quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Olha o número quentinho!

Apetece-me chorar de alegria:



As temperaturas de dois dígitos vão voltar.




Oh, as oportunidades que se abrem...!



S.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Sei o que fizeste o 26 de fevereiro passado

Andei o mês todo a pensar nisto e até fui ver o e-mail da reserva do avião para descobrir o dia certo em que tínhamos chegado a Bruxelas.

Reparei hoje que faz um ano que nos mudámos para Bruxelas. 

É a primeira vez, desde que começámos a morar juntos, que paramos um ano no mesmo sítio. E eu que estava tão convencida que seria Londres a quebrar a marca... 

Não temos intenções de sair daqui tão cedo mas muito menos de ficar aqui muitos anos. Vai-se deixando andar, num misto de ir-se com a corrente do dia-a-dia e ter-se umas imagens esboçadas sobre onde se quer estar no futuro próximo.

Agora, com o ciclo anual fechado, e à medida que os próximos meses se desenrolam, começam as comparações inevitáveis - especialmente com o tempo que faz e o que fez o ano passado. E com o que se estava a fazer há um ano, e onde fomos passear, e com quem estávamos e o que sabíamos, e o francês que falávamos e percebíamos. 

Esta cidade de vez em quando frustra-me, dá-me algumas dores de cabeça, mas também foi ela que me deu o meu primeiro emprego a sério, a possibilidade de me deslocar a pé para o trabalho e a facilidade em lhe escapar quase todos os meses devido à sua centralidade. Por isso as minhas queixas são relativas.






S.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O patriarcado tira-me o sono - literalmente

A minha madrugada foi difícil. Voltas e voltas na cama tentando adormecer e falhando miseravelmente, devido a um misto de não-sono e cabeça a fervilhar. Teria passado melhor o meu tempo a ver os Óscares (e daí talvez não - sou só eu que acho um ultraje que o Argo tenha ganho melhor filme? Que duas horas tão olvidáveis de filme, que coisa tão somente razoavelzinha, credo).

Tenho sempre as minhas melhores ideias antes de adormecer. Como a noite anterior foi propícia à insónia, do ponto de vista das ideias foi muito frutífera. Esbocei todo um post na minha cabeça sobre a representação da mulher na televisão portuguesa, que envolvia alguns filmes norte-americanos que vi há pouco tempo, mais o Vale Tudo, o Odisseia e o Preço Certo. Entretanto, o sono passa por uma pessoa e esvazia-lhe a cabeça de todas as ideias brilhantes e fica antes esta amostra de post. Mas como se diz na loja: "Olhe, é o que há."

Desde que comecei a ler noutras áreas da igualdade de género que não a académica conciliação trabalho-família que a indignação cresce. A ignorância é mesmo uma benção. Fiquei especialmente indignada desde que assisti a uma conferência extremamente informativa e assustadora sobre a over-sexualisation of girls, na qual fiquei a saber que há um número cada vez maior de raparigas a verem o lap-dancing como uma boa profissão, muito porque o que se celebra nos media é o sex-appeal das mulheres, seja em anúncios, programas de televisão, concursos, filmes, jogos de vídeo, revistas. Que todas estas mensagens, uma aqui, uma ali, mas num fluxo constante, todos os dias, as faz associar o seu valor-próprio ao serem sexualmente atrativas.

Não quero enveredar pela questão de quem tem a culpa: se são os paizinhos, se é a televisão má, se são as revistas cor-de-rosa, se é a cabeça oca característica da adolescência - até porque todos, se bem que uns em maior grau que outros, têm a sua dose de culpa. Mas com isto tudo arranjei um jogo novo: descubra-o-estereótipo.

É muito divertido. Passa primeiro por observar os diferentes tipos de formas simplistas com que as mulheres são representadas nos media (vamos focar na TV e cinema). Vou já adiantar um mega spoiler: não são muitas. Ui, disto é que não estavam à espera! Normalmente há:

- a histérica/neurótica, que tem muitas variantes (mãe-histérica, namorada-neurótica, são exemplos), e é muito frequente nas rom-coms hollywoodescas;

- a sedutora, que não serve outro propósito no filme que é estar ali, servir de fantasia aos atores principais e ser um pretexto para as peripécias em que estes se envolvem. É também frequentemente apenas uma espécie de bengala às qualidades do ator principal, assim uma espécie de prémio que este conquistou por ser tão esperto/bonitão/charmoso/astuto (coughJamesBondcough);   

- a virgem, a inocente, a pura, que contrasta fortemente com a sedutora e que merece tudo de bom deste mundo e do outro. No entanto, e especialmente nas comédias de adolescentes, serve o mesmo propósito em relação aos atores principais;

- a mãe, muito semelhante à virgem mas de características dóceis, maternais, self-effacing. Nunca vale por ela própria e é muitas vezes também uma personagem-bengala para outra bem mais importante.

É mais ou menos isto. Claro que estas são personagens-tipo, estereótipos, e normalmente os senhores cinematógrafos conseguem meter uma ou outra variante que tenta dar um toque de originalidade à personagem que, pensam eles, acabaram de inventar. É tentar tapar o sol com uma peneira. E é risível o número de vezes que estas personagens-tipo aparecem e re-aparecem depois de se lhes soprar a camada muito fininha de perlimpimpim de originalidade que tinham. Chega a ser um bocejo.

