Ao enviar os e-mails para a organização dos extras da White Queen, pondero duas coisas que não deixam de ser irónicas.
A primeira é que eles exigem pelo menos cabelo pelos ombros e eu, depois de uns dois ou três anos com cabelo compridão e cortado a direito, tenho-o agora e desde agosto escadeado e mais ou menos pelos ombros. Mega desilusão se não for chamada por causa disto. Bom, pelo menos deixei-me das minhas manias de usar reflexos ruivos e o cabelinho está na sua santa cor natural, como é exigido.
A segunda ironia é senhor D. estar há boas semanas a querer rapar o cabelo e ainda não o ter feito; exigem que os homens tenham pelo menos três centímetros de cabelo. Sim, entretanto arrastei senhor meu parceiro para o mundo das medievalidades.
Vamos ver se somos chamados. As filmagens decorrem até março e mesmo que não sejamos escolhidos para participar quero ir lá lançar um olhinho.
Desde que a minha capa extremamente impermeável, extremamente comprida e extremamente azul chegou pelo correio, que andava a ansiar que chovesse. Andar a ansiar que chova já de si é estranho, andar a ansiar que chova em Bruxelas em outubro é simplesmente absurdo porque todos os dias chove. Mas tivemos aí uns cinco dias de sol, de forma que foi esquisito. E deu para ansiar. Saía eu de manhã para rua, pimba, levava logo com raios de sol nos olhos. Duas ou três vezes, enquanto conduzia a bicicleta e franzia o sobrolho tentando evitar o sol que brilhava de frente, pensei: "Mas queres ver que eu devia era ter comprado uns óculos de sol em vez de uma capa..." Foram uns dias bem estranhos. Choveu, entretanto, mas nunca enquanto eu fazia as minhas viagens de commuting, pelo que a capa se manteve dobradinha na minha mala, à espera de ser estreada.
Ontem, quando o despertador soou tive que olhar três vezes para relógios diferentes para me certificar que já era mesmo hora de levantar. Estava escuro lá fora. E os carros quando passavam faziam o "ffffssh" característico das rodas a passar em estrada molhada. Era desta que a capa ia ser estreada!
Er... Não correu muito bem. Rapidamente descobri que pedalar à chuva não é das sensações mais fabulosas deste mundo. Assim que vesti a capa, olhei com orgulho o facto de me tapar da cabeça aos tornozelos, e fiquei toda fanfarrona por ter metro e meio (acho que esta capa era suposto tapar um adulto até aos joelhos, mais coisa menos coisa). Apertei o carapuço e lá fui eu. Mas não contei com duas coisas um bocadinho, digamos, chatinhas:
- As mãos e os antebraços ficam de fora: tirei as minhas luvas e guardei-as para não as molhar porque tinham uma pele muito fofinha de pêssego e eram novas e tal - ERRADO. Não molhei as luvas molhei as mãos. Cheguei ao escritório com os dedos engelhados (!) e a parte do antebraço que a capa não tapa - porque é um poncho - toda encharcada.
- A cara vai, digamos, nua: a cara, senhores, a cara... Mesmo resolvido o problema das mãos através das luvas e de um casaco mais grosso para não encharcar os pulsos/antebraço, com a cara não dá para fazer nada. Nem mesmo, vá, o desvario de um lenço à volta da cabeça serviria pois eu tenho que ver a estrada! E levar com chuva nos olhos, indo a franzir o sobrolho porque desta vez não é o sol mas sim a chuva a perturbar a visão não é muito bom, não senhor. Imagino sempre que os automobilistas me olham com pena, do tipo "Oh coitada, lá vai a menina à chuva e ao frio, enquanto eu vou aqui no meu carrão de ar condicionado e rabinho sentadinho nesta espécie de sofá pessoal". Mas depois eu ultrapasso a fila toda de carros presos no trânsito infernal por causa da chuva e acho que lhes passa a pena toda.
