quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Vida a 2 e a 1+1

Começou quando a nossa vida a dois ainda não tinha começado. 

O laço da imperatividade da presença física foi quebrado quando o D. entrou num avião a caminho de Londres três meses antes de mim. A nossa relação tornou-se "relação à distância" durante esse tempo, com pontuais visitas de parte a parte, e ainda que temporariamente. Mas o mito de que a presença era absolutamente necessária a todo o tempo desfez-se e tornámo-nos duas pessoas com vidas autónomas, que se sobrepõem muitas vezes, que vivem juntas, que se amam e que partilham um desejo enorme de constituir um "nós" verdadeiro, todos os dias e à sua maneira.

Quando parti para Londres, viajei de avião sozinha pela primeiríssima vez. Como o D. o tinha feito três meses antes, aliás. Outra amarra que foi quebrada. Rapidamente ficou inscrito na minha mente que é possível, eu sou capaz, faz-se. O que até aqui estava conotado na minha mente com "férias em família" (necessariamente, para mim, férias eram em família) tornou-se um mero instrumento que me leva do ponto A ao ponto B. O avião perdeu a mística que encerrava.

Estes dois cortes de amarras, da imperatividade da presença física e do avião como parte de férias, deram origem a uma coisa muito curiosa e que eu nunca esperei: vou a qualquer lado sempre que é preciso. Idem com o D., ou a coisa não funcionaria.

Há um jogo em Londres para ver, mete-se o D. num autocarro e vai ver. Surge a ideia de surpreender os meus pais interrompendo-lhes as férias de verão para se me juntar a eles, lá vou eu a voar até Faro. Reunião de trabalho em Lisboa, apanha-se o avião e lá estou eu na Portela passado duas horas. Jogo do Benfica com o Barcelona, segue sr. D. até terras espanholas. Férias de natal na terra-natal, senhor meu parceiro parte uns dias antes de mim.

É tudo muito novo, isto. Ou antes, por razões circunstanciais (o Benfica de repente joga muito fora mas muito perto daqui e o meu emprego é muito dado a reuniões fora de Bruxelas) intensificou-se recentemente. Talvez por isso mesmo o gosto a autonomia e a quebra da presença física esporádica sejam hilariantes e um gosto ainda não decididamente certo como saboroso ou amargo. Por enquanto é isso mesmo, hilariante, exhilarating, libertador, confortável, saudável. E a sensação de "CASA, cheguei a casa" quando se entra pela porta do nosso pequeno apartamento bruxelense e "olha só quem está aqui, a falta que me fizeram estes braços e estes traços familiares e este riso e esta voz e estas piadas reconfortantes, perspicazes e conhecedoras". Mesmo quando se acaba de deixar outra casa que já foi Casa, outras caras familiares, outros braços reconfortantes, e ainda se está a tentar descortinar se o país que se acabou de visitar e já foi o meu país continua a ser o Meu País e, se sim, que lugar no meu coração tem este onde acabei de aterrar cheia de alívio.

A ausência é uma poderosa catarse de sentimentos. Especialmente porque suscita a saudade. Faz-nos sentir vivos e humanos, e permite definir claramente o que é fundamental e importante na nossa vida, como acho que mais nada o consegue.





S. 

1 comentário:

  1. "There is nothing permanent except change."

    Heraclitus

    P.S.: O senhor D. tem mau gosto, andar atrás do Benfica?! Que vício caro! Ainda se fosse do Sporting, onde se aprende a resistir ao sofrimento... :)

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