terça-feira, 29 de março de 2011

Metáforas e demissões

Demissões de governos portugueses dão-me pontos nas aulas de Economic Governance in the EU.

Triste mas verdadeira conclusão. O senhor professor guardou as duas últimas aulas do semestre para falar sobre a crise financeira, como a União Europeia estava a responder a ela, quais os países à beira do colapso (levei o semestre todo a ouvir falar de Portugal... seriously), se o Euro vai ou não sobreviver, etc.

Ora, entre uma e outra aula, o que aconteceu? O governo português demite-se precisamente por a oposição não concordar com as suas medidas de combate da crise, amplamente requeridas por Bruxelas (leia-se, pela senhora Merkel). Ou seja, o número de vezes que a palavra 'Portugal' foi proferida por um professor britânico bateu record.

Mas ganhei pontos porquê? Respondi à pergunta de introdução da aula. 'Na semana passada houve dois acontecimentos importantíssimos para o desenrolar da crise financeira na Europa. Alguém sabe quais foram?...' Ninguém sabia, pff. Ah, e tal, o orçamento britânico foi aprovado no mesmo dia da demissão do Sócrates, uma bomba explodiu em Jerusalém, a Libia é o que se sabe, o Japão idem, quem é que vai saber que Portugal acabou de selar o seu destino FMIano? Lá tive eu que responder. E bem.

Enfim, este aparente azedume é só mesmo isso, aparente. Adoro aquelas aulas de economia, foram a minha disciplina favorita do semestre, provavelmente do curso. Aprendi tanto que até me espanto quando penso que me inscrevi quase por obrigação ('Argh, economia é uma parte fundamental da UE, se eu não perceber disso posso esquecer as minhas ambições europeias...'). O que é fato é que a clareza da explicação dos assuntos económicos tão complicados, os powerpoints cheios de gráficos e cartoons e a preocupação em explicar economia para pessoal sem formação em economia traduziram-se num entusiasmo por saber que às 3as feiras ía compreender mais um bocado do que se passa com a minha UE. Até fiquei a gostar de Financial Times! :D

O meu 'eu' nerd da língua inglesa e das suas peculiares expressões maravilhou-se com a abundância com que estas apareciam no discurso do professor. Só porque sou mesmo picuinhas e ligo a estes detalhes vou ter de meter aqui as que me dei ao trabalho de apontar:

- 'Why is the Eurozone on the verge of collapse?'

Esta não é uma expressão nada peculiar do ponto de vista idiomático. Mas isto foi o que eu ouvi na introdução da disciplina. Sem preparação nenhuma, pumba, lança logo esta bomba 'Porquê que a Zona Euro está à beira do colapso?'. Er... Está? Não estava a par... (Estão a ver a necessidade que eu tinha destas aulas).

- 'King's College has a few obscure traditions...'

Tenho a certeza que mandei uma gargalhada quando ouvi isto. Nem que tenha sido interna. (tradução: 'A King's tem umas quantas tradições duvidosas...')

- 'You just don't throw your toys off of the pram.' - Não se manda os brinquedos para fora do carrinho!

Isto foi em relação a Estados Membros que estavam a ser teimosos numa determinada política, a 'fazer birra'. É a minha favorita. Imagens para cartoons atravessaram a minha mente, incluindo um bebé chorão com um babete a dizer 'França' enquanto uma mãe alemã o tentava sossegar. Priceless xD

- 'Member states started selling the family silver.' - Os Estados Membros começaram a vender a prata da família.

Como quem diz, os governos começaram a privatizar empresas públicas a torto e a direito.


É tão mais fácil entender economia europeia quando nos dão estas metáforas tão ilustrativas! O problema é que mentes picuinhas como a minha perdem o resto da explicação porque estão ocupadas a apontar as ditas metáforas e a esforçar-se por tirar da cabeça as imagens cartoonescas que entretanto se implantaram. xD







(Início sugestivo da apresentação da última aula...) 


S.

sábado, 26 de março de 2011

Verdura citadina - parte I

Não é muito difícil escolher a característica de Londres que mais me fascina. Os extensos km2 de verdura que esta cidade contém sempre foram objeto da minha profunda admiração. Como é possível que uma das maiores cidades do mundo tenha no seu centro extensas áreas verdes que não servem para mais nada que não para o puro contentamento dos seus habitantes? Pressão imobiliária é algo alheio a estes governantes.