Este último problema da cara descoberta ainda é um problema. Acho que ainda ninguém inventou a solução para evitar a chuva a bater nos olhos por causa da deslocação do ar que não envolva um capacete de mota daqueles enormes e com visor. Porque o resto, está resolvido. A luvinha nova já está sebenta do preto do guiador da bicicleta mas a mãozinha já vai seca.
Posso portanto dizer que o primeiro obstáculo, a chuva, está ultrapassado ;)
Durante este verão descobri duas notícias de uma assentada só que me deixaram bastante entusiasmada:
- a BBC iria começar a filmar em setembro uma série de 10 episódios baseada na série Cousins' War da Philippa Gregory entitulada "The White Queen", e homónima de um dos meus livros preferidos da autora (e curiosamente o tema do 1º post deste blog :');
- as filmagens vão ser inteiramente em Bruges, aqui na Bélgica, e andavam à procura de figurantes.
Depois de bater muitas palminhas de contente e de muita promessa convicta de "É desta que vou à cidade medievaleca da Bélgica que toda a gente tanto gaba!", comecei uma pesquisa muito incisiva e muito ansiada tentando descobrir quando começavam mesmo as filmagens (setembro tem muitos dias...) e onde me teria de inscrever se quisesse, por acaso, enfiar-me num vestido daqueles de veludo muito comprido e muito luxuoso e brincar um bocadinho às Idades Médias.
Mas não encontrei nada.
Ia descobrindo notícias sobre os atores, à medida que iam sendo escolhidos, mas nada sobre os locais e dias de filmagens.
Entretanto releguei para segundo plano da minha mente esta série. Talvez fosse a Bruges um dia destes... Mas sem saber os dias das filmagens nem locais especificos ou horários, seria mesmo muita sorte se apanhasse precisamente um "corta!" (como se dirá "corta!" em francês...?).
Hoje, mesmo por acaso, apanhei um artigo que falava sobre como a Bélgica estava a ser muito requisitada como local para filmagens de produções de Hollywood e outros filmes e séries. E, como não podia deixar de ser, mencionar a The White Queen. Dizendo que as filmagens já tinham começado. O entusiasmo regressou e decidi voltar a pesquisar.
Tive a sorte de encontrar num blog fotos e contacto de uma mulher que já tinha assistido às tão ansiadas filmagens e decidi perguntar-lhe se tinha mais informações.
Pois então parece que de momento as filmagens de exterior estão paradas mas que regressarão daqui a duas semanas. E que os transeuntes são muito encorajados a assistir. A senhora deu-me até o contacto da organização de figurantes da série, que talvez ainda aceitassem extras.
Os meus dedos já estão a fazer figas! Seria qualquer coisa de espetacular ser parte de uma série baseada num dos meus livros favoritos! E já me decidi: é mesmo desta que vou a Bruges, que toda a gente gaba, nem que seja só para ver preciosidades como esta:
Agora só me apetece é ir tirar análises e ir ao dentista e essas coisas todas, só para o ir estrear. Nunca pensei, em todo o meu quase quarto de século, vir a dizer uma coisa destas.
Enquanto não me aventuro a procurar um médico e investigar como funcionam cá os check-ups médicos, vou estreando o meu seguro de saúde com o reembolso da inscrição no ginásio.
Diz que é medicina preventiva. Eu digo "muito obrigada".
Há uns largos meses que queria ver este documentário:
Hoje foi o dia.
A premissa é do mais simples que há: acompanhar a vida de quatro bebés em diferentes partes do mundo durante o seu primeiro ano.
É simplesmente... fascinante.
São-nos apresentados quatro exemplares humanos na sua forma mais pura, acabados de chegar ao mundo em ambientes muito diferentes, às vezes a roçar os extremos. Um é da Namíbia, outro da Mongólia, outra de Tóquio, e a última de S. Francisco.
