quinta-feira, 19 de julho de 2012

O mundo louco da interpretação

Há muito tempo que me intrigavam os intérpretes simultâneos nas cabines das conferências. Foi um dos meus maiores maravilhamentos quando aqui cheguei: o facto de descobrir que o multilinguismo, no Parlamento Europeu, é uma realidade. E constatá-lo todas as vezes em que tinha conferências e reuniões de comissão para assistir.

Hoje, tive a oportunidade de experimentar como era. Numa espécie de palestra organizada pelo serviço de interpretação, e numa tentativa de atrair estagiários das instituições europeias para a carreira linguística, pudemos constatar que línguas mais fazem falta à UE (nativos eslovenos, malteses, romenos e búlgaros), que espécie de treino e educação é preciso obter para ingressar nessa carreira, e as gratificações e frustrações que se obtém quando se interpreta para ganhar a vida.

No final, veio a parte divertida: subir às cabines e fazermos nós próprios a interpretação de um discurso em inglês para a nossa língua nativa.


É... Esquisito. Estávamos três pessoas em cada cabine; ao meu lado tinha a minha amiga M. nativa de esloveno, e do outro lado um nativo de francês. Pusemos os auscultadores, ajeitámos o micro, e esperámos. Assim que o discurso começou ficámos uns 30 segundos sem reação: é suposto começarmos a debitar palavreado agora? Acho que estávamos envergonhados por começar a falar numa língua que nenhum dos outros compreendia e que, por estar ali mesmo ao lado, teria de ouvir. Mas assim que um de nós tomou coragem (não me lembro quem deu o primeiro passo, acho que eu não fui, ainda que estivesse mortinha por começar!), os outros foram atrás e em segundos, além de ouvir a minha voz em português e o discurso original em inglês, havia mais duas línguas faladas naquela cabine.

Falhei várias partes de frases, especialmente porque ao início esperava demasiado até começar a traduzir a frase para português; não se pode. Tem que se ir andando, num verdadeiro exercício de multi-tasking que consiste em ouvir, processar a informação, transformá-la em português, e dizê-la em voz alta. Isto tudo repetidamente, sem parar. 

A mulher da palestra tinha razão: aquilo dá uma adrenalina do caraças. Mesmo ali, a brincar e sem ninguém verdadeiramente a ouvir (com três pessoas a interpretar ao mesmo tempo por cabine torna-se impossível sintonizar num canal e apenas ouvir uma voz!), é um exercício de antecipação que cria um stress daqueles positivos. É como se um novelo estivesse a rolar pelo chão continuamente e nós a tentar apanhar a ponta, que continua a ser conduzida para fora do nosso alcance.

Primeiro estranha-se e depois entranha-se. É sem dúvida uma habilidade que se ganha e se treina. Ao início eu não conseguia acabar as frases mas no segundo ou terceiro discurso já conseguia deixar pouco por traduzir. Fiquei desiludida porque pensava que também conseguia traduzir do francês, por ser tão semelhante a estrutura gramatical e as próprias palavras, mas a minha compreensão auditiva francesa ainda não é ágil e rápida o suficiente para conseguir interpretar simultaneamente para português (no discurso alemão, também não, mas nem sequer tentei). Ainda assim, foi uma experiência única e muito divertida.

Fui-me informar sobre as condições que eles exigem aos portugueses nativos - já que o número de línguas pedido a um candidato depende da sua proveniência linguística e do facto de haver muitos ou poucos candidatos dessa língua. Parece que ficam contentes com duas línguas, sendo que uma delas tem que ser o inglês ou o alemão, e a outra uma qualquer das 23 oficiais (em breve 24, com o croata). O curso recomendado é o da FLUL, de interpretação, que dura um ano. Namorei alguns minutos a ideia de me por nesta aventura... Mas depois deixei-me disso: teria que voltar para Portugal durante um ano, para estudar, e além disso temo não ter personalidade para isto. É preciso ter capacidades comunicativas orais altamente desenvolvidas. Eu é mais escrever, tenho pena.



S.


2 comentários:

  1. Acho que não teria estofo para tradução simultânea. Deve ser pesadíssimo!

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  2. Tem que se saber de tudo. Tão depressa se está a traduzir palavreado sobre direitos humanos como Euro 2012 ou partículas de Higgs, e óleo de palmeira. E isso é um bocado assustador...

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