segunda-feira, 17 de março de 2014

Já só faltam 21

Ontem corri a minha primeira meia-maratona.

Vou escrever só mais uma vez porque mereço e para ver se acredito mesmo: ontem corri a minha primeira meia-maratona.  

Foi uma experiência do caraças e tudo o que eu antecipava esteve lá: o mar de pessoas, a confusão na entrada da Ponte 25 de Abril, o sentimento de privilégio incrédulo por estar a tocar com os pés naquela ponte emblemática, a vista de Lisboa sob um céu azul límpido, o esforço a começar a dar sinal ao quilómetro 7, o aborrecimento e a desmotivação lá para o quilómetro 11, a luta afincada e quase sem dar tréguas do corpo contra a mente, a incapacidade de ver as pessoas e as paisagens e as casas, o terreno desconhecido a partir do quilómetro 18 por nunca ter corrido tanto, o sentimento de pura felicidade ao cruzar a meta, a alegria por estar a correr em Lisboa. Não só não faltou nada do que eu esperava como tive o acréscimo de mais umas coisas: a ausência de vontade de procurar desculpas para não ir (para a minha primeira corrida, a de S. Silvestre dos Olivais, elas não faltaram), a ausência da dor excruciante nas canelas que já é uma velha conhecida, mas a presença de uma dor irritante na anca direita que não me largou durante toda a corrida, o desconforto horrível que é ter um sol que queima a bater na cara durante todo o caminho e que torna o esforço elevado de uma corrida quase insuportável, o orgulho tão humano mas tão irracional que é pertencer a um evento maior do que nós e a um grupo cujos membros só têm em comum o masoquismo de bater com os pés no chão muitas vezes por minuto durante duas horas, o sentimento de desespero por ver que ao quilómetro 12 eu já estava mal, a euforia por descobrir ao quilómetro 18 que ia conseguir acabar a prova, o pranto no qual quase desatei quando cortei para a meta, duas horas e vinte minutos depois de ter começado a correr tão feliz e ainda na margem sul. Hoje mal consigo andar, é um bocado assustador ainda que compreensível, mas mais assustador e nada compreensível é ter já concluído que eu não vou conseguir largar as corridas depois da corrida dos Sinos a 6 de abril, como planeava. Um bicho qualquer que acho que deve ser parecido com uma lagarta das maçãs já começou a roer qualquer coisa aqui dentro porque eu já estou com o sentido de querer melhorar aquelas duas horas e vinte. É qualquer coisa que me chateia assim: “Nã, nã, nã, nã, não fizeste aquilo como deve ser, toca a fazer outra vez mas agora em bom.” Não é necessariamente aquela corrida, é mais aquela distância. É uma necessidade de ensinar o meu corpo a correr 21 km confortavelmente. 

Maluco, não é? Eu sei.

Mas já aprendi melhor do que ignorar estas vontades crepitantes que vão alastrando por aí afora. O melhor é mesmo aquiescer até onde a vontade nos levar.

Uma coisa que reparei, e que até aqui nunca me tinha realmente passado pela cabeça, é que a corrida é uma coisa para ser vivida em conjunto. Ou seja, os treinos são feitos normalmente de forma individual mas depois nas corridas propriamente ditas as pessoas juntam-se aos pares ou aos grupos para darem força uns aos outros, para partilharem a euforia da meta, e ser uma coisa minimamente social. Eu fui sozinha. E o meu instinto observador não sinalizou mais ninguém na minha situação durante a caminhada do Pragal até à ponte e durante a espera pela partida. Não sei se isto significa que eu sou um bicho solitário, independente, com uma grande pancada ou sem noção do que se faz normalmente e do que não se faz normalmente. É capaz de ser uma combinação de todas.

Bicho solitário ou não, apoiantes não me faltaram. Entre um namorado incrivelmente otimista que à hora e meia já me estava a ligar para me procurar na meta, uma mãe dramaticamente fatalista que me diz coisas como, e cito: “senti um baque no coração porque pouco depois das duas horas comecei a ouvir uma ambulância e pensei mesmo que eras tu”, e um pai pessimisticamente confiante que depois das duas horas e quarenta ainda me esperava ver passar, não sei a qual agradecer mais. Agradeço aos três, claro, porque cortar a meta depois de duas horas e tal de esforço é uma sensação ali no topo das melhores coisas do mundo mas ver as caras sorridentes das três pessoas mais importantes da nossa vida logo após um esforço de duas horas e tal também não lhe fica nada atrás.    



Isto é uma aproximação fiel de mim hoje.
 
 
 
 S.

6 comentários:

  1. O que acontecia se fosses acompanhada é que ao quilómetro 11 não sentias aborrecimento e desmotivação, logo possivelmente fazias um melhor tempo ^^ Tens o meu respeito, se eu tivesse ido sozinho acho que tinha ido a andar a meio do caminho.

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  2. Tens razão. Depois não sei é se teria chegado viva à meta mas provavelmente teria chegado mais rápido :D . O problema então é que não conheço pessoas suficientes que embarcassem nesta maluqueira.

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  3. Ah, grande mulher! Deixa essa lagartinha roer enquanto lhe apetecer :)

    O problema de correr acompanhada é ter alguém que faça mais ou menos o nosso ritmo, senão vamos a pisar ovos ou a sentir-nos pressionadas para ir mais depressa. Éramos 6 à partida e acabámos por separar-nos todos (mas sempre a mandar muita força telepaticamente!).

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  4. Vou deixar, vou, ela já está alojada, não há nada a fazer :)

    Pois, acho que é por isso que prefiro correr sozinha, poder marcar o meu próprio passo. Mas às vezes a desmotivação mete-se pelo meio e acabo por abrandar quando se calhar fisicamente conseguiria manter o ritmo. A parte psicológica é tão importante e eu não sabia disso.

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  5. Primeiro que tudo, parabéns - fazer a primeira meia maratona, seja em que patamar for, é sempre de valor :)

    Quanto a experiência a "solo" ou acompanhado, acho que pode variar consoante o nosso estado de espírito. Já corri essa e distâncias maiores nos dois formatos e, em ambos os casos, já me correu melhor e já me correu pior. Conforme vás fazendo mais provas, terás oportunidade de verificar por ti, até porque em certas provas, a companhia surge durante o caminho, sem outra motivação que não o percurso comum.

    Seja como for, uma vez mais - well done ;)

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  6. Ena, obrigada!

    Tenho um respeito cada vez maior por maratonistas porque mais do que duas horas é demasiado tempo em esforço para a parte psicológica não fraquejar.Imagino lá agora quatro horas...

    Daqui a três semanas vou correr uma de 15 km com companhia, logo vejo se já noto alguma diferença na motivação.

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