quarta-feira, 6 de junho de 2012

A saga do Kindle

Há coisa de ano, ano e meio, comecei a cobiçar suavemente o Kindle da Amazon. A flirtar seriamente com a ideia de poder ter os meus livros todos num aparelho do tamanho de um livro e tão fino como uma revista. Conheço de ginjeira o argumento principal de quem é contra estes aparelhos: o "e o cheiro a livro novo que a tecnologia nunca pode imitar, e o virar a página que nunca mais vais poder experienciar?". Ao que eu respondo: "Por favor, eu compro quase todos os meus livros em segunda mão pela Amazon, não sinto o  cheiro-a-livro-novo há anos e não é dele que sinto falta: é de ler." O que conta não é a forma, é o conteúdo.  E para isso tanto me dá que as histórias estejam num aparelho eletrónico ou em papel. A qualidade de escrita não se mede pelo meio onde está impressa. Para mim, o maior entrave no ler livros é o espaço que me ocupam antes e depois de estarem lidos. O peso que me ocupam na mala quando tenho de mudar de casa na nossa vida ainda tão temporária. Para mim, a possibilidade de carregar, no melhor e mais leve dos sentidos, mil livros num aparelhinho que pesa menos do que uma chavena de chá é a característica mais valiosa.

Dizia eu que há ano e meio começava a flirtar com o Kindle. Na altura, porque tentava arranjar um método sério e consistente que me permitisse aproveitar as duas horas diárias que passava no metro com estudo, e porque queria levar comigo as leituras, apontamentos e rascunhos da dissertação para a biblioteca, para a universidade, para casa e para o metro, decidi que um notebook seria um investimento consideravelmente mais útil que um Kindle que só me permitiria ler. Acertei, sim senhora. O pequenino computador que encomendei pelo eBay (não tive coragem de dar mais de cem libras por um; chegou impecável a casa, ainda que com teclado inglês) foi o melhor investimento que já fiz ao nível de gadgets. É pequenino e cabe na minha mala pessoal. Levo-o para férias na mochila misturado com a roupa. Serviu o seu especial propósito de me ser a ferramenta indispensável na leitura e escrita para a tese. Não suporta jogos nem cds; mas quem precisa de qualquer um dos dois? Eu cá não.

Só numa coisa ele me falhou: na leitura. É um defeito totalmente meu, assumo-o; o pobre coitado cumpre a sua função com diligência e se eu quisesse poderia ler e-livros aqui como li tanto artigo para a tese há um ano (oh meu deus, está a fazer um ano... para onde é que foi o tempo?!). Tentei, uma vez. Temo não ter funcionado como gostaria. Porque o computador, devido à sua inerente multifuncionalidade e ao meu cada vez mais curto attention span, torna-se o pior sítio possível para ler algo que se pretende saborear. Artigos, funciona; sou obrigada a prestar atenção porque preciso de tirar notas e são relativamente curtos. Mas ler um livro, que se pretende que seja um momento de relaxamento, a dois, só eu e o autor, é impossível. Aprendi isso à custa da experiência, e o interesse pelo Kindle renasceu.

Entretanto voltei para Portugal. Qual não foi o meu grande espanto quando descobri que é impossível encomendar o Kindle para o nosso território! Ou melhor, ser possível, é, mas apenas dos Estados Unidos e a custar mais uns 50 euros do que se comprasse em Inglaterra pela Amazon.co.uk. Como já tive uma muito má experiência com produtos importados dos EUA e presos na alfândega, encomendar coisas americanas é coisa que me recuso a fazer. Fool me once, shame on you, fool me twice, shame on me.

Tentei todas as Amazons europeias, nada. Nenhuma exportava para Portugal, ou mesmo para fora do seu território nacional. Num mercado europeu que se quer livre e único, a honrar a máxima da "livre circulação de bens e serviços", esta é uma das maiores aberrações com que me deparei. Mas adiante.

Quando soube que viria morar para a Bélgica, tive a brilhante ideia de esperar e encomendar pela Amazon francesa. Pensava eu que, tendo a mesma língua, sendo um território contíguo e tão pequeno que as tarifas de expedição de livros normais são as mesmas que para o território continental francês, seria de certo possível encomendar o Kindle francês. Faz de conta que isto ainda era França, xiu, ninguém ía notar. 

