quinta-feira, 26 de maio de 2011

Ouvi bem?

Andar de metro sempre foi para mim uma experiência sociológica muito interessante. Divirto-me a observar a maneira como o ser humano reage quando tem de estar fechado uns bons minutos com estranhos. As pessoas adoptam uma postura de indiferença extrema para mascarar o embaraço que é partilhar o espaço pessoal com completos desconhecidos (especialmente em horas de ponta). E depois é o facto dos bancos nos metros estarem dispostos frente a frente, de maneira a que os seus ocupantes sintam embaraço a dobrar, já que tentar evitar olhar para as pessoas que vão à nossa frente torna-se um experiência desgastante. Especialmente porque olhar para a janela, a distração mais comum nos transportes públicos, não funciona no caso dos metros: não há paisagem!

O meu transporte de eleição aqui em Londres sempre foi o metro, como é óbvio. A minha desconfiança em relação a autocarros urbanos, conciliada com uma magnífica e extensa rede de metropolitano fez com que eu apanhasse metro sempre que me tinha que deslocar, fosse para a universidade, fosse para qualquer sítio de visita. Ora, o que se passa é que numa rede de metro tão extensa e por coincidência a mais antiga do mundo, há sempre qualquer atraso numa linha, qualquer corte parcial, etc. Por isso é normal ouvir pelos altifalantes das estações e das carruagens que esta e esta linha estão com minor delays ou partially suspended. É algo que uma pessoa já só liga com meia-atenção.

O que hoje me surpreendeu foi isto. Lá começou o senhor da estação a fazer o inventário das linhas com problemas naquele determinado momento e às tantas diz 'The Bakerloo Line is partially suspended due to a person under a train.' A minha reação foi um grande 'HEIN?' Porque o senhor disse aquilo com a mesma naturalidade com que anteriormente tinha dito que a Victoria Line estava com atrasos devido a um sinal avariado. Quando já estava dentro do comboio, novamente a mesma informação. Mas desta vez (reação sociológica a caminho) um americano lança lá de trás '... Did he just say "a person under a train"???' Não conti o riso. Até levantei o livro que estava a ler para tapar a cara e esconder esta reação sociológica tão imprópria que é rir sozinha no meio de um comboio. Não é agradável que, mesmo estranhos, achem que nós temos vários parafusos a menos.

Se há coisa que adoro é ouvir português no metro. Calo-me bem caladinha, tento fazer cara de inglesa (não faço a mínima, mas tento) para que não suspeitem que sou co-cidadã e apuro o ouvido à espera de ouvir qualquer coisa que me faça rir. Porque conheço bem a sensação de estar num sítio e poder falar à vontade porque ninguém nos entende. Sensação esta que os ingleses nunca poderão ter mas que aos portugueses é muito comum. Neste caso não foi nenhum português mas sim um grupo de jovens americanos a falar de portugueses. Eu sempre com o meu costumeiro livro para que a viagem passe mais rápido e se torne mais útil, ouvi de repente isto: 'Portuguese girls are sooo ugly.' E já que o rapazinho teve de repetir porque o amigo não percebeu à primeira, tenho a certeza absoluta que foi isso que ele disse.

Ti-po...! Esta frase está tão errada em tantas dimensões. Como se pode generalizar beleza ou fealdade a uma nacionalidade?? Uma nacionalidade não é sequer uma raça, uma etnia, é uma construção artificial, logo, naturalidade e genética nem têm nada que ver com o assunto. Esta é a refutação racional. A outra que me ocorreu foi 'Sim, porque as americanas são tãããão mais bonitas!'. Infantil, mas mais satisfatória.

A refutação foi toda feita na minha cabeça claro, continuei a ler o meu livrinho mas com o ouvido apurado a seguir o resto da conversa. Aparentemente as raparigas mais bonitas são as russas e as argentinas. Ah, e as do Brasil. Mas as do Brasil é complicado, estão divididas em duas categorias (muito ao jeito das classes sociais) 'muito feias' e 'super hot ones'. Claro que as 'super hot ones' são buééééé difíceis de conseguir mas estão lá, pronto.

São estas as inacreditáveis coisas que uma pessoa ouve num metro. Hoje a minha viagem, do ponto de vista sociológico, foi repleta.


 


S.

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