sábado, 18 de abril de 2015

A pé, de comboio, de avião e de carro: a saga da Queeny PL

Quando estava no processo de escolher que bicicleta arranjar para me deslocar em Sheffield, depressa ficou arrumado que teria que ser uma dobrável para poder ser o mais portátil possível. Já me imaginava a fazer viagens de comboio a Londres e afins, e deslocar-me na metrópole com a minha própria bicicleta, para não precisar de passar um mês sem comer para carregar o Oyster para ir a todos os sítios que queria ir. Era uma prospetiva que me deixou de estrelinhas nos olhos desde que vi duas belgas de meia-idade a embarcar no Eurostar em direção a Bruxelas com as suas Brompton muito compactas ao seu lado.

O uso da Queeny PL para visitas a cidades inglesas nunca chegou a acontecer, mas ela fez jeito em algumas das minhas deslocações em Sheffield. Não tanto jeito como deveria, porque o frio e a neve chegaram entretanto e eu perdi a vontade de enfrentar as colinas sheffieldianas no pós-inverno. Mas o potencial está lá. Quando se tornou claro que ainda não seria Sheffield que seria casa permanente, percebi que não estava preparada para a vender e portanto teria que arranjar maneira de a levar para Portugal.

Fartei-me de correr fóruns por essa internet fora para ler testemunhos de pessoas que já tinham viajado com as suas bicicletas de avião e as ditas cujas sobreviveram à aventura. Bastantes, foi o que acabei por descobrir.

Para bicicletas normais, o que muita gente aconselhava era levá-las sem desmontar nada, apenas com um plástico a toda a volta, sendo que a lógica era que quanto mais óbvio for que ali vai uma bicicleta, mais cuidado os senhores das malas têm com elas. E realmente foi isto que eu vi no aeroporto de Manchester da última vez que tinha viajado para Lisboa: um senhor a dirigir-se ao balcão de check-in com uma bicicleta pela mão enrolada em plástico.

Mas para o meu caso não era o ideal por duas razões:

- a minha bicicleta é dobrável, por que não utilizar essa vantagem para a transportar mais facilmente;

- queria poupar algum dinheiro transportando-a como bagagem normal ao invés de taxa extra de equipamento desportivo.

Rapidamente descobri que a Ryanair tem uma política muito simples de transporte de o que eles chamam equipamento desportivo. Por €50/£50 eles transportam qualquer instrumento musical ou equipamento desportivo até 20 kg (30 no caso de bicicletas). Basta adicionar online como se adiciona bagagem normal de porão. Mas o meu problema é que a minha dobrável caberia nos limites de uma bagagem normal, visto ter o peso e as dimensões adequados. Para quê dar então 20 ou 30 libras a mais só porque o conteúdo da minha bagagem de porão calhava ser umas barras de ferro e dois pneus em vez de roupa e cosméticos?... 

A forretice é a mãe do desenrascanço. 

Falei com o atendimento ao cliente online da Ryanair, num serviço de chat muito catita que eles têm, para expôr o meu caso e perguntar se se poderia tratar uma dobrável como bagagem normal. A resposta que obtive - e que prontamente imprimi como prova para o check-in - foi que, desde que não excedesse os limites da bagagem normal de porão e que a acondicionasse de forma segura, poderia fazer check-in da bicicleta como bagagem normal de porão.

A segunda dor de cabeça foi saber o quão preciso era acondicionar a bicicleta. Uns diziam que pouco, uns diziam que muito e contavam histórias de terror de bicicletas recebidas nas passadeiras à chegada amolgadas ou com raios de roda partidos, outros que não era importante o acondicionamento mas sim fazer o mais visível possível que dentro daquela bagagem ia uma bicicleta, na lógica do saco de plástico e do bom coração do pessoal das bagagens.

Acabei por me decidir a encomendar uma mala de transporte de dobráveis até 20 polegadas de roda e depois acomodar arestas que ficassem com plástico de bolhinhas.

Escolhi a mala que me pareceu mais resistente e encomendei-a:



Quando chegou constatei que a bicicleta cabia à vontade no saco, que ele era mais mole do que parecia, e que seria impossível carregá-lo de casa à estação e da estação ao aeroporto. Nunca na vida, já que o saco não tem pegas que dêem jeito e não tem rodinhas para puxar.

Não tem rodinhas mas há uma coisa que tem: a bicicleta. Por isso ficou decidido que a levaria montada até ao comboio, desmonta-la-ía no comboio, e depois levava-a montada da estação ao balcão do check-in, onde a poria dentro do saco.

