domingo, 11 de maio de 2014

"É difícil ser português hoje em dia"

2014 é ano de aniversário redondinho de vários acontecimentos históricos que me interessam particularmente: os 40 anos do 25 de Abril, os 70 anos do desembarque dos Aliados na Normandia, e o centenário do início da Primeira Guerra Mundial. Visto que nenhum dos três conheço em proporção igual ao interesse que me despertam, ando de olhos abertos para tentar descobrir os melhores informadores sobre estes acontecimentos. Para o 25 de Abril, a escolha foi fácil e rápida.




Andava há uns anos a querer saber mais sobre o papel da CIA durante o PREC e a forma como os americanos e europeus ocidentais sustiveram a respiração durante o "Verão Quente" de 1975. Este ano, queria comemorar os 40 anos do fim do Estado Novo alargando o meu conhecimento sobre o golpe de Estado. Assim que me deparei com este livro num programa qualquer da RTP Internacional nem precisei de procurar mais: matei dois coelhos de uma cajadada. Culpem a minha educação em Relações Internacionais mas eu só me consigo interessar por assuntos internos na medida em que estes se relacionam com o exterior. De modo que um relato de como a nossa Revolução dos Cravos e os meses conturbados que se lhe seguiram foram analisados por jornais internacionais tornou-se o livro perfeito sobre o 25 de Abril.
 
É um livro verdadeiramente delicioso. Foi o primeiro livro de papel que comprei em muitos meses e a razão (para além de não existir versão eletrónica) foi a quantidade enorme de ilustrações, cartoons e capas estrangeiras alusivas à Revolução e ao PREC que o livro reproduz. O livro é uma obra fabulosa de documentação de reações jornalísticas a este período pela parte de cerca de 100 publicações de 20 países diferentes. Muita hora a consultar jornais por essas capitais fora, este livro.
 
Os autores vão descrevendo as reações aos acontecimentos caóticos que se sucediam em catadupa através de citações desses jornais e de cartoons da época, o que torna o acompanhamento das descrições muito fluido e por vezes humorístico. Temos assim um relato do 25 de Abril e PREC através de olhos exteriores.
 
Três ideias em especial me despertaram o interesse:
 
1. "Certamente que vale a pena evitar a guerra civil quase a qualquer preço. Mas é difícil perceber como é que pode ser evitada, a não ser que os radicais no interior do MFA abandonem as suas tentativas de continuarem a empurrar Portugal à força para a esquerda." (The Times, 1 setembro 1975)
 
Quase todos os analistas estrangeiros, numa altura ou noutra, acreditaram piamente que Portugal caminhava para uma guerra civil. E se calhar seria inevitável, não fosse o temperamento do povo português, que muitos deles também exaltam:
 
2. "Até agora, os portugueses testemunharam sempre a sua repugnância pelo uso da violência física. Perguntamo-nos em que outro país da Europa se poderia desenrolar um tal processo revolucionário sem que soldados ou civis recorressem às armas." (Le Figaro, 7 agosto 1975).
 
A nossa revolução foi realmente excecional pela ausência de sangue e as profecias ao longo do ano e meio que durou o PREC não se realizaram.
 
3. "É importante que Brejnev deixe claro que vai desencorajar os seus amigos em Portugal quanto às posições extremas que têm vindo a assumir. Os comunistas portugueses apoiam-se nas espingardas dos seus aliados do exército para se apropriarem de um poder não representativo. Se isto prosseguir com a bênção russa, [...] o conceito de desanuviamento [...] devia ser revisto. O presidente Ford deve dizer aos russos que têm de levar Cunhal e o general Gonçalves a desistir da sua tentativa de, pela força, impedir uma larga e crescente maioria de, em Portugal, dirigir o seu próprio país como a democracia liberal que ambiciona." (The Economist, 16 agosto 1975).
 
Eu pensei que o PREC tinha tido a mão da URSS e que Portugal tinha sido uma espécie de fantoche vigorosamente disputado, ainda que de forma dissimulada, pelas duas superpotências durante e logo após o 25 de Abril, até ter sido claro em finais de 1975 que seríamos mesmo uma democracia pluralista. Afinal, a URSS não tinha nenhum interesse em que Portugal se tornasse um satélite comunista, isto porque os soviéticos não tinham capacidade de sustentar o PCP e o país como haviam feito com Cuba, porque seria muito difícil mobilizar tropas para aquele retângulo tão geograficamente ocidental, e porque em 1975 houve o plano de desanuviamento entre as duas superpotências no sentido de manterem o mundo no equilíbrio em que estava e com as divisões previsíveis da altura. Há ainda a curiosidade paradoxal de o PCP ser quase mais comunista que Moscovo e Brejnev chegar mesmo a discordar da ortodoxia do Partido Comunista Português. Bizarro.
 
Concluindo, foi um livro que gostei mesmo muito. É um relato minucioso sobre o ano e meio que se seguiu ao 25 de Abril mas que acaba por não ser chato pelos comentários e citações dos periódicos estrangeiros e pela míriade de cartoons em cada página.




S.

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