Por isso ando sempre à cata de filmes, livros, programas e histórias que representem personagens femininas de forma original. Para não me arrancarem fortes bocejos, ou rangeres de dentes demasiado sonoros. O que é curioso é que normalmente encontro-os onde menos espero. E acho que isto agora tinha tudo para dar para rubrica, do género: eu metia aqui de vez em quando um livro ou filme ou série ou programa de TV que tivesse apanhado, e apontava-lhe o dedo envergonhador-do-cliché-feminino, ou aplaudia de pé a originalidade da representação de uma rapariga ou mulher qualquer. Porque tenho-os encravados na garganta aos molhos.

Ontem durante a insónia tinha uns quatro ou cinco programas muito bem explicadinhos na minha cabeça, com argumentos demolidores muito bem alinhavados e tudo; hoje só vejo umas sombras. Mas, bom, lembro-me que um era o Odisseia (e não, nem pensar que vou para a Casa dos Segredos. Demasiado explorado - em muitos sentidos).

Ora bem, o Odisseia. O Odisseia tem a fama - e ganhou-a muito antes de estrear, por ser o novo bebé do Bruno Nogueira - de ser um programa de humor inteligente, muito à frente e muito diferente do resto. E normalmente, é. Já me arrancou boas gargalhadas, é uma meia-horita bem passada; mas sinceramente também já me arrancou muitos bocejos e muita sobrancelha erguida. Mas foi desde que o apanhei com o pé na argola à terceira vez que me encolhi como quando se ouve uma unha a riscar um quadro de ardósia. Então não é que os sacanas conseguiram enfiar as três personagens femininas principais em duas personagens-tipo tão perfeitinhas que chega a ser doloroso jogar ao descubra-o-estereótipo?  A primeira foi a Rita Blanco que, admito, de personagem tão extremamente neurótica tornou-se ridicularmente mas brilhantemente desenhada. Aí estava o tabuleiro de jogo arrumado porque seria a exceção à regra, de uma história até aqui estereótipo-free. Mas depois foi as raparigas-fãs que apareceram e que serviram para o BN achincalhar em apenas uma ou duas linhas de texto, a ex-mulher a chatear o maridão em férias porque decidiu partir numa viagem sem rumo nem duração definidos, tendo dois filhos pequenos (o que eu gostava de ver uma mãe fazer isto...! - a sério, estou a dizê-lo sem sarcasmo nenhum: gostava de ver um filme onde uma data de mães partiam numa road-trip porque a maternidade e os diktats de mulher-perfeita tinham-nas feito dizer "basta! preciso de um intervalo". Isso é que era original...), ou aquelas duas ou três raparigas que apareceram apenas para participar na orgia, e que depois aparecem no barco deles meias-nuas e que mal abriram a boca para falar. Só para sorrir, claro está. Concedo: a parte da novela mexicana foi original e deu para gargalhar, mas logo a seguir veio o grande plano do Nuno Lopes a beijar as bochechas do rabo da Joana Duarte e a mandar uma piada qualquer enquanto ela se ia embora e eu fiz o segundo maior facepalm da vida. "A sério, Bruno Nogueira? A sério?". Se bem que não foi completa surpresa nem out-of-character, esta linha de enredo - afinal eu oiço o Tubo de Ensaio regularmente e, oh se eu ganhasse um euro por cada vez que ele chamou gorda à Merkel ou fez crónicas com a palavra balofa incorporada. Foi apenas uma desapontante constatação. 

Depois temos o Vale Tudo, bem mais popularucho, de humor fácil, dirão muitos, mas que supreendentemente me diverte mais que os episódios da Odisseia. Não está isento de estereótipos - numa palavra: Luciana - e o número de piadinhas brejeiras tem uma correlação positiva com as vezes que o João Ricardo abre a boca. Mas tem jogos de mímica divertidos, histórias inventadas no minuto cuja comicidade varia com a espirituosidade de quem nelas participa, e mulheres participantes witty e originais. Foi uma grande surpresa, acrescento. Dá-me é sempre uma grande tristeza por não ter acompanhado o 5 Para a Meia-Noite na altura em que a Filomena Cautela o apresentava.

Chega por hoje. Ainda queria falar do filme 7 Psicopatas e um Shih-Tzu, e do Sexo e a Cidade, ou do Bridesmaids, do Hunger Games, ou até do We Need to Talk About Kevin, ou até de, haha Harry Potter :D 




mas amanhã é outro dia. E hoje já vou dormir melhor.

S.              


P.S. - E porque hoje  foi dia de Óscares e tem tudo a ver com isto da representação da mulher nos filmes, é ler este artigo sobre a categoria de Best Supporting Actress que dá que pensar ;)

Update: Entretanto, a minha amiga B. mostrou-me este link, também sobre os Óscares, e que é uma amostra fiel do quantidade de sexismo que a TV alberga: 9 Sexist Things That Happened at the Oscars.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Chá de algas

Os chás andam afastados aqui do blog. Mas sem razão. O seu consumo continua extremamente elevado (só não perigosamente elevado porque intervalado com chocolate quente) e recentemente fiz duas descobertas. 

Bem, uma delas não foi uma descoberta minha. A minha prima J. foi passar o Natal a Tóquio e trouxe-me a melhor prenda que alguém me pode oferecer: um chá diferente.



De notar que, por razões óbvias, nenhuma de nós tinha qualquer ideia sobre que chá era este (a única coisa que conseguimos ler foi que a embalagem tinha 10 pacotes; e mesmo assim, considerando que depressa se chega aí, contando-os, não foi uma descoberta particularmente conquistadora). Foi por isso com duplo entusiasmo que estreámos em família este novo chá. Um bocadinho a medo, tenho que confessar.

