quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Sobre direitos adquiridos e lutas que não travámos



"Eu ia votar sem nada ter feito por esse direito. Não passara os melhores anos da vida nas prisões, ridicularizada pela imprensa. Não fui alimentada pelas narinas nas greves de fome, imobilizada no chão por cinco guardas, como muitas inglesas. Eu não tinha quebrado vitrinas, lançado geleia nas caixas de correio, incendiado igrejas e casas de ministros, socado o próprio Churchill. Eu não interrompera discursos que apregoavam justiça e interesses dos cidadãos, escondida nas cortinas do edifício do Parlamento. Nunca fui escorraçada das assembleias nem tivera coragem de subir aos telhados para gritar por megafones diante das janelas: «voto para as mulheres». Eu estava apenas ali de mãos nos bolsos do meu casaco preto."


Fina D'Armada, (1973) "A mulher na hora de votar", Jornal de Notícias, Novembro


Encontrei isto no livro Feminismos da Manuela Tavares. É um excerto de um artigo que Fina D'Armada escreveu, pouco antes do 25 de abril de 1974, como homenagem às sufragistas britânicas. Votar é um direito que temos mas que não fizemos nada para o conquistar. Exercê-lo é não só um dever de cidadania mas também de respeito por quem antes de nós sofreu lutando por ele. Sendo mulher, tenho dupla consciência do respeito que devo a essa gente. Abster-me não é cuspir na cara dos políticos atuais, é cuspir na cara das sufragistas. 




S.

2 comentários:

  1. Sobre a abstenção e a desistência das pessoas podemos também falar da questão da profecia autorrealizável: se tirares a esperança às pessoas, se lhes disseres que devem ser cínicas, porque tudo é uma porcaria, então elas vão desistir de se interessar por política, e em última análise desistem da própria democracia.

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  2. Percebo o que queres dizer e investigar as causas da abstenção dá mais que uma tese de doutoramento, é toda uma área de investigação. Mas falando em termos individuais, eu nunca ouvi uma razão dada por alguém que escolhesse não ir votar que me parecesse válida. Especialmente a razão do desinteresse pela política, que é muitas vezes expressa através do "são todos iguais!" dá-me vómitos. Se se acha que nenhum dos candidatos presta é deixar os quadradinhos em branco. Mas não se confunda democracia com a politiquice dos partidos. Votar é honrar a democracia, não é necessariamente legitimar quem concorre (que é o que eu acho que as pessoas que se abstêm não querem fazer: legitimar um político, seja ele qual for. Pois ficar em casa é que é legitimar o status quo, já que como se costuma dizer "quem cala, consente").

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