sexta-feira, 30 de março de 2012

O teste da compreensão numérica (sim, é tão mau quanto soa)

A uma semana de ir fazer o exame de admissão à função pública da UE, e depois de algumas horas de volta de exercícios de racionalidade numérica (medo... ou terror!) compreendo perfeitamente o que há uns posts atrás mencionei: por mais que nos tornemos excelentes numa segunda língua, nunca atingiremos o nível da nossa língua materna.

Sim, compreensão numérica ou problemas cheios de números, gráficos, tabelas e percentagens são uma porcaria. Mas são uma porcaria maior em inglês. E isto porquê... Porque eu não aprendi matemática em inglês, aprendi-a em português. O raciocínio matemático, o que subiu, o que decresceu, a percentagem do não-sei-quê, são tudo coisas tão viscerais e tão primárias que não se trata simplesmente de traduzir na nossa cabeça. É sempre possível traduzir, mas para o raciocínio rápido que se precisa nestes casos - que envolve compreender exatamente o que nos pedem - não é útil. Até a simples contagem! Já não é a primeira vez que observo a minha supervisora, que fala impecavelmente e do pé para a mão francês e inglês, a contar baixinho as colunas de uma tabela em alemão, a sua língua nativa.

Os números e as relações entre eles são algo demasiado primário e que muito raramente temos a oportunidade de treinar a fundo noutra língua, por mais que nos aproximemos do nível dos nativos. É isto que eu digo a mim mesma nas vezes mais que muitas em que nem com a solução e a explicação de como chegar àquele resultado eu percebo o problema. É um esforço quase físico - juro que consigo sentir o cérebro a aquecer! É excesso de trabalho em neurónios que não estão habituados a correr desde há muito, muito tempo.

Tenho o pequenino conforto de ter escolhido fazer o exame em português para não largar num pranto.





S.

terça-feira, 27 de março de 2012

O motoqueiro ateísta

Para quebrar o meu ciclo de conferências/reuniões/pesquisa/trabalho sobre temas relacionados com igualdade de género, lá fui eu hoje assistir a uma reunião sobre separação entre Estado (neste caso, União Europeia) e religião. O vulgo secularismo.

Chego lá, sento-me, fico sossegadita à espera que o resto das pessoas entrem e que aquilo comece. Entrei no meu modo "observação-piloto". E que gente interessante que começou a chegar: ele foi um padre, um - suspeito eu - rabi, entre outros. Mas foi quando entrou um senhor de meia-idade com aspeto de motoqueiro e uma t-shirt preta a dizer ATHEIST que os meus olhos se arregalaram e eu pensei "Ui, isto promete".

Basicamente aquilo foi uma conferência organizada pela Plataforma Europeia pelo Secularismo, constituída por gente muito diversa (ateístas, católicos, judeus, humanistas) que queriam certificar-se que o novo Presidente do Parlamento Europeu vai dar a mesma atenção a todas estas organizações sem favorecer religiões que têm um aparelho administrativo dantesco, como é o caso da Igreja Católica.

Foi um bocado fraquinho. Não houve grande debate nem posições corajosas, sinceramente o falatório do Presidente desiludiu-me e foi um bocado para o diluído e confuso. Se não tivesse sido a intervenção do senhor motoqueiro ateísta no final a exigir uma revisão dos tratados para impedir as organizações religiosas de contactarem com a UE não sei como tinha aguentado o aborrecimento.

P.S. O Arcebispo de Canterbury tem um representante em Bruxelas. !!!






Coisas Com Que Me Deparei Na Minha Demanda Por Imagens Que Ilustrassem Este Post





 



S.

sábado, 24 de março de 2012

Bruxelas, a soalheira

Oh Bruxelas, andas-me a habituar mal.


Manga-curta em março, a sério?

Entretanto, adquirimos um hábito novo: preguiçar num espaço verde qualquer da cidade.

Leva-se a marmita com as sandes, o sumo, a toalha para estender na relva, o iPod e o The Economist. E ala estender na relva, longe de Facebooks, de e-mails, de blogs e de televisão. É um hábito saudável e para ser repetido sempre que o tempo belga deixar.