Começa-se pelo cheiro, claro está, para tentar antever ao que é que aquilo saberá.

Cheiro: praia durante a maré vazia.

Isso mesmo. Um cheiro intenso a lapas ou a mexilhão acabado de apanhar, cheiro àquelas poças que ficam nas rochas quando a maré está baixa, cheias de limos verdes, peixinhos pequeninos, ouriços e anémonas. Cheiro a férias de infância, portanto. Nada mau para começar. Um cheiro invulgar para chá, mas reconfortante.




A cor é esta: verde intenso, o mesmo verde - lá está - dos limos dessas poças. Começámos a suspeitar que o chá era mesmo chá de algas.

Nunca tendo provado algas, não podia dizer com certeza. Mas o sabor era o mesmo que o cheiro portanto acho que acabei por provar a minha primeira bebida/comida feita desses vegetais marítimos.

É um sabor estranho a princípio, mas uma pessoa habitua-se. E dá sempre a sensação de que se está a beber iodo, e isto, numa terra onde o peixe fresco é raro e custa os olhos da cara e onde o mar mais próximo fica a duas horas de comboio, torna-se positivo.



S. 

sábado, 23 de fevereiro de 2013

O meu pai é feminista e não sabe

*Este título é um bocadinho à laia de provocatório porque o meu pai sempre foi um bocado impaciente face à pomposa igualdade de géneros. Mas espero que lhe seja desculpável porque o conteúdo foi escrito com o coração.



Há aquele lugar-comum do não faças como eu digo, faz como eu faço. Ou que uma ação vale mais que mil palavras. Pois é assim mesmo que eu classifico o meu pai dentro das pessoas feministas. Ele não se diz tal, nunca aspirou a sê-lo, e acho que até lhe faz um bocado comichão o termo. Mas é-o.

O meu pai é, e sempre foi, o meu herói. Diz que é muito comum, as meninas e também os meninos, olharem para o pai desta maneira. Há inúmeras teorias sobre o caso, mas eu não quero ir por aí. Desta vez não se trata de dissecar as coisas racionalmente; este, ao contrário do amor por um filho, eu conheço-o e sinto-o, no que mais de visceral tem. Não preciso de teorias que me o elucidem.

Dizia eu que o meu pai é o meu herói. Infalível como a todos os filhos se assoma, mas apesar de crescida e saber mais sobre isso da infalibilidade do que quando tinha 12 anos, ele continua o meu herói. Isto porque reconheço a sua inflência em quase tudo o que sou. E a sua descoberta no que é a bigger picture do meu eu é frequente mas sempre abismal.

O meu pai teve uma influência sobre a minha educação como mais nada nem ninguém (eu um dia prometo que escrevo para ti, mãe. Sobre o que o teu amor inabalável faz por mim todos os dias, mesmo a 1700 km de distância). E fê-lo sem qualquer esforço. O meu pai ensinou-me a pensar, explicou-me o mundo, mostrou-me o mundo, ajudou-me a direcionar o laser das ambições lá para cima. Todos os dias, durante mais anos do que os que eu consigo lembrar, à hora do jantar - a hora sagrada da família, um hábito que me permanece - eu fiz perguntas ao meu pai, tão inconcebíveis quanto o é a curiosidade de uma criança, e o meu pai explicou, nunca relutante, nunca impaciente, sempre ponderado e muitas vezes lançado em respostas que duravam horas. Algumas delas, vim a saber mais tarde, não eram infalíveis nem verdades absolutas: mas na formação de um caráter, a veracidade absoluta das afirmações tem menos importância do que se julga; o fundamental é plantar a semente da interrogação, mostrar que A e B existem, que são uma possibilidade, que estão ao alcance da nossa compreensão e dos nossos sonhos. A minha curiosidade era saciada só até ao ponto em que surgiam novas perguntas sobre História, sobre o Mundo, sobre os países, sobre o Universo, sobre Química, sobre Física. 

Física. Essas eram as minhas perguntas favoritas. Lembro-me que precisámos muitas vezes de papel e caneta, para essas; envolviam desenhos, círculos, átomos que se ligavam em moléculas e pólos positivos e negativos. Eu ficava embasbacada a ver o mundo caber naqueles desenhos e a ordem das coisas a encaixar com as linhas que o meu pai traçava no papel. Nunca o meu pai se recusou responder a nada, nem nunca ouvi da sua boca a extremamente irritante afirmação: "Ainda és muito nova para entender." Lembro-me de ele falar de política (a Esquerda e a Direita, quem era o Marx, quem era o Salazar), filosofia (a "só sei que nada sei", de como nunca está garantido que o sol se levante amanhã de manhã, o céticismo e os dogmas), história (o resgate dos reféns americanos na Embaixada em Teerão, Cuba, a cisão China-Taiwan, a Guerra do Vietname). Até por explicações da Teoria da Relatividade ele teve que enveredar e adaptar a uma criança. Mas nunca, nunca, o "mais tarde o pai explica". Acho que ele já sabia que o importante é ficar lá na memória, algures, os nomes das coisas e os conceitos. A compreensão constrói-se ao longo do resto da vida.

