quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

How the mighty fall - part II

Volta e meia lá aparece um estudo que afirma que finalmente se descobriu que os cérebros de homens e mulheres são diferentes. Os anglófonos têm uma expressão muito interessante: hard-wired differently. Ou seja, os cérebros aparentemente não são apenas diferentes em tamanho e peso, mas sim nas conexões que os neurónios fazem uns com os outros.

A reação dos autores destes estudos é mais ou menos a mesma de todas as vezes. Alguma surpresa, genuína ou não, isso agora não é comigo, por os resultados confirmarem de forma tão clara antigos estereótipos nos quais está baseada toda a cultura ocidental, e alguns suspiros de bravura e pioneirismo, de quem conseguiu conduzir uma investigação tão polémica neste mundo dominado pelas feministas e a sua politicamente correta igualdade. 

A reação dos jornalistas é também mais ou menos a mesma de todas as vezes. Ouvem as palavras "diferenças entre sexos" e "estudo científico" na mesma frase e toca a fazer títulos sensacionais. Se há coisa que vende são velhos estereótipos ressuscitados por investigações académicas e revestidos da película sagrada do científico.

A reação dos comentários nos sites dos artigos ou em páginas de Facebook onde estes títulos são publicados também é sempre a mesma. Uns mais trolleiros, outros com pozinhos de sofisticação, resumem-se todos assim: TOMAAAAA, FEMINISTAS! SOMOS DIFERENTES, INCHAAAA!

Foi por isso com uma sensação de impending doom que eu cliquei num desses títulos que me havia aparecido no Feedly através do the Guardian (!). Precisamente por ter surgido neste jornal que dei crédito à coisa: não podia descartar isto como mais um sensacionalismo sexista da direita conservadora. Eu tenho uma genuína confiança na ciência e que a investigação feita nas universidades bem rankiadas é de qualidade e rigorosíssima. E eu não sou de ciências naturais, eu não sei, portanto dei o benefício da dúvida. Como já aqui disse antes, eu gosto das premissas do feminismo, mas não gosto de dogmas. E a investigaçao pura, rigorosa, metódica e peer-reviewed é o melhor sistema que temos contra os dogmas. Por isso contemplei a hipótese de isto da igualdade de capacidades estar errada e continuei a ler. As conclusões mas sobretudo as inferências que os autores faziam pareciam-me um bocado rebuscadas portanto não liguei mais e decidi que só poderia formar uma opinião se lesse o artigo original. 

Não me lembrei mais do caso até hoje, quando o the Economist lançou um post para o feed de notícias do Facebook falando do assunto. A maneira segura, como quem afirma o óbvio, com que descreviam o estudo naquele post fez-me temer o pior: et tu, Economist? Também tu não resistes embarcar na polémica e nos estereótipos-virados-ciência?

Diz o post: 

"Trending: Men and women do not think in the same ways. Few would disagree with that.

Er... A sério? Muitos discordariam.

"And science has quantified some of those differences. Suggesting why this is true in evolutionary terms is a game anyone can play. Finding out why sex differences are true in neurological terms is another matter altogether".

E o que é mais triste é que o próprio artigo, que eles próprios escreveram, prova estas linhas erradas. Os comentários, especialmente os iniciais, não desiludem: o pessoal salta de alegria ao ler a frase "Men and women do not think in the same ways" escrita em relação a um estudo neurológico e os "TOMAAAA, FEMINISTAS!" não se fazem esperar. 

Mas, e o que diz afinal o artigo sobre o estudo?

Foi feito o mapeamento de cérebros de homens, mulheres e crianças de ambos os sexos para se descobrir como é que os neurónios se conectavam entre si e que zonas do cérebro ativam mais frequentemente em cada categoria de humanos. Isto foi o resultado médio:


                                          


Com as imagens resultantes foi só fazer a ligação aos estereótipos comuns e voilá, ligação perfeita. E o problema foi exatamente este (que é quase sempre o mesmo nos estudos deste tipo, para uma boa explicação sobre isto ver The Delusions of Gender da Cordelia Fine): a interpretação que a autora do estudo fez dos resultados é subjetiva e condicionada pelos próprios estereótipos. Eles estão explicados no artigo, mas resumindo: mulheres são melhores na intuição, na comunicação e no multi-tasking, homens são melhores na coordenação espacial e motora. 