Com a primavera a chegar com todo o seu esplendor e várias visitas de amigos/familiares nas últimas semanas, longos passeios nos ditos parques têm sido fonte de grande contentamento para mim (e para os visitantes também :) ). Daí que decidi fazer uma série de posts sobre os parques mais conhecidos de Londres e outros menos conhecidos, os que valem mais a pena e os que ainda tenho de ver se valem a pena.


Hyde Park

Começo pelo mais conhecido dos grandes parques londrinos, e também o maior. Começou por ser uma reserva de caça do rei Henry VIII. O que não espanta que me tenha envergonhado à frente da pobre empregada da loja do parque com o meu entusiasmo a perguntar se havia deers ali (não há). Abriu ao público no séc. XVII.

É muito semelhante ao Central Park em Nova York, como esta foto aérea mostra, o que me surpreendeu bastante quando a vi (pff, americanos, que falta de originalidade).



A característica mais visível deste parque é o grande lago, o 'Serpentine', que na verdade divide essa imensidão verde em dois parques: o Hyde Park e os Kensington Gardens. Visitei-o em pleno inverno e há uma semana atrás, e a diferença não podia ser maior:




É realmente um espetáculo ver a alegria e a mudança de hábitos nesta cidade quando o sol dá o ar da sua graça :). Converge tudo para os espaços verdes, vê-se gente a andar de cavalo (!), a patinar, a andar de skate, a andar de barquinho no Serpentine, a passear os cães, a passear os filhos, sentados na relva a ler, a fazer uma sesta, a meditar, a namorar...



A palavra que melhor caracteriza o Hyde Park é 'extenso', não só por causa do seu tamanho mas principalmente pela impressão que dá: relva e mais relva e mais relva, sempre plano, com uma árvore aqui e ali mas sem grandes pormenores como outros parques londrinos têm. Não se vê muitos canteiros com flores, arbustos ou semelhantes detalhes de jardinagem. Perfeito para fazer um piquenique na relva ou, se se tiver idade para isso, simplesmente rebolar nela (quão eu invejo crianças).

A atração mais conhecida neste parque é o Speaker's Corner, que como o nome indica fica numa das esquinas do parque. Segundo consta, é tradição centenária deixar qualquer pessoa discursar sobre qualquer assunto naquele local. Epítome do direito à livre expressão, ainda hoje se podem ver (e ouvir) pessoas a discursar todos os domingos sobre os mais variados assuntos.


Outras atrações incluem o Holocaust Memorial, o 7/7 Memorial (em memória das vítimas dos atentados de 2005), e o Diana Princess of Wales Memorial.


Nível de esquilidade: baixo (lá está, não é suficientemente selvagem para que os esquilos se sintam à vontade)

Nível de avicidade: moderado (em contrapartida, o enorme lago gera grande felicidade para tudo o que e pato)

Nível de pombaria: elevado (er... é um parque, há pessoas potenciais portadoras de bolachas/pão, é claro que há pombos)

Nível de bambicidade: mínimo (não se verifica :( . Veados é coisa inexistente neste parque. O Henrique VIII deve tê-los caçado todos)



S.

quarta-feira, 23 de março de 2011

This is why...

I love my mum :)



As duas coisas comestíveis que fazem mais falta cá em Londres: bacalhau como deve ser e atum como deve ser. Porque o bacalhau de cá não é seco e salgado, é e sabe a vulgo peixe, e o atum não é nada de jeito porque não é conservado em azeite como o português mas sim em água, óleo de girassol ou brine (que ainda não me dei ao trabalho de ir ver qual a tradução mas que é igualmente sem-sabor). Por isso é sempre com alegria que recebo estes miminhos maternais e com um sorriso que encho o lava-loiça para o ritual do demolhar do bacalhau :) (3 dias de molho, trocar a água duas vezes ao dia)


p.s. - está um dia maravilhoso hoje! Pela primeira vez vejo pessoas de manga curta na rua e está realmente calor! Uns primaveris 17 graus x)



S.

segunda-feira, 21 de março de 2011

quarta-feira, 16 de março de 2011

6 meses

Entretanto passei a marca dos 6 meses em Londres e não me dei conta.

O humor não tem sido dos melhores. A duas semanas do fim das aulas a ansiedade sobre o meu futuro aperta. Porque fica tudo em aberto. E porque o facto de não ter emprego irá tornar-se insustentável para mim nessa altura. Tenho horror à inação, à inutilidade, ao vazio. Porque já os experimentei e são o pior estado mental possível. Anseio a sentir-me prestável, a ver o meu trabalho reconhecido, a pôr em prática o potencial que sei possuir. E quero ganhar dinheiro. Não vou ser hipócrita e negá-lo. A lista dos e-mails enviados cresce sem correlação positiva com o número de convites para entrevista. Alguns dirão: 'Bem-vinda ao mundo dos crescidos, Sara.' E têm eles razão. 

