“I encourage younger and shyer women to speak. And sometimes I scold the older male party figures, asking them to resist the temptation to explain what a woman said once she’d finished speaking,” she says.'

Acho que na origem disto tudo está a mesma overconfidence dos homens e a underconfidence das mulheres que os leva a concorrer a empregos desde que tenham um dos requisitos pedidos, e que as impede de concorrer se houver um requisito que não preencham. A mulher é para ser vista, não ouvida, de preferência com um sorriso nos lábios e um aceno pronto de cabeça. Mulheres com opiniões são mandonas, zangadas com a vida, cabras, chatas, histéricas. Homens com opiniões são assertivos.

Desde que comecei a frequentar cafés como ambiente de trabalho durante várias horas seguidas - esses fantásticos sítios para observar pessoas - que fui reparando, devagarinho mas repetidamente, como isto é tão observável na vida real. Sei que estas impressões escassas valem o que valem empiricamente, mas juntando-as às conclusões dos estudos referidos acima (que uma googlada rápida vos pode num instante abrir o caminho) fazem-me notar um padrão: sempre que há um homem e uma mulher numa mesa do lado, é quase garantido que ele não só vai falar muito mais do que ela, como é muito provável que o vá fazer para lhe explicar coisas, frequentemente de uma forma levemente condescendente. Acho que isto é mais pronunciado em casais mais velhos. E isto não se prende com o facto de ele saber necessariamente mais do que ela sobre a coisa que está a explicar, ou até de saber muito sobre o assunto, mas a confiança com que se fala de assuntos e argumentamos acerrimamente está muito raramente relacionada com o quanto percebemos deles, infelizmente. Isso não os demove e lá continuam eles a explicar, a explicar, a explicar, interrompidos por alguns monossílabos da parceira de diálogo, enquanto eu, na mesa ao lado, começo a maldizer internamente as pessoas que amam ouvir a sua própria voz, e que não enxergam o quão aborrecidas estão a ser, ao mesmo tempo que secretamente invejo a confiança que é preciso ter para exteriorizar opiniões banais e para as quais confluiu pouca reflexão como se fossem descobertas muito importantes para a humanidade. Tomara a mim ter metade daquela confiança para falar de coisas sobre as quais me debruço todos os dias. (Tenho a maldição feminina da underconfidence, porra.)

Isto nas redes sociais então é mais que evidente, tanto que foi no contexto virtual que surgiu o conceito do 'mansplaining', abençoada língua inglesa, flexível, adaptável e viva quanto a nossa é relíquia formalesca poética. Fica aqui uma sátira sobre o fenómeno:


'Our uninformed girls are waiting for you to explain them simple concepts in a super condescending way.'





S.

12 comentários:

  1. Acho que a caricatura da mulher tagarela se vê mais no espectro pessoal, onde normalmente as mulheres têm mais opiniões e coisas para comentar sobre o dia do que os homens. Isto claro, também empiricamente falando, não tenho estudos científicos :P

    Não tem directamente a ver, mas não sei se leste este artigo do The Guardian, sobre uma análise que fizeram aos comentários dos artigos: "articles written by women attract more abuse and dismissive trolling than those written by men, regardless of what the article is about."
    https://www.theguardian.com/technology/2016/apr/12/the-dark-side-of-guardian-comments?CMP=share_btn_fb

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    1. Suponho que sim, mas mesmo assim não sei se se aplica. As dinâmicas de diálogo no café que referi em cima eram em contextos de relações pessoais, não de trabalho, e mesmo assim era o homem que dominava a conversa. Haverá diferença quando a porta de casa se fecha?

      Essa análise veio provar o que as feministas e anti-racistas andam a clamar há que tempos, mas ainda bem que ficou provado através de um estudo quantitativo, ainda que tenha sido apenas num jornal.

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    2. Bom, nas minhas relações pessoas, o que observo é o disse. Mas em situações profissionais, mesmo que se esteja num almoço, acho que são os homens que dominam a conversa.

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    3. A minha experiência em contexto de família e afins é a de que os homens dominam a conversa, embora em grupos de amigos já não seja assim. Não sei se haverá alguma diferença geracional nisto também.