Já se deve estar a ver que não foi o caso... Caiu-me o queixo de incredulidade quando vi que Bélgica tinha o mesmo estatuto que Portugal em termos de Kindle: ostracizado. Revoltei-me. Estava fula com a Amazon e comecei a ver outros e-readers. Nenhum me parecia tão bom como o Kindle, no entanto.  Ou tão bom e tão barato, vá. A dois passos de casa descobri uma loja da Sony que tem insistente e irritantemente os bonitinhos e-readers na montra mas que custam o dobro do da Amazon. Recuso-me a pagar mais por um substituto.

Entretanto, descobri que a Fnac tem o seu próprio e-reader também. E que neste momento está com uma promoção que o põe um niquinho mais barato ainda do que o Kindle. As boas características continuam lá - especialmente o ecrã que eles chamam e-ink, que imita a textura de uma folha de papel impressa, tornando a leitura de um livro num e-reader exatamente igual à leitura em papel - e melhor: tem ecrã tátil. Apenas um senão: o Kobo (nome do aparelhozinho) custa mais 30 euros na Fnac belga, neste momento. Segundo momento de frustração com a porcaria do mercado único, ARGH! Nem na mesma empresa, chiça! 

30 euros pode não parecer muito mas há que entender que eu sou uma pessoa com uma relação muito difícil com o dinheiro na medida em que me custa largá-lo. Sou amante possessiva e ciumenta, controladora. Penso sempre "X custa 100 euros, oh! O que eu podia fazer com 100 euros!...". E depois acabo por nunca fazer nada. (Exceto viajar. Não compro uma única peça de roupa desde que cheguei a Bruxelas, mas viajar, ah senhores, isso ninguém me tira!)

Por isso, é com muita antecipação e em meia-voz (com medo que o universo oiça e eu chegar lá e aquela porcaria já não estar em promoção) que eu conto os dias até voltar a solo francês, mais propriamente solo Fnac-francês, para poder finalmente adquirir um e-reader sem pesos financeiros na consciência. E desfrutar dele já no comboio de volta. 






S.


P.S. Entretanto descobri que praticamente todos os clássicos são grátis em formato e-livro, presumo que por razões de direitos de autor expirados ou assim, o que redobrou o meu entusiasmo pelo Kobo e a minha antecipação por voltar a França.

4 comentários:

  1. a França é a um pulinho daí, é lá dar um salto, e no mais apropriado do termo, salto, comprar lá :) [lembrei-me dizto enquanto ia lendo o post, depois vi que é essa a estratégia :) ]
    daí já fui eu à Alemanha também para fazer compras de gadgets que em Bruxelas e Portugal eram MUITO mais caros; vale a pena

    tentei comprar um livro técnico e descobri que a Amazon não me mandava o livro para Lisboa, nem dos US nem do UK; fiquei possesso; tanto revirei que encontrei um site que mandava o livro do UK para Lisboa, o mesmo livro, a mesma editora, tudo... e com portes muito em conta; chegou 4 dias depois;

    não dá para perceber esta política de vendas online castradas; talvez com o kindle, ou o ereader da FNAC, se passe o mesmo, que haja algum site que faça a transacção e envie para Bruxelas ou Lisboa

    não se percebe esta tacanhez e falta de abertura a um mercado que já se diz aberto :(

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  2. Também ando com vontade de comprar um kindle, mas com a mesma apreensão por ter de o mandar vir dos EUA. Já me aconselharam comprar um tablet, que dá paraa ler e muito mais, mas os preços são bem mais altos, e não têm essa característica do e-ink (e a luminosidade, ao fim de umas horas de leitura, é capaz de causar desconforto ocular). Desconhecia esse tal de kobo, tenho de investigar se existe por cá.

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  3. Também me aconselharam o Kindle Fire porque dá apra ouvir música, ver filmes, ir à net... Mas, lá está, para além de ser mais caro, tem demasiadas distrações. Só o facto de ter net para mim ía-me impossibilitar ler num tablet...

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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