A eletrónica figurava muito nas suas explicações do mundo. Afinal, uma criança sabe que fonte de informação privilegiada tem em casa e molda a sua curiosidade a tal. Ganhei fascínio pela física muito antes de a começar a estudar no 7º ano. Viagens de avião, idem. Graças à profissão do meu pai, mas especialmente graças à sua paixão por ela, hoje sei muito mais sobre o funcionamento dos aviões do que seria razoável. Na nossa viagem anual ao estrangeiro - ocasião, sem necessidade de dizer, extremamente ansiada por mim o ano todo - voltávamos à rotina das conversas ao jantar, mas desta vez num banco de avião: eu perguntava, ele explicava, entusiasmado como nunca e a entrar por conceitos e nomes por vezes mais difíceis do que eu conseguia atingir. Mas ouvia, embasbacada, a ser-me transmitida a paixão por aquelas máquinas quase-perfeitas através do discurso e dos olhos brilhantes do meu pai. É por isso que nunca consegui ter medo de andar de avião, não de verdade. Uma coisa que o meu pai conhece como as palmas da sua mão e da qual fala com tanto conhecimento e paixão não poderia nunca ser perigosa. E hoje entendo-a melhor do que o funcionamento de um carro.

A paixão verdadeira pelo que faz, e a sua dedicação e esforço para conseguir a profissão que sempre sonhou, inteiramente seus e não adivinháveis pelas suas origens humildes fizeram com que eu, uma rapariga de origens confortáveis mas também humildes, sonhasse com o céu. Por isto, quis ser bióloga marinha, embaixadora, engenheira aeronáutica, engenheira espacial, historiadora. Quis trabalhar na forca aérea, quis trabalhar nas Nações Unidas, na NATO, quis trabalhar no jardim zoológico, na NASA, na União Europeia. Quis viver na América, quis emigrar, quis viajar sempre, muito. Percebi o valor do empenho e do esforço desde sempre, em tudo o que se faça e como precursor do sucesso.

Herdei do meu pai a personalidade serena, pensativa, que muitos tomam por sisuda e distante. Algum enfado com as diligências do dia-a-dia, com as conversas de circunstância, impaciência com gente idiota. Espíritos silenciosos mas extremamente observadores.

O meu pai deu-me a educação mais gender-neutral possível, sem saber o que isso era, e provavelmente antes de o termo ser inventado. Sem ser feminista assumido. Por saber apenas que é assim mesmo que se faz.

O meu pai já era o meu herói antes de eu me dar conta disto. Agora que dou, só me apetece dar-lhe um abraço muito apertado e segredar-lhe um "Obrigado" do tamanho do mundo, por me ter indicado o caminho certo de forma tão natural, sem nunca vacilar.

E porque hoje é o teu dia, decidi dizer-te isto que nunca disse, para saberes que a tua filha te admira como a ninguém e te adora como sempre.

Parabéns, pai.





S.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Descubra as diferenças


Fotos do Parc Cinquantenaire, tiradas com apenas um mês de intervalo, à mesma hora da matina:


   




Continua frio, é verdade. Mas o frio é muito relativo, e 1 ou 2 graus, após terem estado -8º, até parece aceitável. E temos sido brindados com este céu limpo e sol maravilhosos, de maneira que uma pessoa anda é feliz com toda a luminosidade extra e esquece-se de ter frio. No outro dia até saí de casa sem luvas! E os dias estão a crescer a um ritmo alucinante, a caminho da luz às 11 da noite que se espera lá para junho. 

Assim dá gosto levantar de manhã.



S.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

A demanda pela maciez

Sempre me ensinaram que só se fala do que se sabe. Por isso nunca me meti em posts sobre moda, beleza, cosmética, maquilhagem, etc. Não tenho conhecimentos, nem paixão, nem interesse pela matéria. Espreito um blog ou outro de vez em quando com curiosidade, e sigo atentamente o de uma amiga, mas nada mais.

Mas duas exceções se me afiguram: o champô seco, ao qual fiz aqui uma ode há uns tempos - mas cujo entusiasmo já esmoreceu um bocadinho, confesso -, e aos cremes hidratantes de corpo. Toda a minha santa vida me besuntei com eles a seguir ao banho porque a sensação de pele seca mete-me nervosa. Uma pessoa não se pode mexer que a pele começa a arrepanhar e aquilo dá a sensação de que já não cabemos na própria pele. Que se está preso no nosso corpo. Daria palha para toda uma explicação metafórica sobre limitações físicas/limitações mentais mas vou parar por aqui.

A minha demanda pelo creme hidratante perfeito dura assim há tanto tempo quanto me consigo lembrar. Uma vez que odeio perfumes, o meu creme ideal tem que ter estas 3 características fundamentais:

- ter um cheirinho bom;

- ser rápido a absorver pela pele;

- e cumprir a sua função principal: hidratar como deve ser.

A vinda para a Bélgica tornou o último ponto mais urgente e mais difícil de conseguir. A água bruxelense é carregada de calcário, o que significa extra-secura após banho - e também que não se pode beber água da torneira, sob pena de daqui a uns aninhos os rins destas duas jovens criaturas estarem num estado lamentável. 

Ora, eu trazia as minhas embalagens da Dove ou outra marca qualquer de supermercado e rapidamente descobri que o que funcionava razoavelmente bem em conjunto com a água do Oeste português, era um desastre frente à pesada água bruxelense. Decidi confiar no centenário e fiel: a lata azul da Nivea.

Perfeito. Se há coisa que hidrata é aquilo e a minha pele largou as escamas que já andava a formar. É barato, fácil de encontrar e hidratante como nenhum, cinco estrelas.

