No domingo foi dia de super-eleições aqui na Bélgica. Para além de votarem para o Parlamento Europeu, os belgas votaram para o parlamento federal e para os parlamentos regionais (Flandres, Valónia, Bruxelas, e parte-germanófona-que-acho-que-não-tem-nome). Podem imaginar a quantidade de cartazes com diferentes caras de candidatos que andaram aí afixados nas ruas.
Uma vez que não estou autorizada a votar para as Federais e Regionais, e nas Europeias escolhi votar nos partidos portugueses, passou-me muito ao lado as campanhas belgas. Não que fosse pela falta de informação ao meu dispôr, já que panfletos de campanha encheram a minha caixa do correio todos os dias durante três semanas. Infelizmente, nenhum deles tão apelativo como
o do senhor do cão.
Mas agora ando com uma curiosidade inédita sobre a política belga neste pós-super-eleições. O sistema político deste país é tão multi-nivelado, tão multi-partidário, tão complexo e tão cheio de jogos de cintura que dá gosto acompanhar. E depois é aquilo das nacionalidades e da possibilidade do separatismo flamengo sempre à espreita.
Por falar em separatismo flamengo, o partido nacionalista flamengo N-VA ganhou as super-eleições. Para o nível europeu foi o mais votado (foram 10 os partidos a eleger gente para o PE) e para o nível federal também ( foram 13 [!!!] os partidos a eleger gente para o parlamento federal). O que significa que o chefe dos separatistas flamengos está agora encarregue de formar governo belga.
Ontem o senhor primeiro-ministro belga demitiu-se após o seu partido ter perdido as eleições (ele é do PS) e o rei mandou logo chamar os chefes dos partidos todos para começar o processo de formação de governo, por ordem de votos conseguidos. Achei muita piada os jornais enfatizarem que o rei estava com pressa, e que não queria perder tempo nisto de formar governo. Exato. Se for como em 2010 que a Bélgica esteve sem governo durante mais de ano e meio (mais tempo do que o Iraque, para se ter uma ideia do hardcore que é o bloqueio do sistema político belga) não pode haver mesmo tempo a perder. Nessa altura tiveram que fazer uma reforma constitucional e o caraças, para se entenderem finalmente, do tipo, mudar limites de regiões para acomodar birras flamengas e o senado federal deixar de ser eleito diretamente, e assim. Com 13 partidos com quem formar coligações imagine-se o trabalhinho e jogo de cintura que não vão ser precisos nos próximos meses.
De salientar só que o N-VA é nacionalista mas não é de extrema-direita, é um partido de centro-direita, moderado. A minha colega belga diz que eles não odeiam outras raças ou estrangeiros porque estão demasiado ocupados a odiar os valões (os da parte francesa). Eu acho que mesmo assim é porque os belgas são um povo sossegadito e pequenino como nós os portugueses, sem grandes nacionalismos inflamados enquanto país (vão se agarrar ao quê, também, como símbolo nacional, às frites?!), que têm consciência do seu peso fraco-moderado na cena europeia e que lá vão andando nas suas negociações governativas com uma paciência de santo. Não têm tempo nem pachorra para odiar povos.
Fiquei um bocado triste quando ouvi que o primeiro-ministro atual se tinha demitido, embora agora perceba que era expectável, foi porque perdeu as eleições, não se demitiu, demitiu.
Tinha um sorriso fácil e grande, e usava laços. Fazia lembrar um ventríloquo, ou um apresentador de circo. Gosto das pessoas que sorriem com os dentes todos.
Isto foi a melhor análise política do senhor Elio di Rupo que consegui arranjar. Só agora, a menos de um mês de me ir embora da Bélgica, é que ganhei séria curiosidade sobre a política daqui. É um bocado triste. Soube da aprovação da eutanásia para menores há poucos meses e fiquei pasmada com a serenidade com que este povo aprova coisas que seriam pólvora acesa noutros países e com o pouco alarido com que lá vai fazendo o seu caminho pioneiro no quebrar de barreiras ao pleno cumprimento dos direitos humanos.
Nestas super-eleições a abstenção foi de 10%, percentagem capaz de dar sonhos molhados a muito bom democrata. A razão é o voto ser obrigatório e ter que pagar multa quem não comparecer. Os belgas não brincam em serviço, se é para votar É PARA VOTAR, se é
Dia Europeu Sem Carros É SEM CARROS (são proibidos nesse dia, a sério). Não confiam no civismo das gentes, pronto.
Ainda estou intrigada com o facto de o
Museu de História Militar aqui em Bruxelas, que está com uma exposição interessantíssima sobre a guerra de 14-18 e que eu estou há meses para visitar, ter estado fechado no dia das eleições. Sendo que tinha um papel afixado a declarar que estava fechado por causa das eleições e o museu do lado, o do automóvel, estar aberto, é de suspeitar que há ali uma razão especial que eles entendem necessária para que as pessoas mão o possam visitar em dia de escrutínio político. Será para não exacerbar nacionalismos dispensáveis? Para não agudizar ressentimentos históricos? Gostava de ter a certeza.
A Bélgica é um país profundamente interessante do ponto de vista político e eu só tenho pena de não ter estado nem aí nestes dois últimos anos. Só se quer quando não se tem, não é, triste.
S.