No geral, não gosto de pessoas. Ou melhor, gosto de observar pessoas, mas desde que elas não queiram interagir e falar comigo e assim.
Pronto. Podia parar por aqui que estas duas frases resumem a minha natureza anti-social. Mas permitam-me elaborar na matéria, até porque hoje foi dia de conferência de empregos para estagiários do PE e a culpa moe-me um bocadinho por dentro. E nada melhor do que uma historieta para ilustrar a primeira afirmação deste post.
O trabalho aqui em Bruxelas mostrou-me, por experiências alheias, que desenvolver uma rede de contactos é crucial para uma pessoa ir a algum lado. Podemos ter o talento e o mérito todo do mundo, mas se ninguém nos conhecer, se não fizermos um esforço por nos promovermos, pouco vale esse talento.
Muitos estagiários levam isto muito a sério e aproveitam cada oportunidade que podem para falarem com pessoas, especialistas, etc, que trabalham nas áreas do seu interesse e ligadas a matérias nas quais gostariam de trabalhar e formar carreira. Muitos têm cartões de visita (literalmente, aqueles business cards com uma espécie de slogan e os contactos da pessoa), outros têm assinatura personalizada nos e-mails. No final das conferências não hesitam em apertar a mão aos experts, apresentam-se com um grande sorriso e sacam do tal business card com um "call me" inscrito na postura e no olhar.
Sim senhora, gente que faz pela vida e não espera que as coisas lhe caíam no colo. (Eu sei que há uma linha ténue entre o networking e a muito familiar e portuguesa cunha, mas para o caso vamos imaginar que isto é tudo legítimo, até porque eu sei que a grande maioria destas pessoas de quem falo não lhes falta mérito académico, linguístico e até profissional.)
Ora, eu vejo estas coisas todas com um misto de surpresa, descrédito e uma pontinha de inveja pela lata que é preciso e que me falta em grande dose. Porque a verdade é que eu sou das pessoas mais socially awkward que conheço. A sério. Odeio conversa de circunstância, tenha brancas com palavras, sou introvertida, ergo uma espécie de barreira invisível à minha volta sempre que conheço pessoas novas e a máxima do "se não tens nada de jeito para dizer mais vale estares calada" é uma espécie de mantra da minha vida. Odeio falar de mim (o blog não conta porque é escrito e não há interação direta). Logo se deduz que o networking seja uma espécie de inferno para uma social misfit como eu.
E no outro dia tive a prova.
Em trabalho, fui assistir a uma conferência aqui ao lado no Comité Económico e Social. Uma coisa muito bem organizada, muito mais populada do que o costume e onde a cada pessoa foi dado um cartão para por ao peito e um papel para meter na ranhura da mesa à nossa frente. Porque, como estão presentes muitas ONGs e outras organizações interessadas, estas conferências funcionam muito como plataformas de ligação para pessoas com os mesmos interesses e a trabalharem nos mesmos assuntos se encontrarem e colaborarem umas com as outras. Para networking, enfim.
Cheguei lá com a minha supervisora e, enquanto esperávamos pelo início, ela meteu conversa com as pessoas da mesa da frente. Em menos de dois minutos, e sem saber bem como, tinha eu três cartões de visita na mão e a outra vazia sem nada para devolver. "Eu sou só estagiária, senhores, parem de olhar para mim como quem espera receber um cartão pomposo de volta!", apetecia-me desabafar. Hoje um dos apresentadores na conferência de empregos ralhou connosco para nunca nos apresentarmos como estagiários, nunca. Que um funcionário também nunca se apresenta como "Estou no grau 86847 e trabalho na Comissão de Justiça". Culpa, culpinha...
À tarde, durante as pausas para café, o networking da sala desenvolvia-se a olhos vistos. Eu, que de manhã tinha apanhado uma crise de fome desgraçada, porque tinha comido às sete da manhã e esta gente acha por bem fazer conferências de cinco horas seguidas sem nenhuns cinco minutos de pausa, decidi aproveitar para sacar da mala e da bolacha e ficar sossegadinha no meu lugar a mirar a míriade de participantes na conferência.
Estava eu a apreciar a minha primeira bolacha, agarradinha à mala e a apaziguar a minha barriga que já gritava "Tu não me faças isto outra vez!... Hipoglicemia não te diz nada, minha menina? Olha que eu digo ao cérebro para se apagar e tu dás um tralho dessa cadeira que nunca mais vais esquecer...", quando um senhor se aproximou da minha mesa e exclama um simpático "Bom dia!".
Juro que tentei não saltar da cadeira e não arregalar muito os olhos de surpresa. Não tenho a certeza que tenha funcionado. Eu repliquei um "Boa tarde" ainda meio surpreso, ao que se seguiu as perguntas da praxe "O que faz aqui em Bruxelas?", "Trabalha para o quê?", etc. No fundo, este senhor viu o meu nome escrito no papel à minha frente, nome portuguezinho da silva, e ficou curioso por saber o que faria uma compatriota naquela conferência.