Pois. Só que às tantas os pontos negativos começam a ser irritantemente óbvios e ao fim de duas latas comecei a pesquisa olfativa pelas lojas de cosmética das redondezas. Queria um creme com um cheirinho bom, e que não precisasse de tanta esfregadela para entrar pelos poros. Por um acaso qualquer descobri uma loja da Rituals, da qual tinha uma vaga memória em Portugal, e decidi começar a cheirar todas as embalagens, um bocadinho a medo porque os preços são puxadotes. 




O cheiro divinal de um dos cremes toldou-me os outros sentidos, especialmente o sentido da poupança, e eu trouxe um boião para casa.

É o verdadeiro heaven on earth.

Aquilo tem um cheiro doce, inidentificável com qualquer fruto ou flor, exótico e muito, muito bom. Normalmente os cremes que cheiram bem ficam na pele só durante dois minutos; o cheiro do Magic Touch (nome foleiro, eu sei, alguma coisa negativa havia de ter) permanece com a mesma intensidade durante horas. (Só para terem uma ideia, eu cheguei a usar aquilo depois de tomar banho no ginásio, e, uma vez, uma senhora veio lá do outro canto do balneário perguntar-me que creme era aquele porque tinha um cheirinho tão bom e lhe estava a chegar lá à outra ponta.) Depois aquilo tem uma consistência que não é manteiga, como os cremes da The Body Shop, nem líquida como os daquelas embalagens altas dos supermercados, é uma espécie de leite-creme, e a pele absorve aquilo num instante. E é a hidratação em creme. Rivaliza sem dificuldade nenhuma com a lata azul.

Pensando bem, aquilo ser caro é relativo; é um pouquinho mais barato do que os boiões da The Body Shop e considerando que é muito mais hidratante e de melhor consistência, acaba por ser uma pechincha. Sei isto porque fui embalada por uma promoção da The Body Shop, em que dois boiões estavam pelo preço de um, e aquilo até tem cheiros agradáveis por isso dei o benefício da dúvida, mas agora anseio por voltar à Rituals, que tenho os calcanhares tipo lixa. (Também nunca lhes dei tanto uso, é verdade, mas é aí que se vê a verdadeira qualidade dos cremes.)

Isto tudo para partilhar a minha felicidade em finalmente ter encontrado o creme hidratante perfeito e dar muitos elogios ao que merece. Nunca se sabe quantas mais pobres almas andarão numa demanda infrutífera pela hidratação perfeita, e ela aí mesmo à porta...





S.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A marcha dos pinguins revisitada

Gosto mesmo muito quando as minhas teorias coincidem com as teorias de outrém. 

O post de ontem de um dos blogs que visito regularmente falava disto: "Como caminhar no gelo", e a exemplificar tinha uma imagem de um pinguim. 





Rebolei a rir. Há um mês falava eu da "Marcha dos pinguins", e de como tinha aprendido através da tentativa-erro a caminhar pelos passeios cobertos de neve. Não sabia era que a comparação com o pinguim era tão certeira.



S.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A dança do bilião

Quando, há umas semanas, o D. me diz: "Dia 14 vou ver o Benfica a Leverkusen", a minha primeira reação foi "Está bem." Mas depois lembrei-me: "Espera lá, dia 14 é Dia dos..."





"A sério? Vais ao estádio no dia dos namorados? Numa saída de amigos? Quão cliché é isso, pá?"

Mas depois lembrei-me das minhas raízes feministas, e que mais cliché do que ir ver bola com os amigos no Dia dos Namorados é ser a namorada que fica aborrecida com isso, por isso esta foi a minha verdadeira reação:






Entretanto, andava a matutar sobre que iria fazer no Dia da Mulher que se aproxima. Há um ano, graças ao estágio no PE, estava em lugar privilegiado para assistir a todas as conferências e mais alguma sobre o tema. Precisamente no Dia da Mulher, tive a oportunidade de assistir a um debate muito interessante sobre a igualdade salarial entre homens e mulheres na UE. Por isso, e como sei que a as instituições europeias são devotas à igualdade de género, a primeira coisa que me ocorreu foi ir pesquisar o que o Parlamento Europeu tinha agendado para este ano.

Em caminho descobri a campanha do One Billion Rising. O título baseia-se na estimativa de que uma em cada três mulheres será, algures durante a sua vida, violentada, abusada ou violada.

Uma em três.

Isto traduzido em números dá 1 bilião. Não sei o que dá melhor compreensão da extensão do flagelo da violência contra as mulheres, se o número 1 bilião ou se a fração 1 em 3. Uma coisa é certa: são demasiadas.

Pelo que consegui saber, o Lóbi Europeu de Mulheres - aka o meu sonho de emprego - estava a organizar uma flashmob no dia 14 de fevereiro ao fim da tarde em Bruxelas como parte desta campanha mundial contra a violência contra as mulheres. Havia ensaios de coreografia e tudo, e todo um código de vestimenta para participar nessa mobilização.

Quatro coisas conspiraram para que eu considerasse que essa flashmob puderia ser o serão perfeito para o meu Dia de S. Valentim:

1. Estava de folga àquela hora naquele dia;

2. Assim como assim iria estar sozinha em casa sem nada de especial para fazer;

3. Preciso de ter uma vida social e societal mais ativa nesta cidade, porque só assim me consigo integrar;

4. Preciso de ter uma vida social e societal mais ativa no que diz respeito aos direitos das mulheres, porque só assim  consigo conhecer pessoas que partilham a minha visão e os meus interesses e os desenvolvo. A Beauvoir é boa companhia mas também preciso de conviver com gente viva.