Tenho de admitir que só ali percebi o quão online-ó-dependente estou. É uma espécie de doença obsessiva-compulsiva (o precisar de verificar as notificações do Facebook, o atualizar a página do e-mail, o pensar em qualquer coisa para pesquisar no Google só pelo vício de abrir uma nova página de Internet - é por isso que não me permito ter um telemóvel com ligação à Internet, preciso de momentos offline obrigatórios). Mas correu bem e aguentámos duas horas estendidos na relva, sem fazer nada de especial, só com o sol a bater nos pés descalços e a conversa sobre tudo e sobre nada (tens essa capacidade que sempre admirei de fazer conversa a partir do nada, por ti nunca havemos de esgotar temas, uma das razões por que te amo) com sumo de laranja a acompanhar.

O sol como gosto dele, brilhante no céu mas sem queimar; sentia-o a bater, estava bem de manga-curta mas nenhuma parte do corpo a escaldar.




Que maravilha de início de primavera!



S.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Parabéns a alguém

Hoje alguém fez anos no meu andar.

Não faço ideia de quem tenha sido, apenas descobri um pratinho cheio de bombons Kinder e chocolates Merci. E quando abri o frigorífico estavam lá fatias de bolo de anos.

Alguém fez anos, portanto.

Eu agradeci mentalmente os bombons, mas, como disse, não faço ideia a quem.

Fazem falta lugares para as pessoas conviverem, ali. Não há uma mesita para quem quiser trazer comida de casa e comer ali na copa. Onde as pessoas possam fazer um intervalo e beberem um café/chá sem ser na solidão do seu escritório. Claro que existem vários cafés, esplanadas e a enorme cantina - mas isso fica no edifício principal. Não se faz uma pequena pausa para café nesses sítios, quando se tem que apanhar 3 elevadores e andar pelo menos 5 minutos por intermináveis corredores. Para almoçar, sim, mas mesmo assim é simpático - e amigo da carteira, não há como disfarçar - trazer a nossa própria comida de casa e comer no conforto do nosso departamento, sem termos que nos misturar com centenas de pessoas.

Mas isto sou eu, que fiquei mal habituada com o calor humano dos portugueses e com o ambiente caloroso e mais-amigável-é-impossível da organização onde estagiei estes últimos meses. Se calhar estou mesmo mal habituada.





S.

terça-feira, 20 de março de 2012

A missão americana

Durante grande parte da minha adolescência padeci de uma condição muito grave chamada "obsessão pela América".

Era muito semelhante a uma doença, juro, eu vivia para o dia em que atingi-se a maioridade e pudesse mudar-me para lá, pesquisei universidades para estudar, investiguei tudo o que havia para investigar sobre vistos, greencards e imigração, e a emoção toldou-me os olhos e as palavras quando pus pé em solo americano pela primeira vez, aos 15 anos. Cheguei a trazer comigo uma revista de imobiliário, que apanhei no metro por acaso, e sobre a qual passei horas e horas debruçada, de olhos sonhadores, a imaginar o dia em que teria a minha própria casa de madeira branca, com relvado à frente e sem gradeamentos à volta. A paixão pelo inglês esteve durante muito tempo entrelaçada com esta paixão pela América e as duas alimentavam-se mutuamente. O 11 de setembro é um dia que nunca vou esquecer, não pelo cliché (ainda que verdadeiro) de que mudou o mundo mas porque lembro-me perfeitamente que mudou o meu mundo, o mundo a preto e branco, muito simples, de uma rapariga de 13 anos que tinha já uma obsessiva admiração por esse país do outro lado do Atlântico e que não conseguia, de maneira nenhuma, entender como é que alguém podia querer magoar a América! Esse dia em 2001 só tornou a minha obsessão mais profunda.

Até que... cresci. Aprendi e aprofundei o conhecimento da História do séc. XX e comecei a desconfiar que afinal as coisas não eram bem como eu idealizava. Aquilo não era o paraíso que os filmes e as séries de Hollywood me impingiam e que eu, maravilhada, assimilava. O sotaque americano começou a aborrecer-me. E um dia dei por mim a torcer o nariz à perspetiva de ir viver para os EUA. O que toda a gente me dizia que iria acabar por acontecer - e contra o qual eu batia o pé determinada, exclamando "Vocês nunca vão perceber!", cheia de raiva adolescente e pena de mim mesma - aconteceu. A obsessão acabou.