Impossível acondiciona-la com o plástico previamente, portanto. Ainda pensei em levar o plástico na mala, mais a fita e uma tesoura, para depois lá tapar arestas mais salientes, mas depois logo pensei 'que lixe, se não a consigo enrolar toda em plástico qual é o sentido de acondicionar certas partes, sei lá o que é que está mais atreito a partir-se, vai à confiança'. Sendo que uma vez dobrada a bicicleta parece tão robusta, deixei-a nas mãos do pessoal das bagagens.

Os pneus já estavam um bocado embaixo, pelo que não foi preciso esvazia-los um pouco para transporte em avião, como vi recomendado em alguns fóruns.


Comboio

Os comboios em Inglaterra têm uma carruagem com espaço para se transportar bicicletas, normalmente numa das carruagens da ponta. Vi inúmeras pessoas a transportar bicicletas - normais e dobráveis - pelas estações e pelos comboios pelo que sabia que bicicleta no comboio não seria um problema. Normalmente eles recomendam comunicar à operadora que se vai transportar uma bicicleta, porque o espaço para bicicletas é limitado, mas no caso das dobráveis não é necessário porque podem ser transportadas nos sítios das malas. 

Entrei com a Queeny comboio e arrumei-a no sítio das bicicletas de qualquer forma, por ter mais espaço e ir mais segura.


Aquilo tem umas fitas de velcro para se prender as bicicletas e não caírem durante a viagem.



Basicamente o 'cycle storage' é um espaço com bancos que se auto-arrumam, e que portanto também dá para pessoas em cadeiras de rodas ou passageiros sentados sempre que não há bicicletas a bordo. Uma coisa tão simples de se ter e que facilita a vida aos ciclistas e encoraja a utilização de bicicletas.


Avião

Chegadas ao aeroporto, lá percorri os corredores desde a estação até ao terminal do check-in com a Queeny a rolar ao meu lado (não tivessem sido os pneus esvaziados e eu teria sido menina para tê-los percorrido montada na bicicleta, que aquela porcaria é longe que se farta). Devo dizer que a atenção de colocar rampas e elevadores em tudo o que é mudanças de piso, quer nas estações quer em todo o aeroporto, me facilitou enormemente a vida (imagino então o alívio que não é a pessoas com mobilidade reduzida). Seria de esperar que colocar rampas e elevadores, ou pelo menos escadas rolantes, em sítios onde o pessoal normalmente anda carregado fosse óbvio mas Bruxelas ensinou-me que não é. Muita bagagem com metade do meu peso alombei eu pelas escadas das estações do metro bruxelense.

Chegada à zona do check-in tratei de desenrolar o saco que trazia dentro dos alforges para embalar a bicicleta e despachá-la para o porão. 


Embalada e pronta a viajar 2000 km.



Estava com medo que surgissem problemas se fosse óbvio que o saco levava uma bicicleta e obrigarem-me a pagar a taxa de equipamento desportivo (que no aeroporto seriam £60) e a brincadeira acabar por me custar quase tanto como a bicicleta no final de contas. Mas não. Correu tudo bem, o senhor no check-in indicou-me só que levasse o saco ao balcão da bagagem fora de formato para que a mala fosse tratada com mais cuidado, já que era um saco mole.

Perfeito. Relaxei e comecei a acreditar que ia chegar a Portugal com uma bicicleta inteira. 

À chegada, estava ansiosa para ver o tratamento que a riquinha tinha levado. Quando a mala foi ter ao tapete do bagagem fora de formato, desembalei a Queeny PL, respirei de alívio por a ver inteira e sem mazelas, desdobrei-a, e lá fui eu até onde a família me esperava com a menina a rolar ao meu lado.


Cá está ela já em Lisboa pronta para a última etapa da viagem :)


Carro

Ainda a surpresa maior foi a bicicleta não caber na mala do carro, mesmo dobrada, e ter que se ter aberto o banco para a frente. Mas a vontade de tentar que ela coubesse não era muita à uma da manhã, pelo que acredito que a culpa foi minha, não da Queeny ou do espaço da bagageira do carro.


Moral da história: correu tudo muito melhor do que eu antecipava e agora que vi a simplicidade que é viajar com a bicicleta, as voltas pela Europa que me aguardem. 




S.

Sem comentários:

Enviar um comentário