Uma coisa conspirou para que a flashmob ao ar livre se tornasse uma má ideia:

1. O tempo.


Depois da hora do almoço começou a chover e no meu boletim meteorológico habitual até figurou um novo tipo de tempo: freezing rain. E que é freezing rain? Portanto, não é neve, não é chuva normal, também não é granizo... O que é? Pode-se sempre contar com Bruxelas para inovar no que aos códigos de meteorologia diz respeito. Comecei a temer que a chuva estragasse os meus planos de manifesto feminista.

Decidi ir. Está a chover, que se lixe. Se não fizer nada porque está a chover bem que posso ficar todos os dias em casa. E se está 1 grau, veste-se mais um casaco e siga.

Quando cheguei à Place Monnaie, o ponto de encontro da campanha e onde iria acontecer a dança, fiquei surpreendida com a quantidade de pessoas. Não estava à espera de ver a sala tão composta:




A minha postura demasiado auto-consciente e mais passiva do que gosto de admitir, levou-me a instintivamente procurar um lugar de observadora, e por isso fugi lá do meio e fui-me posicionar estrategicamente entre as colunas do edifício (também queria estar numa posição privilegiada para fotografar e filmar, confesso).

Entretanto, a música começa e o pessoal começa a coreografar:




Não conhecia os passos, mas a beleza das multidões é que se apanha o ritmo instintivamente, e começa a tornar-se impossível ter os pés quietos. Isso e o frio; não há nada como tirar o pé do chão para evitar que um membro nos caia, de dormente que está.

Foi muito inspirador. E superou as minhas expectativas. Não tanto pela música e pela flashmob propriamente dita, os pretextos para o ajuntamento e o grito de revolta, mas pelos pequenos detalhes que vi: as amigas que vieram juntas e que gritaram mais que todos os outros; os cartazes contra a violência; a mãe que levou a filha de um ano e que encorajava a bebé a dançar ao meu lado, e que foi bem sucedida (mais uma prova de que o ritmo de multidões a dançar é contagiante) e que me trouxe lágrimas aos olhos, porque sim senhora, de pequenino é que se torce o pepino, e assim é que é, educar a filha a ter orgulho em ser mulher, sem ser apenas no mais banal da aparência; na velhota de fartos caracóis loiros que entretanto apareceu lá no meio a bambolear e a curtir a música como as raparigas de 20 anos, e que me levou a um grito interno de "Quando eu for grande quero ser assim!"; os homens que apareceram e que se juntaram ao protesto, numa posição de respeito pelas mulheres da sua vida.

Entretanto a flashmob acabou, começou música para animar e aquecer o pessoal ("Vous êtes CHAUDS?" Então não estamos, senhora apresentadora...) e eu decidi sair do meu poleiro e ir mirar as barraquinhas com informação sobre a campanha. Uma senhora entregou-me isto:




Nada mais nada menos que um panfleto sobre aulas de defesa pessoal, defesa verbal, e grupos de auto-ajuda e aconselhamento sobre como as mulheres se podem sentir mais seguras. Quão bad ass, meu deus!

Isto fez-me lembrar um argumento que a Beauvoir faz n'O Segundo Sexo, sobre a relação entre a passividade a que são devotadas as mulheres e o seu sentimento de fragilidade e insegurança. Segundo ela, é necessário que as mulheres participem em atividades físicas, não lhes seja travado o impulso de subir às árvores em criança, de correr, de saltar, de puxar o limite dos seus corpos. Só experimentando o corpo, mexendo-se e raspando joelhos é que a mulher, tal como o homem, ganha consciência do que é capaz, e que as suas conquistas físicas e a boa relação com o seu corpo lhe dão a auto-estima necessária para dizer na sua vida: "Eu sou capaz" e a colocar-se a si própria objetivos mais altos. Eu vou desconfiando que ela tem razão.

Sem saber muito bem como nem porquê, dei por mim no meio da multidão, e a mexer o pé devagarinho. Passados cinco minutos era ver-me aos saltos como uma maluca, a dançar como raramente aproveito, e com um sentimento de irmandade a invadir-me os sentidos. Fala-se tanto da rivalidade entre mulheres, e como as amizades entre raparigas são sempre tão cheias de intrigas, e como é tão difícil trabalhar com mulheres porque são umas cabras umas para as outras, que foi mesmo bom sentir e presenciar a refutação desse mito: o que ali vi foi mulheres a partilharem a felicidade genuína e o sorriso fácil que vem da dança e do mexer o corpo sem qualquer propósito que não o da diversão: sem o propósito de agradar, sem o propósito de seduzir ou sequer rivalizar. Mexer ritmadamente e ao som de música dançante simplesmente porque é divertido.

Fiquei parva comigo mesma; estava a gostar genuinamente de estar ali a dançar!... De notar que eu fujo da discoteca e da noitada como o diabo da cruz. Fez-se mais uma vez a flashmob e eu entrei rapidamente na coreografia, no meio da multidão e sem qualquer preocupação no mundo.

A sessão de anti-self-consciousness fez-me definitivamente bem à alma.