Questiono-me muitas vezes se a minha paixão pela UE não surgiu para preencher o vazio deixado pela América. É algo novo para idolatrar. Tal como os EUA, tem um sonho nobre na sua incepção - a paz - mas ao contrário dos EUA não tem exército para invadir países nem se dá a manifestações de poderio militar. (Entretanto, há uns aninhos, apaixonei-me pela Britain, um bocado inconveniente face à simultânea paixão pela UE mas se formos a ver fica a meio caminho EUA-UE, e olha que giro, nunca tinha pensado nisto; não sei se hei-de ficar contente ou temente...)  Mas quero acreditar que a UE é uma paixão muito mais comedida, um pouco mais crítica e provavelmente mais saudável do que a anterior. E confio que só pelo facto de eu ter consciência que tem o seu quê de idolatria, impede que esta seja cega. A Europa tornou-se o meu sonho, o meu compasso, a minha ambição, a minha casa.

Mas ultimamente, e muito por insistência sugestiva do D., a América voltou a apresentar-se como um destino possível na minha (nossa) vida. E apesar das minhas recusas galhofeiras e da consciência da dificuldade acrescida que é emigrar para fora da UE, é certo que a América voltou a passear livremente pela minha mente. E eu dei por mim a pôr os EUA como hipótese mais vezes do que pensei voltar a ser possível. "E se... Não, não, não, está quieta, já sabes do que é que aquela casa gasta. Mas e se... Mau, voltamos ao mesmo? Era só uma ideia. Afinal, a América continua a ser tão interessante..."

Assim sendo, os nossos destinos de futuro estão sempre em aberto. Sabia que o futuro passaria por Bruxelas necessariamente - e está a passar - mas não sei por quanto tempo. Pode voltar a passar por Londres, hipótese provável. Ou por Lisboa - idem, mas hipótese muito deprimente para mim. Também pode passar por Paris, Berlim, Florença, Frankfurt. Ou Estados Unidos. Quem sabe.

Foi com esta mentalidade de futuro em aberto que hoje me dirigi, após muita luta interna ("mas o que é que vou lá fazer, aquilo nem é bem uma conferência, ainda por cima vão servir sandes, e se eu não gosto, faço figura de parva, metem sempre alface e tomate, bandidos... vou ter que sair do edifício do Parlamento, o que só por si é atividade extenuante, depois ainda andar até lá...") à Missão dos Estados Unidos junto da União Europeia. AKA, Embaixada dos EUA na UE. Ía ser um almoço de apresentação da Missão, organizado pelos estagiários nessa instituição destinado a estagiários do Parlamento. E como eu estava com uma grande curiosidade sobre o que iria ver e ouvir, e porque tenho compreendido o poder do networking para descolar carreiras, e porque queria ouvir americanos envolvidos em assuntos da UE a falar, lá fui eu.

O edifício em si não foi difícil de descortinar. Mesmo se não fossem as bandeiras americanas a ondular no jardim, as barreiras para impedir carros de estacionar e os vários guardas à porta teriam facilmente denunciado que ali estava um pedaço de solo americano. Aliás, eu ainda nem tinha chegado à porta da Missão, estava apenas a andar pelo passeio, quando sou barrada por um dos guardas com um "May I help you, Madam?". Eeeerr... "Juro que não sou terrorista!" É o que apetece dizer, enquanto se mete as mãos no ar.

Depois de explicar o que ali vinha fazer lá me deixou continuar a andar, na rua, até à porta da Missão. Lá dentro, segurança digna de aeroporto. Aliás, pior, porque no avião ainda nos deixam levar a mala connosco - ali a mala, o casaco e o B.I. ficaram reféns à entrada até à minha saída do edifício, e o telemóvel teve de ficar desligado. Jesus, paranóia, much?

Conduzida pelos corredores levava os olhinhos esbugalhados para absorverem todos os pormenores do interior: os brasões dos departamentos de Estado dos EUA, os quadros com as fotografias do Obama e antigos presidentes, a bandeira americana muito digna na sala onde entrámos, as paredes e teto trabalhados dando a entender que aquele edifício foi em tempos um palacete aristocrata qualquer.

Não vou entrar em pormenores sobre a apresentação propriamente dita, referir apenas que a atitude muito típica americana, um misto de arrogância honesta com ingenuidade e franco otimismo, esteve lá. Não me surpreendeu, também não levei a mal, mas descobri que estou mais cínica do que antes. Ainda assim, sinto que fiz as pazes com a América; a minha relação tempestiva de amor-ódio acalmou e hoje consigo olhar de frente para ela, encolher os ombros e pensar "A América não é boa, não é má, é assim como é".