O meu interesse era o óbvio perante um filme destes: saber como se educam bebés em diferentes partes do mundo. Ver, com os meus próprios olhos e sem ninguém me contar, como é que estes bebés humanos lidam com o que os rodeia e que nestes quatro casos é tão diferente entre si.
E o que vi deixou-me maravilhada. Isto porque as quatro crias humanas são iguaizinhas, não obstante os seus ambientes. A curiosidade em relação ao que as rodeia é exatamente a mesma, a atenção e alegria quando a mãe as desafia é igual, os sons balbucionados são os mesmos, as tentativas de gatinhar e depois de começar a andar semelhantes, os guinchos não se distinguem, a displicência com que pegam em tudo e enfiam na boca é a mesma.
Porque uma coisa é dizer que somos todos iguais, todos irmãos, todos a mesma espécie. Isto toda a gente sabe na teoria. Mas ver este facto espelhado nas ações de quatro bebés de sítios e culturas tão diferentes é maravilhoso e faz com que se assimile essa igualdade como verdade verdadinha por ser tão óbvia.
O documentário não pretende dar nenhuma lição a ninguém, nem tem qualquer moralidade subentendida. Isto porque os autores escolheram não meter nenhum narrador ou comentário de qualquer espécie (o filme parece um No Comment da Euronews especialmente longo. E tal como na Euronews, a intenção é "tirem vocês próprios as conclusões"). E, de facto, não fiquei convencida sobre qual é a melhor cultura para se educar um bebé...
Basicamente não temos ninguém a falar, apenas cenas completamente aleatórias da vida destes bebés, que espelham muito bem como é o seu quotidiano. Temos assim o bebé namibiano sempre livre, nu e a meter terra, pedras e um osso (!) à boca com a naturalidade típica dos bebés, o bebé mongol a brincar na sua tenda forrada a tapetes onde de vez em quando aparece uma cabra ou um galo que salta para cima da sua cama (estava sempre à espera que pusesse um ovo para ver a reação do bebé que o olhava atentamente mas a palavra-chave aqui parece que é mesmo GALO). Depois temos a bebé japonesa rodeada de brinquedos e gadgets corriqueiros nos países ditos desenvolvidos, e a bebé norte-americana naquelas aulas de cantigas e danças para bebés mas para as quais os mesmos estão-se mais que borrifando.
Isto lido assim parece tendencioso mas estas são meramente as atividades que me chamaram mais a atenção. Porque, mais uma vez, o documentário não tenciona provar nada e o foco são mesmo os bebés. O seu ambiente surge apenas como algo secundário e inevitável quando se tenta mostrar estas vidas tão diferentes mas tão primordialmente semelhantes.
É curioso como uma verdade tão básica se tira deste filme: bebés há-os em todo o mundo. Não interessa se crescem rodeados dos mais avançados brinquedos, se dormem debaixo daquele edredão de penas de pato, se tomam banho numa tina de água ferrujenta ou se tem como animais de companhia cabrinhas bebés (até me arrepiei quando o bebé mongol agarrou numa mãozapa de pelo da cabra e a puxou pelo chão. Mas o bicho parecia estar habituado e nem pestanejou), se frequentam aulas de ginástica desde os seis meses ou se brincam em parques de diversões ou dentro da poça à porta de casa. O que é facto é que eles crescem, absorvem tudo o que os rodeia e são felizes.
Claro que os cuidados de saúde, alimentação e conforto da bebé japonesa não se comparam aos do bebé namíbio; mas essa não é a questão. O que este documentário prova é que é estúpido pensar que se comete um grande crime de parentalidade se não se tiver o carrinho-de-bebé de marca McLaren ou se não se levar o filho a frequentar aulas de música desde os três meses, e que na ausência de todas estas mariquices o bebé não será feliz. Bebés sempre os houve e continua a haver, mesmo nas condições mais primordiais que se possa imaginar.