Agora estou aqui sentada no sofá, no quentinho e no silêncio do lar, de pernas dormentes porque levaram dose puxada de abuso hoje - para além da caminhada habitual de commuting de uma hora, ainda me levaram até à Place Monnaie e aguentaram uma hora a pular como se não houvesse amanhã. Mas estou satisfeita, de sorriso nos lábios e com vontade de me envolver em mais coisas destas. Que venha o dia 8 de março!







S.

O meu blog está sem jeito

Tive a inesperada e agradável surpresa de ver o meu post sobre a maternidade mencionado num dos blogs que leio diariamente e que já me deu tanto food for thought: o Boas Intenções da Rita Maria.

Caramba, ainda tenho a cara a arder.




S.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A maternidade como (não) projeto


Nunca ninguém me deu uma razão convincente sobre o porque é que se tem filhos. Para todas as explicações sobejamente conhecidas, ou prós, consigo arranjar outras tantas que as anulam, os contras. A do amor (já tenho pessoas na minha vida para amar, para quê acrescentar mais), a da construção da família (dois não são uma família?), a da descendência (o mundo já está sobrepopulado, para quê botar mais gente), a do continuar a nossa obra (gerar e criar um ser humano para massajar o ego sempre me pareceu duvidoso), a do "porque é mesmo assim a vida" (quem disse?), etc. Eu tenho uma teoria muito própria sobre o porquê que as pessoas têm filhos, mas como é muito parcial, muito fruto da minha não-maternidade, extremamente politicamente incorreta, e não me apetece ser linchada em praça pública, guardo-a só para mim. Um bocadinho do género como quando a Fátima Lopes, farta de as entrevistas que lhe faziam rondarem sempre a pergunta do "Mas não quer ter filhos porquê?" respondeu que as mulheres que tinham filhos era porque não se conseguiam realizar de outra maneira. Assim, muito à bruta e sem rodeios.

Minto; uma vez uma amiga deu-me uma razão que me convenceu de certa maneira ou, pelo menos, deu-me que pensar. Disse ela que as pessoas têm filhos porque isso lhes permite ver tudo de olhos frescos. As pequeninas coisas do dia-a-dia, as coisas maiores como as festas e as férias, o mundo, passa a ser visto como que pela primeira vez. É como quando eu vou no autocarro a chegar a Mafra e esforço-me para olhar para o Convento como se fosse uma turista, ou quando releio um post após saber que determinada pessoa já o leu, tentando avaliá-lo pelos olhos de outrém. É o renovar do mundo, vá.

Mas depois penso em toda a chatice que toda a gente que já passou pela parentalidade está sempre a enumerar, desde as birras, os choros, o cocó, o parto, a adolescência e as respostas rosnadas, o deixar de sermos donos do nosso tempo, o custo financeiro, etc, e penso que quem se devia ter que justificar seriam os que queriam ser pais, não os que não querem. Porque os que não querem ser pais é só o continuar da situação em que já vivem, os outros é que estão ativamente a mudar a sua. E que o "porque sempre foi assim" nunca justificou nada.

É por isso que quando leio na Beauvoir aquela concisa frase do:


"Gerar, amamentar, não são atividades, são funções naturais; nenhum projeto é aqui empenhado; é por isso que a mulher nunca encontrou aí motivo de uma afirmação superior da sua existência; ela apenas se submete passivamente o seu destino biológico."

"Engendrer, allaiter ne sont pas des activités, ce sont des fonctions naturelles; aucun projet n'y est engagé; c'est pourquoi la femme n'y trouve pas le motif d'une affirmation hautaine de son existence; elle subit passivement son destin biologique."


eu penso: "Oh porra, acertou na muche".

A frase ressoou comigo por tudo o desabafado acima, mas não só. Ela vem no encadeamento da análise do que é ser humano. Que característica/transcendência/atividade nos eleva acima de meros animais, da "besta sadia / cadáver adiado que procria"? A Beauvoir explica que:


"É arriscando a vida que o homem se eleva acima do animal."

"Se en risquant sa vie que l'homme s'élève ao dessus de l'animal." 


E aqui homem entende-se como Homem, a humanidade. Ou seja, é desbravando o mundo que tanto homens como mulheres se realizam como seres humanos, é no trabalho produtivo, na contribuição para um mundo melhor, no desenvolvimento de projetos, na sua superação enquanto indivíduos e enquanto sociedade. Mas para Beauvoir, a maternidade não é nenhuma destas coisas, porque é tão-somente uma atividade biológica, tão corriqueiramente animal como comer, dormir, crescer, caçar, copular, defecar, urinar, envelhecer, morrer. E é precisamente por isto que a História dos dois géneros humanos não é uma História de divisão natural de esferas de atividade, nem tampouco de igual valor. Enquanto os homens - desta vez os seres humanos de género masculino - conquistavam e moldavam o mundo, descobriam os limites do pensamento, da natureza e da capacidade humana, as mulheres estavam confinadas ao seu destino biológico de procriar:


"Mas as vozes femininas calaram-se sempre onde começava a ação concreta: puderam suscitar guerras, nunca sugerir a tática de uma batalha; nunca orientaram a política exceto quando esta se reduzia a intriga; os verdadeiros comandos do mundo nunca estiveram nas mãos de mulheres; estas nunca agiram sobre as técnicas nem sobre a economia, nunca fizeram nem desfizeram Estados, elas não descobriram mundos. É por sua causa que certos eventos se desenrolaram, mas as mulheres sempre foram pretextos, muito mais do que agentes."


