terça-feira, 18 de março de 2014

Sexismo onde menos se espera #2

Uma pessoa fêmea vai levantar a t-shirt oficial da meia-maratona a que tem direito. Em não havendo o seu tamanho nem o acima, decide levar a t-shirt reservada ao outro sexo porque dessas há das pequeninas. Uma pessoa diverte-se com a cena que está a acontecer mesmo ao seu lado em que um distribuidor de t-shirts tanta convencer uma pessoa macho a fazer o mesmo e a levar a t-shirt do outro sexo porque já não há o seu tamanho nem perto das para machos. Uma pessoa começa a ficar estupidamente consciente das suas raízes feministas quando a pessoa macho até leva as mãos à cabeça em dramatismo quando o distribuidor de t-shirts, ainda a tentar convencer que as t-shirts não são assim tão diferentes diz “ela nem parece de mulher, acredite, quem não souber que era para mulher nem vai adivinhar”. Uma pessoa decide instigar um bocadinho de bom-senso naquela cena e declara meio a sério, meio a brincar (o bom senso tem que ser instigado meio a brincar porque egos masculinos destes são frágeis) um “Eu vou levar uma t-shirt de homem porque também não havia o meu número. E não me importo.” seguido de sorriso convencido. Os distribuidores de  t-shirts juntam-se num coro de “pois”, e “exato”, e “está a ver!” mas eu lanço outro sorriso satisfeito e vou-me embora antes de saber se a pessoa macho desceu ao nível de aceitar a t-shirt de pessoa fêmea ou não. Porque é disto que se trata, não é? Da vergonha. A vergonha instigada desde muito cedo que fazer coisas de gaja é degradante, des-masculinizador, quase um crime. Vou constatando agora, que até para certas mulheres o é. Uma atitude muito “eu sou gaja mas não sou «dessas» gajas”. Isto não é igualdade. É o contrário de igualdade porque é a demonização de tudo o que é estereotipicamente feminino. Considerado mau porque, lá está, tem o cunho do “feminino”.

Para mim, e suspeito que para a maioria da população feminina, usar uma camisola de homem não é nenhum problema. Às vezes até aparecem aquelas peças de roupa que se chamam “boyfriend cardigan” ou “boyfriend jeans” e assim. Uma mulher usar calças é aborrecidamente banal e absolutamente nada digno de nota. E um homem usar uma saia? Nop, não é possível. Quem usa saias são as mulheres.

Isto sem entrar na questão de para que raio é que se tem que diferenciar tudo segundo o género. Para quê que hão de criar uma t-shirt para mulheres e uma t-shirt para homens para uma corrida? É a porcaria de uma corrida, o objetivo é ser confortável e ir tudo de igual, não é nenhum desfile de novas tendências. E ainda se poupavam problemas de tamanhos a mais num modelo e tamanhos a menos noutro.


Eu acabei por levar a minha t-shirt preferida, uma coisa muito verde fluorescente, muito (da seleção) portuguesa, muito de homem, mas que me serve como nenhuma outra, orgulhosamente oferecida pela cara-metade. Garanto que os meus ovários ainda funcionam.






S.

11 comentários:

  1. Pois eu vejo a discriminação de outra forma: por que motivo não fazem mais t-shirts de mulher (por uma questão de tamanho, porque um S de homem fica-me a nadar)? Em muitas provas só há um tipo de t-shirt e obviamente que não é cintadinha e cor-de-rosa.

    ResponderEliminar
  2. Pois. Quando a t-shirt é unissexo o modelo é sempre o típico masculino. Uma t-shirt cintada e cor-de-rosa nunca poderia ser unissexo; nenhum homem a vestiria.
    Eu desconfio que eles tinham t-shirts de homem e de mulher em número suficiente, fizeram foi mal o cálculo do número que seria preciso para cada tamanho. Podiam perguntar na altura da inscrição o tamanho que cada pessoa vestia e assim já tinham um cálculo bem mais aproximado dos tamanhos mais usados.

    ResponderEliminar
  3. Tenho andando genuinamente cansada de me deparar - o reparar é automático - com estas situações. São constantes, a única forma de não reparar/ver é ficar fechada em casa e seleccionar muito cuidadosamente a informação consumida (rádio, tv, internet, ...).
    Para quase toda a gente é inofensivo, mas pensando, nem que seja só um bocadinho, sobre assunto, torna-se óbvio que são piquinininhas ofensas "à fêmea". Uma picadela de cada vez, vezes infinitas; a coisa começa a somar e a fazer-se sentir. E são tão piores quando vêm de outras mulheres "que não são como todas as outras mulheres". Eu dizia isso quando tinha 13 anos, admito a asneira; a gente crescida que se vê a fazer afirmações assim também já devia ter aprendido. A falta completa de noção do que se faz ao dizer este tipo de frase é mesmo triste. Bem, é bom que se fale publicamente do assunto.

    ResponderEliminar
  4. Acabadinho de receber:
    A rede Coimbra Contra a Opressão está a lançar uma Carta Aberta à Universidade de Coimbra no âmbito da luta contra o racismo, sexismo e homofobia, e também na sequência da posição oficial da Universidade que desconsidera a relevância das denúncias das vítimas de discriminação (http://www.uc.pt/tomenota/2014/022014/17022014_2).

