A uma semana de deixar a Bélgica estou estranhamente calma. Metade das coisas já estão em Portugal e o único sinal de uma mudança que se avizinha está na mala aberta no meio da sala e na comida racionada no frigorífico. Mas se pensar que sempre fizemos as compras para a semana, o frigorífico continua o mesmo de sempre.
Se há coisa que me mete cada vez mais comichão é o ter coisas, seja num roupeiro seja numa despensa repleta. Gosto de saber que posso e consigo ir embora a qualquer momento para outro sítio qualquer. É por isso que o Kobo me é tão mais caro que uma estante a abarrotar de livros.
A cada mudança que fazemos é mais uma camada de supérfulo que se descasca. Ainda não estou ao nível minimal que pretendo mas estou a caminhar para lá há quatro anos e cinco mudanças. A viagem de bicicleta que se avizinha vai ser uma experiência ideal para provar que consigo viver um mês com o que cabe numa mochila. Uma mochila que consigo carregar fisicamente, seja a puxar na traseira de uma bicicleta, seja às costas. A liberdade há-de estar muito próximo disto.
Este fim-de-semana estive a mostrar a cidade a um par de olhos frescos, e não pretendo repetir o passeio turístico ao meu par de olhos familiarizados. Tal como em Londres, não haverá cá despedidas a nada.
Não sei se a calma vem do facto de nunca ter amado esta cidade de paixão. Desdenhei-a durante tanto tempo e ela acabou por conquistar um lugar no meu coração, sim senhora, mas nunca de forma assolapada. Não a consigo recomendar a ninguém e continuo a afirmar a todas as visitas que, sim, Bruxelas é uma cidade desinteressante e feia. Mas tem coisas mesmo boas, coisas espalhadas por aí e impossíveis de vender a quem vem de visita por uns dias. São as inúmeras casas de chá que experimentei ao longo destes anos e respetivas Tartes de Françoise que dão 15 a zero aos pastéis de nata, os parques que variam entre pracetas e florestas inteiras, sempre à distância de um passeio a pé, o vento a bater na cara rosada de felicidade imbatível por estar a conduzir uma bicicleta numa avenida larga, a bandeira belga gigante a ondular debaixo do arco do cinquentenário, uns pés que me levam a qualquer sítio onde possa querer ir, a comida rápida do Exki, os mercados de velharias e roupa em segunda mão em domingos soalheiros, as ruas de casas cuidadas desta arquitetura que se parece com a inglesa mas que é distintamente única.
Bruxelas não me encantou mas mudou o que eu quero de uma cidade. Ao ponto de admitir que não quero Londres e de me fazer considerar o resto de Inglaterra como casa possível. Não quero multidões na rua, não quero transportes, não quero carro. Quero chegar a qualquer lado de pés e bicicleta. Quero espontaneidade nos meus passeios, quero a qualquer momento transformar uma caminhada de commuting num passeio. Quero chegar a qualquer lado da minha cidade em menos de meia-hora. Sheffield, espero, continuará a dar-me isto tudo. Menos as tartes, mas bom, haverá scones.
S.
Gosto da tua lucidez.
ResponderEliminarE suspeito que ao fim de um mês com a mesma meia dúzia de peças de roupa e sempre a mudar de pouso és capaz de dar um novo valor a uma camisa acabada de lavar e passar a ferro ;)
Os confortos normais do quotidiano vão saber a luxo, sim!
ResponderEliminarA minha solidariedade para todo o processo de mudança, mas principalmente para lidares com a comida racionada. Acaba-se uma garrafa de azeite e ainda faltam dois dias, como é que se faz? É todo um drama!
ResponderEliminarE não é que foi isso aconteceu? Neste momento as mossas refeições são maioritariamente peixe para justificar a compra da nova garrafa de azeite.
ResponderEliminarTambém não gosto particularmente de Bruxelas. Tem algumas coisas interessantes, mas Lisboa é infinitamente melhor.
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