Pondo de parte as fortes suspeitas de que o cérebro humano é ainda um grande mistério para os cientistas e muito pouco é consensual sobre como ele funciona, a própria autora acaba por dar um grande pontapé nas inferências que acabou de fazer através da sua seguinte grande descoberta:

"Dr Verma’s other main finding is that most of these differences are not congenital. Rather, they develop with age."

Mau. Mas são hard-wired differently inerentemente ou as diferenças começam a manifestar-se com a adolescência? É que isto muda tudo. Se o cérebro é um grande mistério, no que há consenso alargado é na plasticidade do mesmo e na forma como o conseguimos modelar através do uso. E aqui entra a história das profecias auto-realizáveis: se é expectável que uma rapariga será melhor na linguagem do que na orientação espacial então essa habilidade será mais estimulada, ela investirá mais aí porque é esperado que seja capaz de exprimir as emoções por palavras, tornar-se-á melhor nisso e, pelos vistos, o seu cérebro modelar-se-á de acordo através do treino. Chama-se condicionamento social, papéis de género, socialização, o que quer que queiram, e não devia ter sido descartado tão rapidamente pela autora. Há também a possibilidade de a puberdade desencadear aqui alguma alteração hormonal que afete o cérebro e os torne diferentes, não se sabe. Mas por isso mesmo a ligação que tanta gente, incluindo a autora, já fez entre os resultados e os porquês não só é falsa como apressada e irresponsável. Para não dizer que é má ciência. 

O que me desilude profundamente foi o Economist se ter juntado à onda sensacionalista e ter dado tempo de antena a um artigo com interpretações tão duvidosas. Tinha-o como último reduto do bom jornalismo de investigação e que, apesar de algumas vezes conotado com uma visão económica neo-liberal, era francamente original e questionador da norma, e não lhe vislumbrava uma agenda política definida. Acima de tudo, era rigoroso e de qualidade. Nesta peça fez uma cedência ao bom jornalismo que era impensável ao alinhar no estereótipo virado ciência. E fico contente que a maioria do comentários ao tal post, por entre os sexistas do costume, seja a chamar à atenção para a falta de qualidade jornalística do artigo em questão (e falta de rigor científico no original).   

Será esta fraqueza do jornal a exceção que confirma a regra? Vou confiar que sim mas, daqui para a frente, de olho bem aberto.




S.     

11 comentários:

  1. miúda, 5 anos, festa da escola, musiquinha para cantar.
    os meninos vestem-se de chef, as meninas põem um avental.
    conclusão? ainda tão pequenos e já estão a ser condicionados. não gosto.

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  2. (e mais tarde dirão que geneticamente os meninos são melhores como chefs, e as meninas são melhores a lavar a louça)

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  3. Exato. Pequenas coisas mas repetidas constantemente acabam por ter uma influência medonha no que cada um acha que deve e tem jeito para fazer.

    E essa dos chefs é boa, é, quantas vezes já ouvi pessoas a dizerem que os homens têm mais jeito para cozinhar que as mulheres, afinal são eles os grandes chefs e não elas.

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  4. " Há também a possibilidade de a puberdade desencadear aqui alguma alteração hormonal que afete o cérebro e os torne diferentes, não se sabe. “

    ? sabe-se perfeitamente. chama-se adolescência, é quando começamos a ser ‘bombardeados’ com as hormonas sexuais (no sentido de serem diferentes as proporções entre sexos) e quando a ‘diferenciação’ fisiológica se acentua fortemente e se torna completa.

    já agora, daqui faz-se facilmente a correlação para um post que tinhas há tempos onde os resultados de competição entre rapazes&raparigas se tornavam bastante acentuados entre a partir dos 16 ou 17 anos.

    o que ainda não percebi é se a cultura ‘modifica’ o nosso corpo de tal maneira, e nos força a reproduzi-la inconscientemente, quem começou tal cultura on the first place?? se originalmente o ser biológico era todo ‘igualitário’ nas capacidades, e apesar de econmicamente isto n sentido, deonde é que veio tal cultura que nos contaminou a todos e nos forçou a mudar inclusive o cérebro para a adoptar???


    also, se isto é uma questão de cultura, onde é que no resto do globo existem tribos/sociedades em ‘arco cultural’ diferente?

