Tenho para mim que sou pessoa de uma pessoa só.
Nunca gostei de ter muita gente na minha vida. O dito 'conhecidos tenho muitos, amigos tenho poucos' nem sequer se aplica a mim. Amigos conto pelos dedos das mãos, mas conhecidos também não abundam. Tenho dificuldade em relacionar-me com pessoas no geral, sou inapta em conversa situacional, meço ao centímetro o que digo na presença de quem me quer bem, e ao milímetro o que digo na presença de conhecidos e/ou estranhos (uma pessoa conhecida pode ter a qualidade de 'estranho'. Vice-versa já é muito mais raro).
Nada disto é novidade para mim, nem tem nada de extraordinário. A verdade é que hoje, durante a minha viagem de autocarro, me apercebi de um padrão. De dois, vá. Um, que as viagens de autocarro (só as de volta) estão a tornar-se frutíferas em epifanias. O outro, que sou pessoa de uma pessoa só.
Nos vários ambientes nos quais girou a minha vivência quotidiana, fossem eles escola, faculdade, Londres, trabalho, a minha tendência foi sempre a busca de alguém essencial. Mas uma pessoa essencial não necessariamente para todo o ambiente, mas sim uma pessoa essencial para determinado momento. Uma única pessoa com a qual a afinidade, nem que fosse apenas por algumas horas por semana (no caso de determinada aula na faculdade, por exemplo), fosse máxima. Nas minhas relações pessoais tendi sempre para uma melhor amiga, uma pessoa que na ausência de tudo o resto me bastasse. É uma característica absolutista, eu sei. Vem-me da infância. Old habits die hard. Quem subestima a sua infância corre o risco de não se conhecer sinceramente. E de não ser capaz de identificar padrões que se repetem por longos anos, às vezes uma vida inteira. O meu, é o absolutismo nas relações sociais. Um absolutismo não de sinónimo de ditadura, mas de sinónimo de único, exclusivo, individual.
É por isto que raramente sou feliz em festas grandes, em jantares disto, em almoços daquilo, que por definição envolvem muita gente. Fico como que à deriva. Afundo-me na multiplicidade de vozes e de personalidades que se entrecruzam nesses ajuntamentos. Esgoto-me mental e emocionalmente. A não ser que haja mais uma pessoa, pelo menos uma pessoa com quem possa exponenciar uma afinidade exclusiva. Assim sou feliz. E divirto-me. No fundo porque bloqueei as múltiplas maneiras de estar e entrei em sintonia com uma só.
Então, volto a dizer. Sou pessoa de pessoa só. Nasci naturalmente monogâmica. Pessoa de homem só, pessoa de amiga só (não de única amiga, mas de amigas com características únicas, com quem sinta afinidade em diferentes coisas, para momentos individuais). Pessoa de conversa só. Gosto de conversas a dois. Gosto de olhar nos olhos da outra pessoa, perceber que me está a perceber, de ter atenção reservada e de dar a minha atenção individida. Seja numa conversa de chacha seja numa conversa íntima. Daí que a minha voz seja serena e menos audível do que por vezes deveria. Que odeie falar ao telefone. E que seja má em debates.
Mas que adore ler. Ler é o epitome da exclusividade de atenção. É o estabelecer de uma afinidade completa e individida com determinado autor, num determinado momento. Por consequência (epifania!), a biblioteca só poderia ser o meu local favorito. Afinal, não tem apenas que ver com o meu nerd 'eu'; é o lugar onde existem potenciais afinidades exclusivas a estabelecer! É, tão-só, o meu sonho social.
S.
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