No entanto, tenho de confessar que quando vi os guardanapos de papel engravados com o selo americano, aquela águia com as palavras United States of America engravadas a toda a volta em círculo, me deu um impulso de roubar um. E podia ter levado o meu, porque não. Mas o pensamento de ser apanhada a guardar na mala um guardanapo usado e o ridículo da situação deixou-me estar quieta.


cortesia Google Street View; puxar de máquinas fotográficas ao pé de security-freaks nunca foi boa ideia e eu ainda assim dou valor à vida e à minha liberdade



S.

domingo, 18 de março de 2012

Se não fosse o Skype


O Luky acabaria por esquecer-se do som da minha voz. Havendo Skype, vou certificar-me que isso não acontece.



S.

O poder (de compra) dos M&Ms

As compras semanais de mercearia são uma das grandes preocupações de emigra. Quais são os supermercados existentes no novo país? Onde será que é mais barato? Que tipo de carne existe? Será que existe peixe fresco disponível e a preços razoáveis? Quanto é que se gastará em média por semana/mês?

Apesar de as minhas experiências terem sido todas na Europa, e, logo, sem grandes diferenças em termos de produtos, a verdade é que os preços médios das compras de mercearia divergem bastante entre Londres, Lisboa e Bruxelas. Sendo que Londres é o mais barato (apesar da libra). E Bruxelas o mais caro.

Ía-me dando uma coisinha má quando fomos ao supermercado cá pela primeira vez e gastei mais de 100 euros para uma semana (e a comida não chegou até 4a feira). Mas entretanto descobri que estava a ir aos supermercados express, que eram os mais caros porque apenas para desenrascar aos domingos à tarde quando tudo o resto está fechado, e que as pessoas íam a outros, bem mais baratos e melhores. Quando a conta voltou a rondar os 60 euros semanais, eu voltei a respirar de alívio.

Sempre teimei - porque foi o primeiro produto que quando regressei a Lisboa fui a correr comparar o preço - que o pacote de M&Ms seria o meu produto de referência do custo de vida. Não existem indicadores mundiais que tomam o preço de um cheeseburger do McDonald's como referência do poder de compra? Pois o meu é o pacote de M&Ms. E posso dizer que fiquei feliz quando vi que aqui é mais barato do que em Lisboa - €3.09 contra €3.59. Descobri também que existem uns pacotes de M&Ms azuis, para além dos corriqueiros castanhos e amarelos, mas que ainda não descobri a diferença. Se não tiverem amendoim, perdem toda a graça, isso é garantido.

Ainda assim, a nostalgia aperta forte quando penso na libra e cinquenta que eu pagava pelo mesmo pacote de M&Ms em Londres - isso, sim! uma verdadeira pechincha.






S.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Boo-hoo

Pensamento do dia:

"Constant whining characterises losers".

É que caracteriza mesmo. "Aaaai, nunca mais chega a 6a feira", "Aaaaai, a 2a feira chegou tão depressa", "Aaaai, esta chuva que não pára", "Aaaai, com este calor nem apetece trabalhar", "Aaaai, que nunca mais tenho férias", "Aaaai, que o trabalho está já aí à porta".

A sério, não há paciência nenhuma para queixumes constantes e rotineiros, previsíveis como o calendário. É infantil, demonstra fraqueza e incapacidade de controlar a própria vida. Quem está mal, mude-se; se não pode, que pare de chamar a atenção para a vida chatinha que tem.








Pelo menos que haja criatividade nas lamúrias.





S.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Verdura Citadina - versão Bruxelloise

As coisas que uma pessoa descobre quando anda a pé e se perde.


Parc Léopold, acho eu. Sabia que havia um parque por detrás do Parlamento, mas ainda não tinha passado por ali e a verdura inesperada mais o laguinho foram uma boa surpresa.




Cidade com parques destes é uma cidade que ganha muitos pontos em qualidade de vida. São uma característica fundamental de boa cidade.


Pronto, só não tinha esquilos, mas vou começar a pensar neles como característica única dos parques britânicos. A relva tem a mesma tonalidade de verde, pelo menos.



S.

terça-feira, 13 de março de 2012

Emigra de curta duração

Outra data que podia ir para a cronologia: 13 março 2012, primeiro e-mail enviado a anúncio de emprego em Bruxelas.

Aguentei 13 dias, nada mau. Hoje, ao conhecer o presente de amigas que acabaram agora o estágio no PE e ao visionar nele o meu próprio futuro, entrei em pânico e fui atualizar o currículo e escrever a carta de apresentação modelo. Foi com o peito um bocadinho apertado que premi o botão "Enviar".

5 meses é demasiado pouco. É demasiado pouco tempo para poder sentar no escritório de passe de "Stagiaire" ao peito e suspirar de alívio. E, desta vez, gostava mesmo muito de não me sentir obrigada a voltar a Portugal.





