O intuito deste blog sempre foi o de registar impressões, sentimentos e episódios que de uma forma ou de outra me tocaram, fossem eles completamente aleatórios e insignificantes ou grandes decisões e mudanças de futuro. Seria uma espécie de diário, mas um diário partilhado com as pessoas que me são mais queridas sobre as minhas experiências noutro país. A função de diário ainda não teve muito; não é muito normal eu ler posts antigos. É preciso deixar passar mais tempo.
Mas porque isto tem a intenção de diário partilhado, é importante registar aqui impressões frescas, sem muita dissecação e sem muita erosão do tempo. E é por isso mesmo que não podia adiar mais o registo do episódio que eu mais ansiava do dia 26: a minha primeira viagem de TGV.
A escala em Paris pressupunha uma viagem até Bruxelas em TGV, em vez de avião. Sendo que uma das coisas que mais gostava de fazer era viajar pela Europa de comboio, o entusiasmo foi mais que muito. Seria o meu primeiro cheirinho do que é correr o meu continente pelo chão, em vez de pelo ar.
Assim, depois de umas 6 horas apressadas a correr o centro de Paris, foi com alguma excitação que nos apresentámos no balcão de embarque para iniciar a nossa viagem de comboio. Foi um bocado estranho porque aquilo parecia o embarque para um avião. As malas foram deixadas num carrinho que depois as levaria até ao comboio e que as depositaria, à chegada, na plataforma. 15 minutos antes da hora de partida, lá fomos nós para a plataforma esperar pelo senhor TGV (15 minutos! o que no avião implica cerca de uma hora).
Depois foi esperar que ele chegasse, carregado já de pessoas desde Marselha. E depois foi maravilhar com aqueles bancos - poltronas - cheios de conforto e com almofadinha mesmo a jeito para encostar a cabecinha e adormecer... Mas apesar de ter dormido duas horas na noite anterior, ter acordado às 3h da madrugada e ter palmilhado Paris durante horas, e do conforto abusado dos referidos bancos e do pormenor da almofadinha anti-torcicolo, esforcei as pálpebras para se manterem abertas. Queria ver França, queria ver Bélgica, queria ver Bruxelas a aproximar-se.
A verdade é que, apesar de estas viagens se fazerem sempre mais por descampados do que próximas de localidades, o TGV não desiludiu. Desliza como faca sobre manteiga derretida, rápido, desfocando um pouco a paisagem, mas suficientemente rápido para não fartar a duração da viagem e suficientemente lento para se poder descortinar o que passa fora da janela.
E o que é que se passou fora da janela? Verde. Campos e campos planos e verdejantes, daquele verde impossível de encontrar em Portugal, que faz desconfiar que ali se cultiva com uma facilidade tremenda. Uma fábrica ao longe, uma localidade de vez em quando, fios elétricos de alta tensão a atravessar os tais campos verdejantes. Não desiludiu. Eu só pensava "É esta a minha Europa, quero explorar este meu continente de uma ponta à outra desta forma, num comboio que não se sente a deslizar e com bancos que têm almofadinhas anti-torcicolo". Acho - mas isto pode ter sido a pedrada de sono e as pernas dormentes a falar, atenção - que a certa altura me pus a magicar que maravilhoso seria percorrer aqueles campos a pé. Havia um senhor que dizia que a Europa era um continente diferente de todos os outros porque se pode palmilhar a pé - queria-lhe testar a teoria. Mas depois passou-me.
Infelizmente, da estação de Lille, onde o comboio parou, até começar a abrandar com Bruxelas a aproximar-se, não vi nada porque o corpo e a curiosidade sucumbiram ao cansaço. A mente já estava contentada na sua curiosidade.
A Bruxelas foi chegar, pegar a mala deitada na plataforma e apanhar o metro na mesma estação. Que diferença da logística cansativa e demorada dos aeroportos!
Já ganhei um novo transporte favorito.
S.