terça-feira, 4 de outubro de 2011

Literatura para porteiras

Inspirado nisto:



Acabei o tão aguardado Jane Eyre, que me foi altamente recomendado.

Acertadamente.


Adorei. Prendeu-me às páginas como nem todos os clássicos o conseguem fazer. Ao início custou-me um bocado a entrar na personagem, a gostar dela, a percebê-la. Mas a partir das 100 páginas apanhei o bichinho vira-página, já era com grande entusiasmo que pegava no livro. A partir do meio já o lia em qualquer lugar, ele era metro, ele era paragem do autocarro, só não lia enquanto caminhava pela rua porque ainda assim prezo a minha dignidade e não me apetecia esbardalhar-me no chão.

Dou-lhe quatro estrelas e meia. Só não dou cinco porque o fim foi um bocado chocho.

 SPOILER EM BAIXO








Então não é que a rapariga, toda educada e culta como se quer, sem laivos de materialismo nem de afetações parvas de feminilidade ou vaidosismos, desiste de fazer qualquer coisa de útil na vida e vai-se dedicar a tempo inteiro ao marido?! Nem uma escola de raparigas, nem um trabalhinho como enfermeira, governanta da enteada, qualquer coisa do género? Eu já nem digo ir para a Índia, como esteve quase para acontecer, já que frágil como ela era aquilo não era coisa para durar muito tempo. Agora, 24 horas com o marido, sempre a falar, sem um momento para respirar sozinha, fazer qualquer coisa parva daquelas que só fazemos quando estamos sozinhos, epá... Meteu-me impressão. Eu a pensar que aquilo era uma história com um leivo feminista implícito, impercetível, a provar às mentalidades do séc. XIX que uma mulher pode ser muito mais do que uma escrava do lar e da família, e afinal cai tudo por terra nas últimas 40 páginas. Enfim, não se pode ter tudo.

Tirando isso, livro fabuloso. Na escrita, nada a apontar, flawless, bem corrida, refinada, perfeita. A história dá cambalhotas completamente inesperadas, o que é receita ideal para prender a atenção.

Recomendado.



S.

6 comentários:

  1. im glad you liked it!

    a jane eyre é a minha grande heroína. tal como tu, quando o li (em paris) nao o largava, li a maior parte no autocarro. nunca me identifiquei tanto com uma personagem num livro... o orgulho, a dignidade, a rectidão moral, a personalidade forte, tudo contrasta com o resto das personagens, sobretudo as mulheres que sao retratadas como o arquétipo típico feminino naquela época- submissas e respeitadoras da ordem natural das coisas (do seu papel tradicional na sociedade- filha, mãe, irmã... mas nunca mulher a nível individual). Jane era sonhadora, ambiciosa, e acima de tudo verdadeira, dizia o que sentia sem pensar nas suas consequências numa época de rígidas hierarquias sociais. A própria relação com o Rochester nasceu dessa sua naturalidade e espontaneidade, tão nunca ele tinha conhecido uma mulher assim... tão livre no seu ser. Concordo contigo, fiquei triste com o fim.. mas só porque tinha acabado! Queria que tivesse continuado, mas tudo o que é bom...
    No final, depois de descobertos todos os segredos do passado, todas as desavenças e desonras, o amor acaba por vencer. Mas quero acreditar que Jane não perdeu a sua integridade moral e espírito livre ao receber Rochester de volta. Ele tinha aprendido já com os seus erros (de uma forma violenta e irremediável) , e ela, afinal, não poderia ser realmente feliz estando longe...

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  2. Atenção, eu não discordei que ela tivesse voltado para o Rochester, como eu estava certa de que tinha de acontecer (ainda que por algum tempo tenha mesmo acreditado que ela ía ceder à pressão do outro)... Apenas fiquei desiludida com a exclusividade que ela deu à sua dedicação para com o marido. Pareceu-me pouco... Especialmente quando ele recuperou a visão, acho que ela podia se ter empenhado noutro coisa qualquer, "também", nunca "em vez de"

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  3. ora, nunca se sabe! o fim está em aberto..fica para a nossa imaginação. Ela retrata apenas uma parte dos seus dez anos do casamento, sabe-se lá que outras ocupações ela teria! :P
    Enfim, não me consigo desiludir com este livro, é talvez o único!

    Engraçado, esta tua crítica do livro faz-me lembrar uma discussao que tive com um amigo meu sobre os Maias. Eu dei 4/5 porque também não gostei do final. Aí sim, fiquei bastante desiludida. Depois do climax, da descoberta do incesto, o carlos da maia vai-se embora, cobarde, nem confronta a maria eduarda, manda o amigo falar.. e dela nem se sabe a reacção, sabe-se apenas que foi embora para paris como lhe tinham mandado. Achei tão... pouco. Estava à espera de confronto, drama, emoção... enfim tudo o que se espera que decorra de uma notícia daquelas. Mas não, tirando o coitado do Afonso que acaba por morrer (também sem dizer nada em concreto ao neto sobre o assunto, mostrando apenas angústia e algum desespero), cada um acaba por seguir com a sua vida como se nada fosse. E pior, o Carlos ainda usou e abusou da Maria depois de saber da notícia e no fim nem é capaz de a confrontar pessoalmente. A forma como o Eça retrata as mulheres nos Maias, pela visão dos homens, é simplista demais. Umas são amantes, fracas, submissas... Maria Eduarda também é vista como uma coitada, sem força, que sofreu muito na vida, e que sozinha acaba por não atingir nada. O que lhe vale é a "bondade" dos homens que a vão "apoiando" ao longo da vida... É neste contexto que acho que livros como "Madame Bovary" e "Jane Eyre" são tão importantes, porque mostram o que era ser mulher naquela épica, através da sua própria voz.

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  4. O curioso é que já tentei ler esse livro umas 40 vezes e nunca acabo.

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  5. Em relação aos Maias, aquela relação sempre soou a falso, por eles serem tão perfeitos e não sei quê. As descrições da aparência deles então mesmo deus, mesmo irrealistas.
    Quanto ao final, sempre me pareceu que tem de ser entendido à luz do fatalismo da hereditariedade que era uma teoria muito badalada na altura (aulas de português...) Tipo, o pai era cobarde ou que era, logo, o filho acabou por se revelar assim no final, apesar da educação completamente diferente que o avô lhe quis dar para evitar esse determinismo. Quanto ao retrato que o Eça faz das mulheres... Epá, não se pode pedir milagres :P Bons retratos de mulheres só mesmo escritos por mulheres e na primeira pessoa.

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  6. Miss Murder, a primeira parte é um bocado difícil de ultrapassar, a fase da infância e depois da escola é um bocado secante... Se a aguentares, depois tens recompensa com o resto.

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