S.

O mundo é um lugar pequeno - e Bruxelas também

Hoje, terça-feira 13 de março de 2012, larguei o meu vício de sedentarismo entranhado há muito, abandonei o banco do autocarro e fui a pé de casa ao trabalho. É um acontecimento digno da cronologia do Facebook, note-se. Nunca na minha vida fiz commuting a pé. Nunca na minha vida vivi a 2-3 km do trabalho/escola, é certo (excetuando na Primária), mas ainda assim, caminhar 5 km por dia, para uma pessoa que foge de ginásios, desportos e tudo o que acelere a respiração no geral como da peste, é obra. Será que é para manter? Vou esperar incrédula para ver.

Entretanto, deixo-me maravilhar por uma qualidade de vida que não estava à espera. Demorar 30 min do trabalho a casa - a pé, não me canso de frisar! - fazer as compras semanais em supermercados que ficam a poucos quarteirões daqui, deslocar-me a pé para qualquer lado da cidade ou, em alternativa, pegar um dos tipos de transportes que abundam nesta cidade são tudo coisas que sempre invejei na vida de centro de cidade mas que ainda não tinha experimentado verdadeiramente.

Em Londres, apesar de ter todos os serviços e lojas necessárias a dois passos de casa, o que se pudesse considerar minimamente centro da cidade ficava a pelo menos 30 min do lar. A deslocação era algo que só não pesava mais porque feita obrigatoriamente apenas 3 vezes por semana e a horas decentes. Em Lisboa, tinha a vida de subúrbio, fácil somente nas horas de ponta quando os transportes abundam, mas carro-dependente em todas as outras.

Parece que a dimensão de Bruxelas, que ao início me fazia torcer o nariz, está afinal a revelar-se uma grande vantagem.


como gosto de me imaginar a caminhar


eu a caminhar na realidade


S.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Bom enchimento de almofada


Isto é assim. Quando se vive a dois e se está longe de tudo e de todos, e só nos temos um ao outro... Mentira, o que não faltam aí são cabeleireiros, só a dois quarteirões daqui conto uns seis ou sete. Mas ser emigra e jovem é contar os tostõezinhos, que a crise persegue os pobres portugueses até para fora das fronteiras do Portugal.

Não sou especialmente dotada como cabeleireira - o cabelo fica sempre com as marcas da máquina, tipo relva aparada - e tremo de cada vez que a máquina faz um trrrrrreeeee mais puxado, mas tirando isso dá-me um gozo enorme ver os tufos de cabelo a cair no chão. Começa mesmo a surgir um sorriso maníaco na minha cara, um esgar maquiavélico de estar a estragar qualquer coisa, quando o cabelo está meio curto meio comprido então é o auge, já ninguém pára aquela máquina, muhahahahahahaha!

Ficou razoavelmente bem cortado, acho que foi o meu melhor até agora. Fica a esperança de um dia destes ele me deixar cortar à máquina zero.






S.

sábado, 10 de março de 2012

A ponte dos cadeados

Um dos meus programas favoritos de TV é o Portugueses pelo Mundo. Fascina-me conhecer o que é que outros portugueses andam a fazer pelo mundo fora, os seus percursos, como foram parar ao Perú ou a Marrocos ou à Singapura e que tipo de coisas fazem nesses países. E o facto de estes programas fazerem uma espécie de visita guiada pelas cidades, com relatos e comentários dos portugueses que lá vivem, faz com que o interesse seja muito maior do que um simples documentário de viagem pela cidade em questão.

Há umas semanas a RTP2 estava a repetir os episódios todas as noites e calhou vermos o de Paris. E descobrimos uma curiosidade muito engraçada. A senhora que vivia lá já há uns anos foi mostrar uma ponte no Sena que estava cheia de cadeados presos à rede que casais apaixonados tinham aí colocado. Ora, segundo consta, alguém se tinha lembrado de fazer isso em 2007 ou 2008 e a moda pegou. Parece que os pombinhos íam lá à ponte, colocavam um cadeado com os nomes dos dois e votos de amor eterno, fechavam-no e deitavam a chave ao rio. Só que aquilo começou a tomar tais proporções que a Câmara Municipal tinha-se visto obrigada a ir lá retirar os cadeados que todos os dias brotavam que nem cogumelos e que entretanto começaram a espalhar-se por outras pontes da cidade. Não sei se foram os protestos ou a insistência das pessoas, mas o que é certo é que ao fim de algum tempo as autoridades parisienses limitaram-se a encolher os ombros e a deixar os cadeados onde estavam.