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  5. já agora, o próprio artigo diz que as diferenças são muito diminutas nos grupos até aos 13 anos e é a partir daí que disparam. O que invalida algo a teoria de que é a sociedade a ‘formar’ a criança até então. nesse caso a diferença deveria ser constante a partir do momento em que a criança é capaz de perceber os padrões que é supost seguir (pelos 5 anos? )

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  6. Alterações nas hormonas durante a adolescência que modificam o aparelho reprodutor não significam automaticamente alterações no cérebro. É essa a questão em aberto.

    Quem é que estabeleceu a "cultura" tal como ela é, com os estereótipos de género que conhecemos? Boa pergunta. A Simone de Beauvoir fá-la também no Segundo Sexo, convido-o a ler, está logo nos primeiros capítulos. Basicamente foi a função reprodutora da mulher, que na fêmea humana lhe exige muito mais do que das outras fêmeas mamíferos, que fez com que se decidisse que o homem explorava o mundo, a mulher reproduzia-se. Uma decisão que talvez fizesse sentido há uns milénios atrás, hoje não. Os estereótipos estão todos ligados com isto, de uma maneira ou de outra. Acho esta frase de Bernard Shaw bastante elucidativa sobre isto do que se faz vs do que realmente se pode fazer: "The American white relegates the black to the rank of shoeshine boy; and he concludes from this that the black is good for nothing but shining shoes."

    Repare que o cérebro não é forçado a mudar. Ele mantém-se relativamente igual nos primeiros anos de vida de raparigas e rapazes e as diferenças que a autora encontrou manifestam-se apenas em idades mais avançadas. Consoante o uso. Se calhar se compararem os cérebros de pessoas com as mesmas profissões (matemáticos, por exemplo) chegariam a imagens muito semelhantes, independentemente dos sexos.

    Interessante que mesmo com estas imagens diferentes há neurocientistas que dizem que não podemos inferir que diferentes conexões entre neurónios conduzam a comportamentos diferentes. Pode ler mais aqui: http://www.theguardian.com/science/2013/dec/07/brain-science-ditch-male-female-cliche?CMP=fb_gu

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  7. Isto é que é serviço público, D.S.

    Quanto à valor das revistas científicas como bastiões da honestidade intelectual (do teu amado Guardian): http://www.theguardian.com/science/2013/dec/09/nobel-winner-boycott-science-journals?CMP=fb_gu

    E sabes que mais? Ainda que venha a demonstrar-se que há razões meramente fisiológicas no diferente funcionamento do cérebro entre homens e mulheres, não me parece que isso belisque os ideais feministas. Uma coisa são as diferentes características de cada um, outra o igual direito de acesso a oportunidades.

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  8. Já tinha lido esse artigo, já, e é muito preocupante. É uma questão de abrir bem os olhos e não engolir tudo o que nos vendem, mesmo vindo de "estudos científicos". Mas é difícil ter uma opinião crítica sobre tudo isto porque simplesmente não há tempo para confirmar todo e qualquer estudo que nos anunciam e por vezes a matéria está fora da nossa compreensão...

    Quanto a vir a provar-se que os cérebros sejam mesmo diferentes, houve várias pessoas que disseram isso mesmo, que a igualdade entre homens e mulheres é mais uma igualdade de respeito, oportunidades e valor dos dois do que realmente igualdade física ou mesmo de capacidades. Eu, como sou muito mais defensora do igualdade de capacidades, seria-me mais complicado aceitar. Faz-me comichão determinismos biológicos.