Porque o ambiente inevitavelmente os irá moldar para lá do reconhecimento deste documentário, seria extremamente interessante ver como eles serão diferentes daqui a 10 anos. Entretanto, fica pelo menos a constatação de que vieram do mesmo sítio e no seu primeiro ano de vida são iguaizinhos no que mais de humano tem.
Engraçado como o corpo humano se vicia em exercício.
Há nove meses, eu era a pessoa mais sedentária que conhecia e afirmava terminantemente que exercício físico não estava entre as minhas prioridades. Estava empenhada em mil e uma coisas mas o mexer-me para além do trajeto casa-paragem de autocarro/trabalho-paragem de autocarro era mentira.
E nunca pensei que seria Bruxelas que me iria mudar. A capital belga não é particularmente plana nem de avenidas largas, não é dominada por bicicletas (ainda...) e portanto não havia razão para ser diferente de Lisboa. Mas a verdade é que fui sendo seduzida aos pouquinhos pela conveniência que é andar de um lado para o outro. Literalmente, andar de um lado para o outro.
O medo de que com a troca de local de trabalho eu ficasse sem a minha caminhada diária de uma hora fez-me inscrever imediatamente no ginásio. Mas os transportes demasiado indiretos e o hábito de caminhar que estava mais entranhado do que eu alguma vez acreditei ser possível fizeram com que as pernas se mexessem quase de seu acordo em direção a casa. Daí à bicicleta foi um pulinho. E o ginásio, para minha enorme surpresa, continuou local frequente de passagem, e o ritual do exercício+banho+caminhar-para-casa-a-pé-desempenada-e-a-levar-com-o-ar-fresco-do-fim-da-tarde, tornou-se revigorante.
Mais: recentemente cheguei à conclusão que já não consigo andar de transportes. Maça-me profundamente. É o autocarro que para nos sinais vermelhos, nas paragens, no trânsito e eu que começo a bufar, tentando calcular mentalmente onde é que eu já podia estar se tivesse escolhido ir a pé. Ou, melhor ainda, de bicicleta. É o desconforto e o stress de ter tanta pessoa à minha volta num espaço pequeno e fechado, o cheiro, o ar abafado dos metros e saturado de tantas respirações.
A bicicleta provou-me que não estou em forma. Qualquer inclinaçãozinha se reflete na minha respiração e no esforço que as pernas fazem, e não consigo fazer todo o caminho para o trabalho montada no selim. Mas o mais entusiasmante é ir notando, pouco a pouco mas cada dia, que consigo um bocadinho melhor. E saber que um dia vou conseguir (hoje, no caminho para casa, foi a primeira vez que o fiz sentada na bicicleta todo o trajeto, apesar de ter parado numa subida para recuperar o fôlego).
Mas agora outro elemento se juntou à equação: a chuva. É verdade que o que não faltou durante os cinco meses de caminhadas foi chuva. Mas uma pessoa abre o chapéu, encolhe-se debaixo dele e vai caminhando até casa. Agora, de bicicleta torna-se um problema. E a razão é óbvia: não posso ter chapéu aberto enquanto conduzo a bicicleta (se bem que hoje vi um ciclista a fazer isso... Receio não ter a destreza para tal). Isto a juntar à deslocação do ar e à chuva a bater na cara, facilmente se vê que a bicicleta se torna o transporte menos ideal.
E, sabendo o que já sei sobre o clima bruxelense, chuva é coisa com que contar todos os dias. Ou quase.
É por isso que agora ando de olho numa coisa destas:
Tirando o facto que fico a parecer um dementor, é uma coisinha extremamente útil. Sendo que uma pessoa vai sentada na bicicleta e que eu tenho metro e meio, aquilo acaba por cobrir as pernas também. Serei toda eu uma bola impermeável. Uma bola azul, amarela ou vermelha, ainda não decidi.
Quero muito continuar esta vaga de meximento múltiplo. Ginásio, caminhar, bicicleta. Agora só faltava começar a gostar de legumes e ser alérgica a chocolate e tornava-me um modelo de vida saudável :D