segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Filmes de terror com bocejo

Eu sou (era?) daquelas pessoas que se borram todas com filmes de terror daqueles com espíritos, e crianças sinistras e assim. Vi o Sexto Sentido quando tinha 11 ou 12 anos e por causa dele apanhei uma psicologice marada em que chegava à noite e era como se uma depressão se abatesse sobre mim, andava convencida, na minha cabeça, que o dia seguinte não chegaria, e que ninguém me conseguiria garantir que ele chegaria (era uma criança muito profunda, eu sei). Não consegui adormecer durante um mês sem ter alguém ao meu lado. Eu era (sou?) este tipo de pessoa.

Continuei-me a borrar com estes filmes ao longo da adolescência, porque isto é mesmo assim, o ser humano tem uma atração masoquista pelo mórbido, e ainda hoje me borro. Mas agora, e quero acreditar que isto é fruto da maturidade, evito filmes destes como a praga. Dos que metem litros e litros de sangue, gritaria e facas nunca gostei, porque também sou daquelas pessoas que começa a ver tudo a andar a roda se vê um pingo de sangue (e um dia conto uma história muito engraçada de como quase desmaiei quando levei a minha gata ao veterinário para tirar análises). As versões mais sofisticadas - e tão incrivelmente sádicas que não percebo como os seus criadores ainda não foram presos (just in case, diria) - como Saws e afins muito menos, por isso diria que filmes de terror não são para mim.

De quando em vez lá me conseguem convencer a suportar o sacrifício, daí que saiba que me continuo a borrar com filmes de espiritices. Mas há uns dias eu tive uma epifania que mudou a minha maneira de olhar para estes filmes. Os filmes que envolvem almas penadas, fantasmas e seres de outros mundos são do melhor porque exploram o nosso medo muito humano do desconhecido, e particularmente se nunca se chega a ver a fonte dos barulhos, risos maléficos e fenómenos estranhos então é de nos ficar a remoer a mente porque é uma ameaça nunca concretizada, impossível de lutar contra. Mas isso é raro, e normalmente lá aparece uma bruxa feia, toda despenteada e de olhos esbugalhados, ou uma criança sinistra de pijama com ar muito sério, e normalmente uma pessoa pensa cheia de desilusão "ah, é isto...". Mas voltando à epifania. Normalmente, nestas coisas dos espíritos e demónios e assim, a arma tem um simbolismo cristão. Nos exorcismos então diria que é 100%. Terços, crucifixos, águas bentas, padres, etc, são sempre a maneira de afastar estes bichos do Além. E isto, descobri eu, é muito aborrecido para uma ateia como eu. Estabelece-se no filme uma narrativa em que o Cristianismo é a realidade. Não há espaço para Alás, nem para Budas, nem deuses mitológicos. E os próprios espíritos vivem (salvo seja) segundo essa narrativa! E validam-na. Ora, porquê? Porquê que um espírito iria dar a mesma validação a um objeto que só tem validação porque os humanos lhe dão? Porque é que atirando com uma Tora à "cabeça" do espírito não funciona? E de que é que tinham medo os espíritos no "Antes de Cristo"? Para mim, a história dos espíritos até seria verosímil, mas deixa de o ser a partir do momento em que vejo o conluio cristão da coisa; se eu não engulo o sagradismo da coisa então também não consigo engolir a sua antítese. Cai todo o sistema de pavor que o filme tenta incutir. 

Outra coisa são as metáforas. Muito gostam os espíritos de assustar através de mensagens veladas. No Conjuring, há lá uma parte em que começam a cair da parede os quadros todos com fotografias dos membros da família. Porquê? Porque o espírito queria matar os membros da família. Uuuuuh, que metáfora tão bem pensada... Para quê? Que maquinação tão humana, valha-me deus*. Deixar mensagens e não sei quê, quer matar, mata. Parvoíce.

Depois há a velha história de alguém que morreu na casa assombrada, que é sempre uma mulher, ou que ficou maluca, ou que matou os filhos ou assim. E estas coisas da representação dos géneros nos filmes vai-me acionando a mente nos momentos mais inoportunos e eu chego à conclusão que isto é tudo a exploração de velhos temas que fazem parte do folclore ocidental há séculos: a loucura que se achava que todas as mulheres tinham em maior ou menor dose mas sempre latente, e o mito da maternidade como expoente máximo da mulher e o sagrado da relação mãe-filho e do quão contra-natura e inspirador de medo é quando isso não é assim (refletido no extremo com a mãe a matar o filho/a filha. Isso é sobrenatural, um homem matar os filhos é "apenas" homicídio a sangue frio). Aposto que esta relação entre filmes de terror e mitos sobre a condição feminina dava um estudo interessantíssimo e aposto como já existem uma data deles.

Não me interpretem mal, eu continuo a ver estes filmes por detrás das mãos e a apanhar cagaços mesmo assim (se metessem aquelas músicas numa comédia continuava-se a apanhar cagaços, mas enfim), mas agora já não me desafiam mentalmente, já não fico com eles agarrados durante dias e dias à cabeça a rever imagens mentais do filme. O que está por detrás dos cagaços e da música bem escolhida tornou-se só parvo. 


* isto é uma expressão linguística, não venham chatear a ateia.

S.   

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