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  9. "Alterações nas hormonas durante a adolescência que modificam o aparelho reprodutor não significam automaticamente alterações no cérebro. É essa a questão em aberto."

    nops. Quanto muito a questão em aberto é *quanto* modificam, o sistema reprodutor não é isolado do resto do organismo, e sendo de suprema importância na vida, as suas alterações impactam todo o resto. a Adolescência não é apenas qunado se altera o sstema reprodutor, altera coisas com a altura, massa muscular, elementos sexuais secundários como a distribuição capilar, voz, etc, e ainda nos altera a personalidade de modo a que de repente vem o desejo sexual 'bruto' e flutuações de humor (há de haver mais mas de repente só me lembro destes garantidamente).

    (já agora, recomendo este artigo: http://arstechnica.com/science/2013/09/forget-venus-and-mars-were-beginning-to-understand-gender-behavior-on-earth/ montes de referencias)

    Obviamente que há questão de "quanto" influencia, e se a influência é assim tão diferente entre rapazes e raparigas, agora negar à partida que influencia e q o sistema reprodutivo, sendo o fulcro da existência biológica de um ser e o ponto por onde a vida se reproduz, não influenciará o cérebro e personalidade é algo Descarte'iano.

    Já aqui tenho o 2sexo há uns tempos, ainda n tive muito tempo para me dedicar a ele, mea culpa. (tenho d arranjar 1ereader) Hei de ler mas admito que não percebo o ponto de a gravidez humana ser 'mais pesada" que nos outros mamiferos. Fiz uma pesquisa rápida sobre 'gender roles in primates' e praticamente todos os links que dei1vista de olhos o padrão é o mesmo. femea fica com a cria e tem praticamente o exclusivo de criar/socializar a cria, o macho fornece protecção e recursos extra. (achei este http://pin.primate.wisc.edu/factsheets/entry/gorilla/behav sucinto e informativo)

    Agora, se este padrão se repete há milhares de anos, mesmo que seja 'culture-driven', e se influencia tanto océrebro ao ponto de se notar diferenças aos 15 anos, então como é que estas modificações não se transmitem para a geração seguinte? Há passaros nas gálapagos que conseguem tornar-se 2espécies distintas em meia dúzia de gerações, com elementos distintivos entre machos e fêmeas, mas os cérebros humanos saem sempre do útero com 'tabula rasa' para se modificarem ao longo da vida e isto ao longo de milhares de anos? Agora já não é só Descarte'iano mas também anti-evolucionismo. e1pouco dogmático...

    Quanto ao 'diferentes conexões não levarem a comportamentos diferentes' do artigo linkado tenho muita dificuldade em perceber o raciocinio inerente. O cérebro é, efectivamente um computador biológico, perfeitamente passível de ser modelado e simulado como um modelo matemático. Os neurónios humanos são essencialmente compostos do mesmo tipo de células, moléculas, e funcionamento. O que varia entre sexos, é as percentagens de cada céula (branca vs cinzenta), as quantidade de hormonas e neurotransmissores em jogo, tamanho, massa, e até a organização em 'núcleos' no nível mais elevado. como é que se passa de computadores bastante diferentes para computadores que têm exactamente as mesmas capacidades genéricas, falha-me.

    Há diversas arquitecturas e marcas de processadores hj em dia (intel, amd, Arm). todos eles fazem "contas" e todos eles são passíveis de ser utilizados em 'desktops'. mas efectivamente todos eles têm pontos fortes e fracos, resultados diferentes consoante o 'benchmarking' que se faça e utilizações+adequadas a uns e outros. tudo isto pq apesar de o elemento base ser o transistor e +meia dúzia de componentes electrónicos, a maneira como são construidos e ligados faz toda a diferença.
    (cont)

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  10. (cont)
    Obviamente que há semelhanças e obviamente que a diferença pode ou não ser pequena (3%? : quer percentagens quer números absolutos nunca transmitem a verdade completa. nós também somos 98% semelhantes aos gorilas...). Mas havendo diferenças é matematica e economicamente mais lógico capitalizar essas diferenças através da especialização doque ignorá-las. Já agora se posso sugerir um tema para artigo cientifico em futura pesquisa, interessava-me muito ler algo sobre a aplicação, ou não, da teoria da vantagem comparativa de David Ricardo aos casais/géneros.