No dia em que fomos a Paris, na correria entre escalas, tivemos de ir espreitar a tal ponte.


E lá estavam os cadeados todos pregados à Pont des Arts, de todos os tamanhos e feitios, com as inscrições dos amantes.




Eu bem espreitei lá para baixo para o rio, na esperança vã de vislumbrar alguma chavita lançada ao rio. Mas parece que o metal não flutua e um rio de cidade não é propriamente translúcido... Mas fiquei contente por ter testemunhado esta curiosidade que apanhei nos Portugueses pelo Mundo por acaso, e que de outra forma não iria encontrar ou saber o que significava.



S.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Conferências Parte II

Hoje foi dia de nova conferência, a conferência MASTER relacionada com os direitos das mulheres (o dia escolhido não foi coincidência).



desta vez há foto!

Desta vez havia português. Aliás, havia todas as línguas, menos "malti" e "gaeilge". Foi com borboletas no estômago que ouvi uma intervenção em português, num hemiciclo do Parlamento Europeu cheio de gente, gente essa, como não podia deixar de ser, com os auscultadores postos. Eu fiz questão de tirar os meus e pousá-los com muito orgulho ao meu lado, enquanto a senhora debitava palavreado na minha língua.




Se eu ontem pensava que tinha havido muita pluralidade linguística, hoje foi o auge. Segui quase tudo em português, mas às tantas começou-me a fazer impressão uma coisa: só havia dois intérpretes portugueses. Ou seja, nas cerca de dez línguas que se falaram ali, estas duas pessoas partilharam entre si a interpretação para português. Como é possível...! Que me lembre, o homem interpretou de alemão, polaco, grego e outra qualquer. A mulher interpretou de italiano, espanhol, inglês, húngaro e sueco. Poliglota, disse eu?...

E porque é o dia que é e tem tudo a ver, aqui vai:




Com imagens atinge-se uma compreensão maior que com milhões de palavras.

S.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Frankie Boyle a ser o Frankie Boyle


Porque os britânicos ganham aos pontos em humor negro. Mas de longe. E este senhor é particularmente virulento.



S.

Aqui não há más línguas

Uma das minhas paixões de sempre são as línguas. Língua, linguagem, linguística sempre foram para mim fontes de grande interesse. Amo dissecar gramáticas, perceber as regras que regem diferentes línguas, sou uma nazi da ortografia. Mas sobretudo, fascina-me o mistério que encerra uma linguagem que não se conhece e o processo de se passar a perceber, o desvendar desse mistério. É a sensação de se ter achado qualquer coisa.

A minha opinião sobre as línguas tem-se alterado com o tempo. Um dos meus objetivos de vida, desde muito cedo, era o de chegar ao nível do inglês dos nativos, uma obsessão que persegui com muito prazer. A minha língua materna foi durante muito tempo desprezada por mim, não com descuido porque sempre me fez espécie português assassinado ortografica e gramaticalmente, mas porque a considerava de segundo grau. Hoje atingi o nível de inglês que sempre quis mas entendo que não é o de nativo, é apenas o de equivalente-a-nativo, o que faz toda a diferença. Hoje entendo que a língua materna é única, e que a nossa ligação com ela não pode nunca ser destronada por nenhuma outra; é uma ligação demasiado entranhada na pele e na mente, visceral porque foi a partir dela que se expressaram pensamentos, emoções, a vida, no fundo.

Ainda assim, línguas no geral e línguas europeias em particular continuam a fascinar-me e um dos meus objetivos de vida é tornar-me fluente em mais duas ou três. Tornar-me uma verdadeira poliglota.

O multilinguismo no Parlamento Europeu atinge um nível inimaginável. Foi aqui que eu me deparei com o que é realmente ser poliglota. E serviu para me aperceber que estou muito longe disso. Muito mesmo. Para minha grande satisfação - e mortificação, ao mesmo tempo - o francês é a verdadeira língua de trabalho. O inglês tem o estatuto cliché que se sabe, língua internacional e não sei quê, e como não podia deixar de ser é muito utilizada. Toda a gente o fala. Até aqui nada de novo. Mas o francês compete fortemente com ele. As pessoas não se dirigem a nós em inglês, como seria de esperar; dirigem-se em francês. É muito frequente a conversa resvalar para inglês, mas ainda assim, o facto de a língua de primeira escolha ser o francês diz muito sobre a importância desta língua.