Ali estava eu, de mala no colo e bolacha na mão, sem saber se me levantava (mala a estorvar), se apertava a mão ao senhor (bolacha na mão, não dá) e a tentar esconder o ar de surpresa por alguém se ter dirigido a mim, ainda mais em português, enquanto respondia às perguntas de introdução a mastigar ainda a primeira dentada da bolacha. Após duas ou três perguntas introdutórias, sem grande seguimento da minha parte, o senhor lá se despediu e foi para o seu lugar. Eu pude acabar a bolacha que entretanto estava a ganhar pó na minha mão e matutar no que se tinha acabado de passar.
No fundo, sou tão má no networking que tem que ser o networking a vir a mim. E ainda assim eu enxoto-o. Sou uma espécie de cúmulo do anti-networking.
O à-vontade e a "lata social" são coisas que se treinam. Eu sei disso. Já fui ainda pior e começo a acreditar firmemente que se estivesse mais uns meses aqui no Parlamento desemborrava-se-me a língua a pouco e pouco. No outro dia fiz uma pergunta numa conferência! Está bem que demorei dez minutos até decidir a por o dedo no ar e só estavam umas vinte pessoas na sala, mas o que interessa é que atraí as atenções sobre mim onde elas não foram pedidas, e isso é o mais difícil, como qualquer introvertido sabe.
Próximo passo será uma apresentação de investigação perante plateia de especialistas, quase a chegar. Mas essa será uma hiperventilação para próximo post.
S.
P.S. Agora é só esperar que o meu futuro empregador, seja ele qual for, não dê de caras com o meu blogue, não perceba um chavelho de português e ignore a existência do Google translate...
tudo se ultrapassa com tempo e experiência. lembro-me bem de sessoes de network super awkward na UCL, em que mal acabava a conferencia tinhamos que ir para uma sala ao lado onde havia aperitivos e bebidas.. e eu ficava ali de lado sem saber bem com quem falar. e entretia-me a ver as pessoas que eram mais concorridas (eu via aquilo tipo leilão de gado) e quais eram aquelas mais ignoradas, as quais tinha sempre pena e tentava saber de que organização eram para ninguem os querer. basicamente era uma luta de galos, em que os alunos se pavoneavam e tentavam dar mais nas vistas. uma dessas sessoes fui falar com uma pessoa, que pensava ter uma oferta de voluntariado interessante para mim, e logo me apercebi de que me tinha enganado na pessoa, e claro, momento awkward se seguiu pois o homem nao sabia do que eu estava a falar. digamos que o meu encanto com networking nao foi muito depois desta experiencia.
ResponderEliminarmas agora, com o estagio na embaixada, nao tenho outro remedio senao ser social, apresentar-me as pessoas, sorrir, trocar business cards (sim, ja tenho o meu) e dizer meio envergonhada (sim, sou de Portugal, enviaram-me da Embaixada...). ja tive em cocktails com imensos embaixadores, e ministros, e juizes, e bla bla... no inicio tudo me metia imenso medo, que raio vou dizer a esta gente tao culta e inteligente? mas em geral todos se revelam simpaticos e curiosos, quando vêm uma jovem que mostra interesse sobre o que estao a tratar, e normalmente fazem-me sempre perguntas de Portugal, da musica, de Lisboa.. enfim. E nisto há que saber dar conversa, dizer que sim, que é tudo muito bonito, que ha crise mas as pessoas são boas. E pronto, assim se faz política. Mas confesso que ha momentos em que tomo noção da responsibilidade daquilo que estou a fazer, e começo a pensar, e se digo alguma coisa que caia mal, ou fora de contexto, nao sou só eu que estou em jogo, mas o país. Sim, porque ja nao é a primeira vez que vou a sessoes de OIs como unica representante de Portugal. Tudo bem que até aqui tem sido como observadora, mas as pessoas vêm sempre falar comigo e eu tenho que saber dar conversa, sem me comprometer muito com o tems (principalmente quando nem sei a posição oficial de Portugal...). Mas continuo sempre a pensar, quando saio destes eventos, que podia estar ali a pessoa X e Y com quem devia ter falado mais, com quem devia ter falado dos meus interesses e objectivos, com quem devia ter deixado a minha "marca"... e a verdade é que tirando a conversa de circunstancia, e o "dar o cartão", tambem ainda nao fiz muito mais, e tenho medo que alguma oportunidade se escape. Mas é como tu dizes, nao tenho suficiente lata para mal acabo de conhecer uma pessoa da Organização Y dizer "ah e tal, tirei o curso... e o meu sonho era trabalhar na sua Organizacao, pois penso que tenho muito potencial, tome lá o meu e-mail que depois falamos" lol.. talvez daqui a uns meses quando tiver a desesperar mais! :D
não há nada como ser obrigada a dar paleio e a socializar, tens toda a razão! mas o fator acrescido de estarmos a representar o nosso país deve tornar a tarefa duplamente assutadora :/ os cartões realmente dão muito jeito e podem ser um bom desbloqueador de conversa, agora que penso nisso... o meu único problema é que eu pensava sempre "ah, vou mandar fazer cartões e daqui a menos de 5 meses já estão desatualizados" (e conhecendo-me como conheço íam sobrar muitos). por isso agora vou esperar para ver o que o futuro me reserva para pensar nisso a sério :)
ResponderEliminarp.s. obrigada pela partilha de experiência, ajudou a por o meu problemazito em perspetiva :)