Depois vem este pânico irracional de voltar para Portugal. Acelera-me o coração, deixa-me sem ar pensar em voltar à minha vida anterior e a tudo como era antes, como se nunca tivesse vivido noutro sítio, como se nunca tivesse explorado e amado esta cidade, como se ela não me tivesse enriquecido tanto, como se não tivesse sido FELIZ aqui. Voltar e continuar tudo na mesma. E de vez em quando ouvir 'Londres' no telejornal e o ar prender-se nos pulmões, fazer o caminho habitual até Lisboa de carro (seria inevitável) e pensar 'Eu vivi a pouco mais de 30 min de tudo o que alguma vez precisei para ter uma vida completa e nunca precisei de andar de carro'. 

Vida completa. Hmm. É aqui que o pânico degenera em dúvida. 'Vida completa é para ti viver em Londres?'. Não. Vida completa é viver em Londres com o D.. Este complemento circunstancial de companhia faz toda a diferença. É o estar em casa e saber que esperamos alguém. É o preparar o jantar e ter em conta um gosto alheio. É rir às gargalhadas com outra pessoa durante o The Office. É o ouvir outra pessoa respirar durante a noite. É o poder dizer espontaneamente 'Então!!' (não há tradução possível para inglês). É entrar em pânico por as castanhas estarem a acabar no supermercado mesmo quando não gostamos de castanhas. É o lavar meias, boxers e chuteiras. É o ficar trancada em casa porque a outra metade se esqueceu e levou as duas chaves. É o ter 2 roupões, 2 toalhas de banho, 2 escovas de dentes e 2 tipos de desodorizante diferentes na casa de banho. É ter uma caixa de correio com 2 nomes.

Se um dia tiver de escolher entre Portugal com D. e Londres sem D. ... Espero não ter de escolher. Seria pânico qualquer que fosse a escolha. Por isso dou graças por não ter tido que escolher (se não dou devia dar. Todos os dias). O espírito de emigrante manifestou-se com igual intensidade nas duas partes, e uma delas largou tudo para que a outra pudesse concretizar um sonho. Dou graças por o cupido ter acertado em alguém com a mesma ânsia de descobrir, experimentar e sonhar que eu. E por permitir que os dois pilares nos quais assenta a minha felicidade e estabilidade possam ser construídos à mesma medida.

Um dia escrevo sobre a família. Alargada. Porque nunca pensei (e eu penso demais) que fosse tão pouco difícil estar longe fisicamente das pessoas que conheço desde sempre. Mas hoje fico-me por aqui.






S.        

quinta-feira, 10 de março de 2011

Census 2011 - Yey!

Sempre fui uma criatura que vibra imenso com coisas burocráticas/comuns como Cartões do Cidadão, National Insurance Numbers (já tenho o meu! Faço agora oficialmente parte do 'sistema' britânico), listas telefónicas, etc. De forma que podem imaginar a minha reação quando isto chegou pelo correio há uns dias:



Sabia que este é o ano dos censos por isso não sei porque fiquei tão entusiasmada. Mas a verdade é que pulei literalmente de contentamento! Adoro preencher coisas. Adoro entrar numa estatística. Adoro toda a logística e todos os recursos mobilizados para um projeto da magnitude dos censos. Adoro que os censos sejam 'A' estatística. E que o seu preenchimento seja 'required by law' (uuuuh :D).

Têm de ser preenchidos no dia 27 de março. Tanta exatidão é explicada pelo facto de tudo contar neste questionário, até eventuais hóspedes! Portanto, e para que toda a informação no questionário seja verdadeira, vou esperar até ao dia. Também pode ser preenchido pela net. Mas não é aquela coisa.




S.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Virginia Woolf - The Hours

Ontem em vez de ver o derby escolhi ver o filme As Horas, bem mais interessante mas igualmente deprimente. A verdade é que este filme saltou logo para a minha lista de filmes preferidos, quando ainda nem tinha decorrido meia hora do mesmo.




Em nota de abertura tenho a dizer que é um enorme prazer ver qualquer filme em que entre a grande senhora Meryl Streep. Todas as suas interpretações são de uma naturalidade impressionante e de um rigor impecável. É daquelas poucas atrizes que quando entram em cena não dá para despregar olho do ecrã pela interpretação incrível que fazem da personagem.