Ontem assisti a uma reunião do meu departamento que foi conduzida em francês. Segundo o chefe do departamento, era costume. Uma hora e meia de francês meio formal meio informal, dito por várias pessoas, em vários sotaques. Mas invariavelmente fluente. Foi um bom exercício para as minhas competências linguísticas de compreensão auditiva. De repente ouvia alemão entre um par de pessoas, ou esloveno entre outro par. Termos ingleses surgiam aqui e ali na conversa. A linguista que há em mim olhava e ouvia fascinada. Mas lá está, nativa só lá estava uma. Descobri-a facilmente, mesmo que só tenha entendido uns 40% de toda a conversa.

Hoje fui à minha primeira conferência cá, sobre igualdade de género, como não podia deixar de ser. Mais fascínio para cima. As salas de conferências/reuniões são dispostas em hemiciclos, e na parte de cima das salas, a toda a volta, estão 23 cabines. Cada uma para uma língua oficial da UE. Estão lá, os nomes da língua e um número à frente.

Ora e o que é que se passa normalmente. Cada orador fala na língua que bem lhe apetecer, frequentemente na sua língua materna. Em cada lugar existem uns auscultadores ligados a um transmissor, e é só escolher o canal referente à língua que se quer ouvir. Hoje foi maioritariamente sueco. Devo dizer que durante a apresentação em francês me aguentei estoicamente sem ir a correr buscar a interpretação inglesa (a cabine portuguesa não estava ativa para esta conferência), mas quando começou o sueco fui a correr enfiar os auscultadores nos ouvidos e mudar para o canal "English".

Nunca tinha assistido a interpretação simultânea. Que mind-fuck. Como a cabine do inglês estava mesmo à minha frente, eu não sabia para quem olhar, se para a senhora sueca que estava a falar, se para a senhora inglesa que gesticulava dentro da cabine e cuja voz se sobrepunha ao sueco ininteligível da outra senhora. Depois foram perguntas em inglês e respostas em sueco; tira auscultador, põe auscultador. Houve ainda uma apresentação que foi recitada metade em húngaro, metade em inglês.

Claro que não resisti a fazer zapping pelos outros canais linguísticos. Os oradores estavam a ser interpretados para alemão, inglês, francês, italiano, espanhol, húngaro, e mais outra que não me lembro. A cabine do português estava vazia, mesmo atrás de mim.

Eu sabia que isto era assim, juro que sabia. Sabia da tradução de pelo menos toda a legislação europeia para as 23 línguas oficiais, e que havia interpretação simultânea também. Mas ver - ouvir! - no terreno é completamente diferente. A UE faz tudo o que está ao seu alcance para mitigar a barreira que é talvez a mais penosa entre os povos europeus: a língua, tratando todas as línguas como iguais. O facto de uma pessoa que vai falar poder expressar-se na sua própria língua e ser traduzida para todas as outras 22 - virtualmente, nem sempre estão disponíveis as interpretações simultâneas de todas para todas - é simplesmente fascinante. E muito cosmopolita.

Custa dinheiro? Custa. E dá muito trabalho. Mas há coisas que não têm valor. E o respeito pela característica mais fundamental da nossa identidade - a língua - é um deles.



Esta foi a imagem que encontrei onde se veem melhor as cabines de interpretação. Sim, porque passadas duas semanas eu continuo a ter uma única foto de Bruxelas. Já começa a roçar o ridículo.



S.

terça-feira, 6 de março de 2012

Se calhar o inverno é isto

Qual não foi a minha surpresa ontem quando caminhava pela rua em direção ao trabalho, de guarda-chuva em punho porque a chuvinha molha-patos é aquela coisa irritante que se sabe, e começam a cair farripas branquinhas do céu em vez de água. O sorriso de orelha a orelha foi instantâneo, acontecimento raro àquela hora da manhã. Quando chego ao escritório e olho pela janela, as farripas brancas tinham-se transformado em verdadeiros flocos de neve, a cair profusamente como eu nunca tinha visto.

Que maravilhosa surpresa! Que sensação de Natal em pleno março! Não foi suficiente para acumular no chão mas contando que me tinha aventurado a ir de salto-alto, ainda bem. À tarde, de cada vez que passava por um carro estacionado cheio de neve no pára-brisas, o meu coraçãozinho dava um pulo e o sorriso regressava.