    dito todo este testamento, obviamente @gralha que nunca esteve em causa a atribuição de direitos iguais na lei e liberdade de oportunidades iguais. Mas a haver diferenças intrinsecos entre generos, terá um grande impacto no 'feminismo actual' e na maneira como se posiciona. Actualmente o objectivo é atingir 50/50 em praticamente todos os sectores da vida onde haja diferença. Com diferenças intrinsecas este objectivo não é de todo lógico ou expectável. Igualmente, toda a teoria da "patriarquia" cai por terra. Sendo os 2 seres iguais, se há tanta diferença social, é obviamente pela pressão/conspiração social da 'patriarquia'. não o sendo, os resultados diferentes e as estratégias sociais diferentes serão 'normais'.

    pessoalmente acho que é mais importante reconhecer as diferenças para tentar perceber onde capitalizar, onde neutralizar e onde ignorar. Sou defensor do ensino separado na puberdade (ali entre o 4ª e o 10ª ano) exactamente pq acho que o ensino unisexo prejudica sempre algum dos dois. A diferença dos ritmos de desenvolvimento e maturidade nesta altura são abismais e no entanto insistimos em tratá-los de modo igual, e isto levará sempre a "prejuizo" sempre para um dos sexos quer masculino ou feminino.


    "Quanto a vir a provar-se que os cérebros sejam mesmo diferentes, houve várias pessoas que disseram isso mesmo, que a igualdade entre homens e mulheres é mais uma igualdade de respeito, oportunidades e valor dos dois do que realmente igualdade física ou mesmo de capacidades."

    YEP! subscrevo e assino por baixo.

    " Eu, como sou muito mais defensora do igualdade de capacidades, seria-me mais complicado aceitar. Faz-me comichão determinismos biológicos."

    eu tb não acredito em bruxas mas que as há, há!... ;-)

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  11. As críticas que li de alguns neurocientistas a este estudo (e mesmo tendo em conta os limites do que se conhece sobre o cérebro) é o facto de não existir um cérebro tipicamente feminino e um cérebro tipicamente masculino. O que se suspeita é que haja competências ou capacidades em que homens ou mulheres possam ser tendencialmente melhores mas - e esta é a parte chave - há um grande overlap entre os dois sexos. Ou seja, é como a questão da altura. Negar que os homens são tendencialmente mais altos que as mulheres é tão ridículo como dizer que todas as mulheres são mais baixas que os homens. Pegar numa linha e dividir entre os sexos e dizer estes são os mais baixos (as mulheres), estes são os mais altos (os homens). Haverá sempre muitas mulheres que são mais altas que muitos homens (o overlap entre os sexos).
    A mesma coisa com a questão da velocidade ou resistência. Os records estão aí para provar que os homens são tendencialmente mais rápidos que as mulheres. Mas não se pode dividir os dois sexos entre os mais rápidos (homens) e os mais lentos (mulheres) porque há muitas mulheres mais rápidas que muitos homens e - se calhar mais importante ainda - a velocidade/resistência é treinável. O mesmo suspeitam alguns neurocientistas se passará com outras competências e habilidades. Dividir os sexos entre "as mulheres são as melhores em línguas", "os homens são os melhores em matemática" é falso porque haverá muitos homens que são melhores do que muitas mulheres em línguas e muitas mulheres serão melhores em matemática do que muitos homens.
    Ninguém está a falar de cérebro como tábua rasa. Inegavelmente as pessoas nascem com diferentes competências e melhores em algumas habilidades do que outras. Simplesmente a divisão por competências entre sexos é arbitrária: as competências ou talvez mesmo o cérebro de uma matemática e de um matemático serão bem mais semelhantes do que as de uma matemática e de uma tradutora. O sexo será um falso/incompleto previsor do que uma pessoa será competente a fazer na vida.

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