Sinceramente ainda não sei ao
certo qual foi a minha ideia em meter-me nesta viagem. Decerto que a beleza ou
fealdade de uma cidade não deveriam ser critérios prioritários na escolha
da universidade para se estudar. Mas a viagem foi pensada numa altura
em que a angústia da escolha que brevemente terei que fazer estava a pesar
especialmente e, por isso, cá estou eu. Sendo o resto igual, pode ser que a
beleza seja um bom critério de desempate. E qualquer pretexto para voltar
à Inglaterra é sempre bom.
Isto faz-me lembrar que amo
comboios. Se pudesse não trabalhava a partir de casa, trabalhava a partir
de comboios. Metia-me num comboio qualquer e, ala por essa Europa fora. Era capaz
de sair um bocado caro, ao fim do mês, mas provavelmente nem tanto como
alugar um escritório. E a vista móvel compensaria grandemente.
Ainda não tenho a certeza
absoluta de que mudar-me para Inglaterra seja a melhor coisa a fazer.
Tenho um fascínio enorme por este país, misturado com muito carinho, mas ele
tem coisas que me irritam profundamente. A mania de que não é Europa é a maior.
Seria extremamente irónico para uma europeia convicta vir estudar
coisas europeias para um país que parece estar a descascar a sua
europeanidade aos poucos. Se os Tories vencerem as eleições para o
ano e no referendo de 2017 os britânicos abandonarem a UE, não sei como
vou reconciliar as minhas duas paixões. Se a Escócia se for embora em setembro
então seria o cúmulo. A Inglaterra a resvalar cada vez mais para a periferia,
cada vez mais isolada. Burros do caraças. O “orgulhosamente sós” não vos
serviria, acreditem.
Viver em Bruxelas tem muitas desvantagens
e eu nunca me cansei de as enumerar, muitas vezez com lamúria desnecessária.
Mas se há coisa que soa incrivelmente a privilégio em viver nesta cidade é a
centralidade. Não só por ser o centro político europeu e tudo o que isso gera, mas
por estar no centro geográfico da Europa. Ter tanta cidade a uma hora de avião,
ter mais ainda a duas, e ter umas consideráveis a duas horas de comboio,
incluindo Londres, Paris e Amesterdão. É uma sortuda geográfica, a cidade.
A geografia influencia muito do
resto, claro, incluindo história, fronteiras, mentalidade e relações. As fronteiras
belgas não existem fisicamente há mais de 20 anos, como no resto da Europa, mas
também não existem mentalmente. É tão fácil e tão perto ir ali a França, ir ali
à Alemanha, ir ali ao Luxemburgo, ir ali à Holanda. Lembro-me de na viagem que
fiz para Estrasburgo, uma rota quase reta para sul de comboio, ter tido que
desativar as mensagens automáticas de roaming porque o meu telemóvel parecia um
alarme, sempre a apitar com info “Chegou à Alemanha! Chamadas custam X,
mensagens custam Y.”, “Chegou à França! Chamadas custam X, mensagens custam Y.”,
e depois as fronteiras não são retas, enquanto a rota ferroviária é, por isso o
comboio estava sempre a entrar e a sair desses dois países. A geografia está-se
bem marimbando para as decisões humanas políticas e por isso aqui eu aprendi a
fluidez das nações e senti-me sempre na Europa, onde quer que tenha ido. E isso
foi mesmo fixe.
Por isso voltar à ilha será
voltar à periferia, tanto geográfica como mental. E isso deixa-me um bocado
desconfortável.
Voltar à Inglaterra é também um
bocado triste por razões linguísticas. Vivendo no continente tem-se sempre a
língua materna, a língua franca internacional e a língua do país hospedeiro com
que lidar. E ainda que eu não tenha dado a atenção e cultivado o meu francês
como seria suposto, e ir embora da Bélgica com a vergonha linguística que cabe
a alguém que viveu aqui dois anos e meio e não consegue ter uma conversa
prolongada em francês, gostei muito de ter tido que lidar com uma língua
estrangeira que não o inglês. Voltar à Inglaterra será voltar a ser preguiçosa
linguisticamente. Não sei como vou gerir este regresso à zona de conforto com a
minha curiosidade cultural e linguística para com o resto da Europa (a última
tentativa, com o alemão, não correu assim tão bem). Talvez o futuro daqui a uns
anos me lance outra vez para a mainland. De preferência, de comboio.
S.
Aproveita bem a estadia e espero que venhas com as ideias mais definidas.
ResponderEliminarBeijinhos;
Mãe