Hoje, quando voltava para casa, vi o céu azul (?) pela primeira vez. Foi uma supresa bem-vinda, para contrastar com o cinzento carregado que já era uma constante, mas tinha-me esquecido da palidez do céu do norte da Europa. O azul do céu lisboeta, mesmo durante o inverno, é único.




S.

sábado, 3 de março de 2012

Quase lá(r)

Já temos uma morada. Com direito a número de porta, nomes na campainha e na caixa de correio (nota mental para lá os colocar) e chaves.

Para minha grande surpresa, fui informada ontem que é obrigatório por lei belga uma pessoa registar-se na Comuna onde vive, sob pena de ser multada. Uma vez feito o registo, o polícia da zona vai ver se o nome que está na campainha corresponde ao que está registado, e é frequente tocarem à campainha para indagar sobre os residentes. Raio de controlo...

Agora, é tornar a casa em lar: desfazer as malas, arrumar tudo direitinho, compras de primeiro abastecimento, dispor os móveis ao nosso gosto. E devagarinho ir acrescentando uma coisinha ou outra à decoração e funcionalidade da dita cuja. O único senão é a incerteza sobre a duração da estadia, que impede  o investimento emocional e monetário que a casa merecia.

Ainda assim e até agora, estou bastante feliz com o resultado.



S.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Eram 27, agora são 28

Mentira. Disse ontem que ainda não tínhamos tirado nenhuma foto de Bruxelas, mas afinal há uma.




Esta, que na minha histeria UE-induzida não pude deixar de tirar. Mostra que já adicionaram um 28º mastro para a Croácia que aí vem (julho de 2013), em frente do edifício da Comissão. Neste momento só lá está a bandeira da Croácia, há-de tornar-se uma bandeira azulinha da UE como as outras.

A primeira coisa que me lembrei foi a de ter estado ali há uns bons meses e comentar com a minha prima, por entre gargalhadas, que já não havia mais espaço para adicionar mais postes para bandeiras. Daí que a UE não podia absolutamente alargar para mais ninguém: não há espaço à frente do Berlaymont, não há, azar.

Mas afinal parece que há sempre espaço para mais um, fisica e simbolicamente. :)



p.s. não é que eu seja rapariga de me importar muito com tempos e climas, mas só para referência, ainda não vi uma pontinha de sol desde que cheguei. E depois é Londres que tem a fama de cinzenta, tss, tss.



S.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Primeiros dias, primeiras impressões

É sempre assim: os primeiros dias nunca têm fotos a gravá-los para a posteridade. A incerteza quanto à morada,  o andar atarantado pela cidade desconhecida, a procura incessante de casa e as malas às costas implicam que apeteça tudo menos sacar da máquina e fotografar o que se vê pela primeira vez. A mentalidade do "tenho tempo" também ajuda a adiar as fotos.

A sensação de descoberta é para ser aproveitada. Afinal, só se veem as coisas pela primeira vez uma única vez. E fotos há-as no Google.

Com casa já garantida e data de mudança marcada já dá para respirar e saborear melhor a cidade que vai ser a nossa casa pelo menos nos próximos cinco meses. Tudo gira à volta desse ponto que é a nova morada: o caminho que se faz todos os dias, a paragem de metro/autocarro/tram onde se espera o transporte, o supermercado onde se faz as compras, a loja de lavar-roupa onde se irá - pela primeira vez - pôr roupa a lavar. Por isso ontem o dia foi de passear calmamente e à deriva pela zona onde iremos viver. O que se viu, gostou. É uma zona calma mas central, com muito comércio, pracetas agradáveis e até uma igreja antiga. Deparámo-nos com um mercado de rua numa dessas pracetas, e o passeio tomou proporções mais agradáveis ainda, por entre os cheiros das comidas de barraquinha (incluindo as gauffres de cá, que já vão sendo lanche regular), as cores vivas de legumes e frutas variadas, e até talhos e peixarias ambulantes.

Hoje foi o primeiro dia de trabalho. O estágio no Parlamento ganhou finalmente uma dimensão real na minha cabeça, como eu sabia que só estando lá, conhecendo colegas e supervisores, ía acontecer. Ainda estou um bocado, hmm, overwhelmed, nem que seja pelo sítio em si, mais diverso do que eu podia pensar, com mais gente, mais línguas, mais movimento  e mais labiríntico do que eu o imaginava. Os pés têm de se manter bem assentes na terra, ao deslumbre sou dada com alguma facilidade, e a UE já tem o espacinho no meu coração e imaginação que se sabe. São estas as impressões dos primeiros dias.






S.