"Mais en fait, les voix féminines se taisent là où commence l'action concrète: elles ont pu susciter la guère, non suggérer la táctique d'une bataille; elles n'ont guère orienté la politique que dans la mesure où la politique se réduisait à l'intrigue; les vraies commandes du monde n'ont jamais été aux mains des femmes; elles n'ont pas agi sur les techniques ni sur l'économie, elles n'ont pas fait ni défait des États, elles n'ont pas découvert des mondes. C'est par elles que certaines événements ont été déclenchés; mais elles ont été prétextes beaucoup plus qu'agents." 


Isto está tudo muito bem e explica em poucas palavras a origem da inferioridade da condição da mulher ao longo dos tempos. Encaixa tão bem com as minhas dúvidas sobre a parentalidade e tudo, perfeito.

Mas não consegui evitar o cisma na frase "Gerar não é um projeto"...

Desde que a li que se tornou na frase que mais me deu que pensar em todo O Segundo Sexo. Não é um projeto porque é uma atividade biológica... Não é um projeto porque qualquer animal o faz... Ter filhos não é um projeto...

Mas que raio...?

Mas ter filhos atualmente equivale realmente a procriar como quando vivíamos nas cavernas? Não há nada na atividade de gerar pessoas de hoje em dia que lhe acrescente um valor que esta não tinha há milénios atrás? E todo o trabalho que envolve educar um pequeno ser humano para viver saudavelmente em sociedade, o que os ingleses chamam de "raise a child"? Não se diz "raise a dog"... E se o que uma mãe e um pai humanos fazem é intrinsecamente o mesmo que o que uma mãe gata faz, então onde ficam os professores e, especialmente, os educadores de infância? O que eles fazem não é o mesmo que um pai? Então se é, não conta como projeto, também? Se não é, onde está a diferença: no serem remunerados? No facto de os filhos não serem deles?

Ainda não consegui desembrulhar este novelo.

Está pois visto que nem a Beauvoir me consegue esclarecer nas questões da parentalidade e descendência. 

Não deixa de ser curioso que precisamente hoje tenha nascido um bebé muito aguardado na família, de duas pessoas quase da minha idade e da do D. e que esteja a rebentar de curiosidade sobre todos os detalhes, dos mais animalescos e infímos aos mais transcendentes e sentimentais. Acho que é um bocadinho parecido com o fascínio que eu tenho pelo mundo das maquilhagens: leio quem é apaixonado por tal, surpreendo-me com a dedicação, paixão e perseverança que é preciso para sermos bons naquilo, mas depois no meu dia-a-dia fujo a sete-pés. É um fascínio ao longe*, portanto.




S.


*Ouviram, mãe e pai? Ao longe. Este post não é nenhum reflexo de qualquer relógio biológico, podem respirar fundo . O único relógio que toca nesta casa é o alarme às 7h45.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Passatempo favorito: Brussels-bashing

Após acordar estremunhada, olhar pela janela e ver inesperadamente os passeios cobertos de neve, apeteceu-me mandar as bicicletas e as caminhadas à merd@ e dirigi-me ao tram que me levaria ao metro que me levaria ao outro metro que me levaria ao trabalho. Estou sem paciência para ter frio nos olhos e pés congelados.

Mas o metro bruxelense acha por bem ter a regularidade de  dez-em-dez-minutos em plena hora de ponta e portanto foi a resmungar entredentes que esperei por ele na estação apinhada. Os dez minutos passados e a luta para entrar na carruagem que é customeira. Nunca ninguém ensinou os bruxelenses que primeiro se deixa as pessoas sair dos comboios e só depois se entra, assim como nunca ninguém os ensinou que numa escada rolante, quem está parado encosta-se à direita. Oh, ordem londrina.

Na estação o metro esvai-se em pessoas, uma corrente de indivíduos que não acaba e o motorista sente que já está ali há tempo demais e portanto toca a fechar as portas no meio da corrente humana. O sistema mecânico destes metros de há cinquenta anos atrás dita que estes não tenham sistema de deteção de coisas entre as portas e é preciso muitos pares de mãos a segurar as portas para que ninguém fique entalado. Desisto de entrar no comboio do demo e fito as portas de olhos arregalados, incrédula com a estupidez que se acabou de passar ali.

As portas acabam por se fechar, menos uma. Após várias tentativas, vejo o motorista a sair da sala das máquinas, a mandar dois pontapés na porta e a regressar com ar de enfado ao seu posto. O comboio arranca pouco depois.

Após mais dez minutos de espera na estação onde faço o transbordo, a mais nojenta e incrivelmente desfeita do metropolitano bruxelense, de certo, só rivalizando com a de Schuman que tem a desculpa de estar em obras (há dois anos). Na dita cuja, subo os seis ou sete lanços de degraus de pedra por polir/acabar, maldizendo Bruxelas por não ter consideração nenhuma por pessoas idosas, deficientes ou simplesmente que ali apanham o autocarro direto para o aeroporto, e portanto têm que alombar com 20 kg às costas e é se querem. Saio para a rua e está a cair aquela chuva miudinha que não é chuva nem é neve, está frio, e eu estou quinze minutos atrasada. Tivesse caminhado, chegava a tempo, tivesse pedalado, teria chegado 10-15 minutos antes.

No dia em que tiver que abandonar esta cidade, não vou sentir um pingo de tristeza.






S.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Branco sujo

Oh Deus, está a nevar outra vez.



Por muito que me custe admitir (porque ando há dois anos a venerar neve), estava a gostar de ter sete graus de máxima...



S.