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  2. Ainda anteontem dei uma palestra a um turma só com uns 3 ou 4 rapazes. Enquanto a professora da disciplina estava a falar, dei conta que todos eles, participavam, juntamente com apenas mais 2 raparigas. É muito óbvio - e bizarro.

    Quando comecei a minha parte, dei conta que me estava a virar mais para uma das raparigas que participava (tenho tendência a olhar para quase só uma pessoa enquanto falo, normalmente para a que parece mais interessada no assunto). Reparei que os rapazes participaram menos e outras raparigas começaram a participar muito mais. A turma equilibrou. Eu acho que tinha a ver com o facto de, por acaso, na fila da assentos onde estava a miúda para onde eu estava mais virada durante a palestra, só estarem raparigas. Havia ali uma espécie de epicentro, com a participação das raparigas de toda a turma a alastrar a partir dali.

    Há estudos a mostrar que os professores dão mais atenção a rapazes nas turmas, apesar de terem a percepção de estarem a dispender mais atenção com as raparigas, dão a palavra mais aos rapazes, mas têm a percepção de que as raparigas falam mais, e que quando falam, falam demais, apesar de se passar o contrário quando se temporizam as participações; pra não falar da sobre-valorização das competências de rapazes face a raparigas com competências iguais. Se houver uma sensibilização para estas questões junto dos educadores, talvez isto pudesse mudar muito desde cedo.

    Para o mansplaining já nem há paciência - já estou com a mão na testa só de lembrar.

    Quando dás a conhecer uma determinada coisa a um rapaz, e meses/anos mais tarde ele te fala dessa mesma coisa como se ele a tivesse descoberto e ta explica como se tivesses 5 anos/vivesses debaixo de um penedo e nunca tivesses visto o mundo? Tão bom!!! Adoroooo.

    Como se incham todos (incham o peito, é lyndo), fecham ligeiramente os olhos, e começam a debitar informação (o pior é quando tu conheces o assunto e dás conta da quantidade de barbaridades que saem daquele buraco facial), com tamanha certeza, com um ar de perícia... E o pior, com a maioria das pessoas, este teatro funciona.

    Na minha experiência, em contexto familiar e profissional, a diferença não é grande. Mas na minha experiência, só.

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    1. Não conhecia esses estudos em particular sobre a perceção dos professores de dar mais atenção às raparigas quando é o contrário mas encaixa perfeitamente na perceção geral: como a situação atual é a de parcialidade favorável a um género, sempre que a atenção/presença/voz desliza para uma situação de mais equilíbrio entre os dois géneros parece que estamos a favorecer as mulheres, quando na realidade estamos apenas a corrigir um desequilíbrio que era o status quo.

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    2. Devia ter dito "acho que há estudos...", já foi há bastante tempo que li sobre isso e não tenho os detalhes presentes - mas se não foram estudos, foram pelo menos experiências em que se marcou o tempo de atenção dada por professores, e participação de alunos em aulas.

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    3. Oh, mas acredito, encaixa com muitos outros estudos sobre perceção de benefício às mulheres/raparigas que não condiz com a realidade.

      (Entretanto fiz uma pesquisa rápida no Google e deparei-me com este relatório maioritariamente Sadker and Sadker 1994: http://academics.hamilton.edu/government/dparis/govt375/spring97/gender_equity/equity/ge3.html)

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  3. Sim, essa é também a minha experiência, sobretudo em ambiente profissional. Face a um homem e a uma mulher, quase todos os interlocutores se viram para o homem, como se daí houvesse a garantia de vir informação mais relevante.

    Está brilhante o teu texto!

    Lurdes P.

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    1. Obrigada! Pois, ainda associamos muito o poder ao homem, mesmo que inconscientemente.

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  4. Ah, ainda há duas semanas acabei de ler um livro de ensaios sobre o mansplaining, muito bom mesmo: https://www.amazon.co.uk/Men-Explain-Things-Me-Essays/dp/1783780797/

    Começei a prestar mais atenção a certas interações e é difícil esconder o mansplaining uma vez que te apercebes do fenómeno. É tipo uma luzinha que acende, ah afinal isto tem nome!

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    1. Oh, já há livros sobre o fenómeno, excelente. Esse parece interessante.

      Yap, é isso mesmo. O próximo passo é tentar combatê-lo quando acontece connosco.

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