sexta-feira, 11 de abril de 2014

"You're so dark but I want you hard"

Escrevo num comboio algures nas Midlands. Vou visitar a minha futura potencial casa.
 
Sinceramente ainda não sei ao certo qual foi a minha ideia em meter-me nesta viagem. Decerto que a beleza ou fealdade de uma cidade não deveriam ser critérios prioritários na escolha da universidade para se estudar. Mas a viagem foi pensada numa altura em que a angústia da escolha que brevemente terei que fazer estava a pesar especialmente e, por isso, cá estou eu. Sendo o resto igual, pode ser que a beleza seja um bom critério de desempate. E qualquer pretexto para voltar à Inglaterra é sempre bom.
 
Isto faz-me lembrar que amo comboios. Se pudesse não trabalhava a partir de casa, trabalhava a partir de comboios. Metia-me num comboio qualquer e, ala por essa Europa fora. Era capaz de sair um bocado caro, ao fim do mês, mas provavelmente nem tanto como alugar um escritório. E a vista móvel compensaria grandemente.
 
Ainda não tenho a certeza absoluta de que mudar-me para Inglaterra seja a melhor coisa a fazer. Tenho um fascínio enorme por este país, misturado com muito carinho, mas ele tem coisas que me irritam profundamente. A mania de que não é Europa é a maior. Seria extremamente irónico para uma europeia convicta vir estudar coisas europeias para um país que parece estar a descascar a sua europeanidade aos poucos. Se os Tories vencerem as eleições para o ano e no referendo de 2017 os britânicos abandonarem a UE, não sei como vou reconciliar as minhas duas paixões. Se a Escócia se for embora em setembro então seria o cúmulo. A Inglaterra a resvalar cada vez mais para a periferia, cada vez mais isolada. Burros do caraças. O “orgulhosamente sós” não vos serviria, acreditem.
 
Viver em Bruxelas tem muitas desvantagens e eu nunca me cansei de as enumerar, muitas vezez com lamúria desnecessária. Mas se há coisa que soa incrivelmente a privilégio em viver nesta cidade é a centralidade. Não só por ser o centro político europeu e tudo o que isso gera, mas por estar no centro geográfico da Europa. Ter tanta cidade a uma hora de avião, ter mais ainda a duas, e ter umas consideráveis a duas horas de comboio, incluindo Londres, Paris e Amesterdão. É uma sortuda geográfica, a cidade.
 
A geografia influencia muito do resto, claro, incluindo história, fronteiras, mentalidade e relações. As fronteiras belgas não existem fisicamente há mais de 20 anos, como no resto da Europa, mas também não existem mentalmente. É tão fácil e tão perto ir ali a França, ir ali à Alemanha, ir ali ao Luxemburgo, ir ali à Holanda. Lembro-me de na viagem que fiz para Estrasburgo, uma rota quase reta para sul de comboio, ter tido que desativar as mensagens automáticas de roaming porque o meu telemóvel parecia um alarme, sempre a apitar com info “Chegou à Alemanha! Chamadas custam X, mensagens custam Y.”, “Chegou à França! Chamadas custam X, mensagens custam Y.”, e depois as fronteiras não são retas, enquanto a rota ferroviária é, por isso o comboio estava sempre a entrar e a sair desses dois países. A geografia está-se bem marimbando para as decisões humanas políticas e por isso aqui eu aprendi a fluidez das nações e senti-me sempre na Europa, onde quer que tenha ido. E isso foi mesmo fixe.
 
Por isso voltar à ilha será voltar à periferia, tanto geográfica como mental. E isso deixa-me um bocado desconfortável.
 
Voltar à Inglaterra é também um bocado triste por razões linguísticas. Vivendo no continente tem-se sempre a língua materna, a língua franca internacional e a língua do país hospedeiro com que lidar. E ainda que eu não tenha dado a atenção e cultivado o meu francês como seria suposto, e ir embora da Bélgica com a vergonha linguística que cabe a alguém que viveu aqui dois anos e meio e não consegue ter uma conversa prolongada em francês, gostei muito de ter tido que lidar com uma língua estrangeira que não o inglês. Voltar à Inglaterra será voltar a ser preguiçosa linguisticamente. Não sei como vou gerir este regresso à zona de conforto com a minha curiosidade cultural e linguística para com o resto da Europa (a última tentativa, com o alemão, não correu assim tão bem). Talvez o futuro daqui a uns anos me lance outra vez para a mainland. De preferência, de comboio.

 
 
 
 
S.        

1 comentário:

  1. Aproveita bem a estadia e espero que venhas com as ideias mais definidas.

    Beijinhos;

    Mãe

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