Por cada post de observações, de aleatoriedades, de constatações mais leves, há sempre um mais sério que guardo para mim. As dúvidas existenciais são mil vezes mais profundas, provavelmente mais interessantes (para amigos e família, claro), são o triplo do tamanho, mas são infinitamente mais difíceis de escrever. Afinal, não é fácil ser eloquente quando nem nós próprios sabemos o que pensar.
Há um ano estava
aqui, neste preciso ponto e com estas mesmas angústias de "o que fazer agora?". As semelhanças são tantas que parece que estou a viver um
dejá vu. Estava a acabar uma coisa em que me tinha metido (antes mestrado; agora estágio), enviava currículos atrás de currículos sem obter resposta, encontrava-me num país que não era o meu e as intenções de ficar eram abaladas pela não perspetiva de sustento futuro. O regresso a Portugal estava lá, como plano Z que foi subindo as letras do alfabeto, devagar mas certo, até se tornar o plano A. Terá Bruxelas o mesmo desfecho que Londres? Um mantra repetia-se na minha cabeça "
E agora? E agora? E agora?" - desta vez, porque ainda (ou só?) faltam três meses é um "
E a seguir? E a seguir? E a seguir?".
Mas depois esforço-me por respirar fundo, largar a preocupação de uma coisa que está fora do meu controlo, e olho para trás. Não, não saltando este último ano para onde me encontrava no início de maio de 2011, mas para o que fiz desde aí e o que me trouxe aqui. O estágio na APAV, a minha primeira verdadeira experiência de trabalho, o estágio que me fez até ansiar por regressar a Portugal, no meio do desânimo que foi desistir do sonho londrino. O que vi e aprendi e o primeiro contacto prático com a UE. As pessoas inesquecíveis que conheci. Desconfio que esta experiência foi a grande responsável pelo sucesso da minha candidatura ao Parlamento Europeu, à realização do meu sonho de trabalhar nas instituições europeias, e se não fosse também por tudo o resto, só por isto a APAV teria a minha gratidão eterna. O projeto de base de dados dos deputados britânicos. O curso sobre o Tratado de Lisboa à noite, na Clássica, que me fez agradecer a todos os anjinhos o facto de ter entrado antes na Nova. Mas que ainda assim me foi muito positivo. As aulas de Inglês aos miúdos, xii... as aulas! O respeito monstro que ganhei por professores a tempo inteiro. O artigo académico que publiquei. Os artigos semanais para a Next Europe, que continuam.
É preciso que esta enumeração substitua o mantra do "E a seguir? E a seguir? E a seguir?" para que eu me lembre do que fiz num ano e no que posso voltar a fazer em mais um. Para acalmar o espírito controlador do destino e do "Para onde? Para onde? Para onde?" e assegurar-me de que, seja onde for que tenha de ir, lá chegarei. Daqui a um ano estarei noutro sítio qualquer a fazer algo que de certeza ainda não faço ideia do que será. Mas as peças irão encaixando, porque é mesmo assim a vida.
Avisaram-me que seria assim, este par de anos a seguir ao término dos estudos. Aliás, continuam a avisar. Entre todos nós, estagiários, vindos de percursos diferentes e de nacionalidades diferentes, uma coisa nos é comum: este não é o primeiro estágio. Para muitos de nós, não será sequer o último. Alguns andam nisto há muitos anos, (demasiados), outros ainda lhe estão a tomar o gosto (muito cedinho ainda). Para alguns, o peso dos sucessivos estágios já chegou ao limite, outros estão agora a começar a experimentar o aborrecimento da vida constantemente temporária. Posto assim em perspetiva, sei que não posso ainda descartar a hipótese de novos estágios nem exigir já um emprego permanente e remunerado. Mas a mesma pessoa que avisou que estes dois anos iriam ser assim também disse algo que eu memorizei e guardei para futuro uso: "You're worth a salary". Chegará o dia em que eu terei de dizer "basta", se não for o emprego a chegar primeiro.
Estas são as agrúras normais e esperadas de quem atingiu a maioridade laboral no meio de uma crise sem precedentes nos últimos 80 anos. Mas há uma dúvida insinuosa, mais incómoda e mais existencial, que torna a incerteza de trabalho futuro mais aguda. Ela prende-se com o desencanto de um sonho, um bocadinho à imagem do
desencanto pela América mas não completamente... Porque este não é o desencanto pela UE em si, é antes o desencanto por um trabalho dentro da mesma. E custa admitir, oh, se custa! Persegui este objetivo durante anos, como não há-de custar confessar que talvez não seja bem isto que eu quero fazer?
Escrever isto aqui torna-o mais definitivo. Está cá fora, foi partilhado, não pode ser ignorado. Não é o encerramento do fascínio pela UE, de todo. Mas é o encerramento das ilusões sobre um policy job dentro da UE. Entretanto, a Europa mantém-se um objeto de fascínio para o estudo. E agora, o doutoramento, relegado para o segundo plano da minha mente, começa aos pulos efusivos porque até ele já percebeu, ainda que eu tenha demorado a admitir, que fará parte da minha vida a curto-prazo.
Porque o que me faz mesmo feliz, no que eu sei que sou mesmo boa e que se tem mantido uma constante na minha vida e especialmente neste último ano, é escrever. Debitar palavra no papel, traduzir, rever, editar. Partilhar, seja histórias, seja observações, seja notícias sobre a Europa, seja argumentos para defesa da igualdade de género, seja a construção de artigos sobre estudos de caso, devidamente apoiados por investigação científica. É o único meio em que me sinto à vontade para partilhar e o consigo fazer eficazmente (má, tão má no debate em falatório, credo). As experiências do último ano vieram certificar e selar a certeza do que eu acho que desde sempre soube. Tenho muito que aprender, pois claro que tenho. E muito curso avulso que tirar para sistematizar algo que apenas faço amadoramente. Mas é um percurso no qual me vejo a gostar realmente do que faço, diariamente.
Escrever, seja em forma de artigos seja em pesquisa académica, dar-me-ía outra coisa que eu tenho vindo a valorizar cada vez mais: a gestão autónoma do meu tempo. Os múltiplos projetos do último ano habituaram-me a tal. E, mais importante, fizeram-me ver que é possível. Era voluntária em dois projetos britânicos e nunca desde então pus o pé em solo londrino (graduation não conta). O escritório é irrelevante neste tipo de trabalhos, horário das 9h-17h, idem.
Por isso, é com o coração um pouco mais leve desde o início deste post - blog catártico, é o que isto é - que eu confesso: o meu nome é S. e o meu futuro já não está nas instituições europeias diretamente, mas na escrita, jornalística e/ou académica. Assim, no máximo que me é possível antever, acho que serei feliz profissionalmente.
S.
P.S. - E agora meter aqui no meio disto tudo os direitos das mulheres e a igualdade de género, coisa que me toca cada vez mais e me estimula o intelecto? Argh... Fica para outro dia, que neste pedaço de escrita esgotei as confissões todas para um mês!