quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Mulheres anti-feministas e árvores anti-ambientalistas

(Sobre a hashtag #WomenAgainstFeminism e as mulheres que acham que viveriam melhor sem o feminismo.)


Eu poderia vir para aqui falar de como o conceito de "vítima" é incrivelmente mal interpretado quando se fala de "vítima de violência doméstica", "vítima de assédio sexual", ou "vítima de discriminação", achando-se que "vítima" é sinónimo de pessoa fraca, indefesa, ou sem capacidade de resposta (não é. Vítima é toda e qualquer pessoa a quem lhe acontece um fenómeno castrador dos seus direitos ou que de alguma maneira lhe limita a vida. Uma "vítima de um acidente" ou "vítimas de um terramoto" não tem nada que ver com as características de uma pessoa, é tão só e apenas serem recetoras do fenómeno em questão). Mais AQUI.




Também poderia desenvolver a questão de como a mentalidade individualista é cada vez mais uma vencedora, porque o ênfase na nossa sociedade está cada vez mais no indivíduo, nas escolhas que cada um faz, e que se ele se esforçar mesmo, mesmo muito, consegue este mundo e o outro (duvidam da hegemonia desta mentalidade? É só recordar que até o livro de auto-ajuda mais famoso, O Segredo, a incorpora, envolvida em pseudo-misticismo: se eu quiser mesmo muito uma coisa, o Universo encarregar-se-á de me a dar. Não a consegui? Foi porque não a quis suficientemente.) Nesta mentalidade não há espaço para desigualdades estruturais, para discriminação laboral, para racismo ou sexismo institucionalizados. Se há poucas mulheres no topo das carreiras é porque elas não têm ambição nem se esforçam o suficiente, se há pessoas pobres a receberem subsídios de reinserção é porque não querem é trabalhar. No mundo dos individualistas, todas as pessoas nascem com as mesmas condições de partida e por isso todas têm as mesmas opções de sucesso. Quem não consegue, é porque não estudou/se esforçou/desejou/batalhou/perserverou o suficiente. Discriminação, meio social, privilégios, pobreza, sexismo, racismo, riqueza, nada disso tem importância. É o indivíduo e as suas "escolhas" que determinam quem ele será. Mais AQUI.
 
No final, talvez a mensagem mais eficaz de como esta campanha acerta tão ao lado seja a analogia tão pertinente ao ambientalismo:    






S.

P.S. - É incrível a quantidade de estereótipos hilariantes que estão reproduzidos na maioria daqueles cartazes e a ignorância geral sobre o que o feminismo realmente é e pelo que luta. É de uma pessoa perder fé nas mulheres. Faz-me sempre lembrar aquela frase de Voltaire que diz: "Eu discordo do que dizes mas lutarei até à morte pelo teu direito de o dizeres."


 


6 comentários:

  1. Estive a ver esse tumblr e ia-me dando uma coisa de nervos. A quantidade de preconceitos e conceitos mal apreendidos é formidável. Para elas somos todas men haters, castradoras, feias e gordas - juro, havia lá uma a dizer qualquer coisa como isto, a velha teoria do ressabianço.
    Cansaço.

    ResponderEliminar
  2. Acho que nos EUA isto pode ser uma amostra dos habituais extremos e respostas aos extremos. Por exemplo, nos EUA impressiona-me sempre a quantidade de ateus algo militantes. Vê-se que é um tema que mexe com eles. Têm sites, entram em flame wars no youtube, criticam a religião a torto e a direito... Mas por outro, têm de lidar com o 'criacionismo' nas escolas e com toda uma corja de fundamentalistas cristãos. Talvez as feministas americanas mediáticas sejam um pouco o mesmo. Vi ali alguns cartazes com a o que pareciam ser citações, como o da trabalhadora do sexo que diz que não quer o feminismo radical porque as feministas radicais desejam que ela morra e seja violada por colaborar com o patriarcado. E algumas sublinham o "modern" ou o "radical" feminism. Será que não existem lá umas quantas feministas radicais que dividem as próprias mulheres ao hostilizar um determinado grupo de mlheres? uma feminista enquanto tal condenar publicamente que é deprimente para uma mulher ficar em casa a tomar conta dos filhos, o que sentirá uma mulher que fica em casa a tomar conta dos filhos? Sentir-se-á defendida ou... ofendida? Imaginemos que até gosta de ser dona de casa. Ou tralhadora do sexo. Se as feministas condenam as mulheres que usam minisaia ou que se pintam etc. e falam num "patriarcado", podem subverter uma certa ordem com que muitas mulheres se identificam e, como tal, fazer com que essas mulheres hostilizem as feministas e o feminismo.

    ResponderEliminar
  3. Acho que essencialmente aquelas afirmações denotam uma grande ignorância em relação ao que é o feminismo. Parece que a maioria das mulheres que exibe aqueles cartazes aprendeu a definição de feminismo e feministas através de memes do 9gag. O aparecimento dos adjetivos "modern" ou "third-wave" é reflexo das críticas que as feministas começaram a fazer que basicamente diziam "se não gostas do feminismo então devolve o teu direito a votar, usar contraceção e não ser violada pelo teu marido".

    Mas sim, alguns cartazes talvez levantem questões legítimas como as mães a tempo inteiro sentirem-se afastadas do feminismo, pela falsa dicotomia stay-at-home mum - working mum, que é especialmente virulenta nos EUA porque também é dos países desenvolvidos onde as mães têm mais dificuldade em concicliar as duas coisas pela falta de licenças de maternidade e de creches. Ou a questão das trabalhadoras do sexo, uma das questões onde as feministas menos se entendem (o que não é necessariamente mau, na minha opinião).

    O que estes movimentos mostram é a necessidade de se continuar a falar de temas "feministas", esclarecer as pessoas e especialmente as mulheres, para que as opiniões não sejam exclusivamente formadas por 9gags e simplificadores do género.

    ResponderEliminar
  4. A propósito, http://mic.com/articles/96072/a-twitter-parody-account-brilliantly-destroys-the-ignorance-of-womenagainstfeminism?utm_source=Mic+Check&utm_campaign=3843d4b324-Mic_Report_8_13_2014&utm_medium=email&utm_term=0_51f2320b33-3843d4b324-285436997

    ResponderEliminar
  5. Esse é tão cómico quanto o tumblr Confused Cats Against Feminism :)

    ResponderEliminar