    Para subscrever esta Carta, aqui:

    http://www.avaaz.org/en/petition/Universidade_de_Coimbra_Portugal_Combate_a_Opressao_Fight_agains_opression_Lucha_contra_la_opression/?czzGghb

    ResponderEliminar
  5. al31nad, a ignorância às vezes é uma benção, sim. Pelos menos deixa o espírito mais sossegado. Quando se abre os olhos para estes pormenores é vê-los em todo o lado, chega a ser desconcertante. Surge aquele sentimento do "então mas ninguém faz nada? como é que isto pode ser ok?"

    a.i., obrigada pela partilha, vou ler com atenção

    ResponderEliminar
  6. Os teus ovários funcionam é bem melhor que os tomates de muita gente...as pessoas têm medo de ser julgadas e de acreditarem no julgamento antes de negarem...não há paciencia para dramas destes

    ResponderEliminar
  7. Verdade. Mas eu não sou julgada, ele muito provavelmente seria. Isso é o mais frustrante nisto tudo. Assim é fácil ter ovários ;)

    ResponderEliminar
  8. "Uma atitude muito “eu sou gaja mas não sou «dessas» gajas”. Isto não é igualdade." Na muche!

    É uma das coisas que me incomoda cada vez mais: ouvir de outras mulheres que certa actividade desportiva é "desporto de gaja", certos filmes são "filmes de gaja", certa comida é "comida de gaja", certo hobby é "hobby de gaja", sendo que isso é sempre apresentado como intrinsecamente mau.

    ResponderEliminar
  9. O problema é que a maior parte dessas "coisas para gaja" são nos impingidas de forma condescente. Acho que é por isso que muitas mulheres acabam por desdenhar das mesmas. Aqui há uns tempos dei o exemplo da Ladies' Run aqui em Bruxelas, feita ao mesmo tempo que a mini-maratona, com exatamente o mesmo percurso, mas só para meninas. Ora essa, porquê?! Escusado será dizer que não havia Gentlemen's Run. Para eles era a prova neutra, a mini-maratona.
    O desdenhar as coisas de gaja torna-se inconsciente porque está associado à fraqueza e a idiotice femininas. Ultimamente tenho posto a mão na consciência quando alguma coisa mais girly me provoca repulsa para tentar perceber se é a coisa em si de que não gosto ou se é da associação que faço com o ultra-feminino ou se é da condescendência e pressupostos arrogantes que quem a publicita faz sobre os meus interesses enquanto pessoa do sexo feminino. Não é fácil.

    ResponderEliminar
  10. Sim, o desdenhar torna-se inconsciente porque está associado a uma imposição de papéis de género; são novas versões dos “lavores femininos” de que a geração das nossas mães desdenhou porque lhes eram impostas até na escola.

    Há uns anos sentia-me muito ofendida sempre que ia a uma loja de bricolage comprar qualquer coisa necessária para algum pequeno arranjo em casa porque os funcionários ou assumiam que o que estava a comprar – independentemente de ser uma simples chave de fendas ou um pacote de cimento de secagem rápida – não eram para mim e/ou, quando percebiam que eu não estava meramente a aviar um recado, me recomendavam que pedisse ajuda ao paizinho/namorado. Deixei de me sentir ofendida no dia em que convidei alguns amigos para jantar cá em casa e uma amiga me disse que eu era muito “girly” (e não era um elogio) após ver que eu estava a tricotar umas botinhas de bebé. Não sei se os senhoras das lojas de bricolage alguma vez reflectiram sobre papéis de género mas a minha amiga, feminista e tendo estudado sociologia de género durante a sua licenciatura, já. Teria ferramentas para pensar um pouco antes de falar de “hobbies de gaja”. Questio-me se, se eu fosse um rapaz que estivesse a tricotar umas botinhas para o bebé de uma amiga, me teria dito que eu era girly. Provavelmente, teria elogiado a minha capacidade de ver além das fronteiras impostas e fazer algo de que gosto independentemente de as outras pessoas acharem apropriado ou não.

    Acho que a reflexão sobre o desdenhar as coisas de gaja passa por este exercício de nos interrogarmos se, se fosse um homem ou rapaz a fazer tricot, a praticar yoga, a gostar de comédias românticas, a comer granola, etc, também classificaríamos essas mesmas actividades como “coisas de gaja”.

    ResponderEliminar
  11. Sim, essa é uma boa dica.

    Acho que o mais importante é termos uma mente aberta e conseguir gostar das coisas pelo que são, e não pelo que representam. Por vezes isto é difícil de fazer, especialmente quando se reflete sobre os papéis de género. Já dei por mim a fazer pressupostos estereotipadas sobre uma pessoa baseado no que ela gosta, não apesar de pensar muitas vezes nisto do género mas precisamente por isso. Temos é a obrigação de combater isso, assim que ganhamos consciência do que estamos a fazer.

    ResponderEliminar