Julianne Moore é outra atriz que vale a pena. Era relativamente desconhecida por mim até há pouco tempo mas uma série de bons filmes que vi em que esta entrava captaram-me a atenção para a dita atriz, incluíndo o perturbante Blindness, baseado no livro Ensaio Sobre a Cegueira.




Sem dúvida quem mais me surpreendeu foi a Nicole Kidman neste filme. Sem dúvida alguma. Estive mais de meia hora a tentar certificar-me de que era mesmo a Nicole Kidman quem estava a fazer de Virginia Woolf, e fiquei na dúvida até mais de metade do filme. A minha habilidade para reconhecer caras nunca foi famosa, mas o que é fato é que esta senhora estava irreconhecível como Virginia Woolf (vejam por vós próprios), uma mulher escritora com imensos problemas psiquiátricos e uma personalidade algo apagada no filme.




Graças à brilhante interpretação da Nicole Kidman fiquei fã desta famosa escritora. Tinha uma vaga ideia de que era uma escritora da primeira metade do século XX, tinha pertencido ao Bloomsbury Group, um clube londrino de intelectuais, entre os quais Keynes. Tinha também a impressão que, tal como outros membros desse grupo, tinha-se suicidado. Tudo verdade até aqui. O que me impressionou neste filme foi a profundidade da escritora em si, os temas sobre os quais escreveu e o seu percurso de vida.
Mas talvez seja melhor fazer uma sinopse do filme para poderem julgar por vós próprios.

As Horas captou-me a atenção pelo fato de contar 3 histórias de mulheres de épocas diferentes mas com algo em comum, neste caso o gosto por um romance de Virginia Woolf ('Mrs. Dalloway', prioridade elevada na minha lista dos 'a ler'). Este ponto é logo receita bem-sucedida para eu gostar do filme. À medida que o filme foi decorrendo fiquei com a nítida impressão que este filme me fazia lembrar o Revolutionary Road, e a verdade é que a essência de ambos é muito semelhante.


Basicamente seguem a mesma linha: mulheres que vivem nos subúrbios, que têm tudo o que é suposto ter - casa com jardim, marido, filhos, vida folgada, boa reputação no bairro -, que aparentemente são felizes mas que por dentro sentem um desespero terrível. Revolutionary Road foi a primeira história do tipo que vi e impressionou-me bastante. A Kate Winslet e o Leonardo Dicaprio estavam impecáveis nas suas interpretações.

As Horas é ainda melhor, na minha opinião. Isto porque combina as tais 3 histórias das 3 mulheres em épocas diferentes. A primeira é a própria Virginia Woolf, enquanto escrevia o livro Mrs. Dalloway. A segunda é uma mulher dos anos 50, e a outra uma mulher do presente. O que é fascinante neste filme é que as 2 últimas histórias vão sendo contadas à medida que acompanhamos Virginia Woolf na sua escrita do livro. Ou seja, tudo o que ela vai decidindo que irá acontecer à sua heroína fictícia, a Sra. Dalloway, vai influenciando o curso que as outras 2 mulheres vão dando às suas vidas. É brilhante. E extremamente parecido com o que se passa no meu filme preferido de sempre, Shakespeare in Love. Também aqui há a mistura de uma vida real (a de Shakespeare) com a invenção e escrita de uma obra fictícia (neste caso Romeu e Julieta).





Mas o que me impressionou realmente no As Horas foi a essência da história: o desespero de uma mulher que vive segundo o que é esperado dela. A vida nos subúrbios, com a casinha da 'white picket fence', o casal de filhos, e a mulher que espera o marido chegar a casa - no fundo, o tão famoso American Dream - é aqui retratado como fútil e desesperante para estas mulheres. Fútil porque monótono e previamente antecipado (a mulher sabe como será a sua vida do início ao fim), e desesperante porque a mulher não consegue entender, muito menos explicar, porque é que é extremamente infeliz se tem tudo o que se é suposto ter. Detetei também um cheirinho de Fernando Pessoa neste tipo de história, o que me agradou imenso. A sua visão da monotonia da vida e da existência humana era igualmente deprimente mas tão certeira que chega a assustar. O Livro do Desassossego é particularmente exemplo disso.

Em resumo, é um filme com um enredo profundo e 'enredado' pois estas 3 histórias acabam por se cruzar realmente, não têm apenas em comum o livro de Virginia Woolf. As interpretações das 3 senhoras são brilhantes e extremamente entusiasmantes de assistir. Destaco a interpretação de Virginia Woolf (personagem), de quem fiquei fã curiosa, e de Nicole Kidman (a atriz), de quem passei a admirar.





S.