sábado, 2 de março de 2013

Media, é assim mesmo #1

Bom, então o que tem a Brave de tão especial?

O que eu sabia antes de ir ver o filme era que tinha uma rapariga ruiva como protagonista, empunhando um arco, e que supostamente era diferente dos filmes habituais da Disney. O nome tornou o tom do filme óbvio mas o facto de ser sobre uma personagem feminina - ainda por cima, ruiva*! - suscitou a minha intenção de o ver. Tive-o no computador durante algum tempo e foi só quando me apercebi que a história se passava na Escócia, e para além disso, falada toda ela no sotaque tão característicamente escocês, é que me decidi a vê-lo de uma vez por todas.




Depois de parar de sorrir estupidamente e me habituar ao tão raro de ouvir na TV inglês de pronúncia escocesa, concentrei-me na história e liguei o descubra-o-estereótipo. Mas desta vez, e porque já ia precavida que era um filme original, o descubra-o-estereótipo estava de pernas para o ar, ligado em descubra-a-originalidade. E agora vou tentar explicar como a Brave bateu o record neste novo jogo tentando ser o mais cuidadosa possível para evitar contar o que acontece na história.

O que mais me surpreendeu neste filme, e suspeito que isto seja uma coisa que a Disney tem vindo a aperfeiçoar ultimamente, foi a qualidade dos detalhes. Não falo apenas da animação, embora quanto mais atenta ao detalhe for mais agradável se torna, mas sim dos pequenos quirks que as personagens deste filme têm. As personagens não são mais só más ou só boas, como acho que já não o eram há uns anos. Mas a Disney na Brave vai mais longe e introduz características subtis nas ações e personalidades das personagens que as faz parecer complexa e contraditoriamente humanas. A sério: enquanto o filme se desenrolava eu só pensava que quanto filme "real", com pessoas verdadeiras em vez de desenhos animados, eu já tinha visto que eram tão pior conseguidos que este. Bolas, todas as personagens das novelas portuguesas e brasileiras são unidimensionais comparadas com as personagens do Brave! Para mim esta é a marca de um grande filme e o que o caracteriza como bom ou mau. Tenho cada vez menos paciência para coisas flat no grande ou pequeno ecrã. E não estou a falar de filmes em 3D; para os efeitos visuais estou-me pouco lixando. São as personagens quem conduz a história e quem faz o filme.

Bom, então dizia eu que a Brave tem este grande traço de originalidade transversal a todas as suas personagens. Isto faz com que não só se torne interessante e desafiador ver o filme, ainda que feito a desenhos, como torna o enredo difícil de adivinhar. A personagem principal não é também a típica menina rebelde, do género adolescente que diz "não" só porque o pai ou a mãe diz "sim". Tem todo um conjunto de quirks muito subtis que a tornam quase humana, e, ainda que definitivamente corajosa e ativa, não seja a pura rebeldia em pessoa. Também não existe, como eu temia, uma espécie de antagonista a esta personagem que seja a má; sim senhora, há uma rixa entre a Merida e a mãe, mas a própria mãe tem uma série de subtilezas que a impedem de se caracterizar na puramente rígida figura autoritária parental.

Duas outras coisas que fizeram este filme um dos mais originais que vi ultimamente:

1. A relação mãe e filha é central ao filme todo. Pela primeira vez desde, er... eu arriscaria "sempre", temos um filme de desenhos animados com duas personagens femininas como personagens principais. Lembrai as categorias de personagens-tipo femininas que eu fiz há uns posts atrás: nenhuma delas se encaixa. A mãe não se encaixa na personagem-mãe típica porque não é nem self-effacing nem serve de bengala à filha; está antes par-a-par com esta, tem personalidade complexa e própria e é essencial à trama. As duas têm uma relação mãe e filha cheia das contradições e incoerências próprias das relações mãe e filha reais. 




Ah e ela também não tem uma família disfuncional, do tipo justificação para ser espigadota; é tudo gente fixe e cada um com a sua pancada, o que torna o enredo divertido mas plausível.




2. Continuando nisto da personagem-tipo bengala, a Merida também não serve de bengala a personagem masculina nenhuma. Confesso que no meu subconsciente estava sempre à espera de ver surgir na tela o "príncipe encantado", o amigo, pelo menos, que a ajudaria a desenvencilhar-se da trama da história e que inevitavelmente selaria o final feliz. Eu tinha ouvido dizer que a Brave era original mas podia ser só por ser corajosa. E nisto das representações eu aprendi a ter as expectativas baixas. Mas quanto à personagem príncipe-encantado, nada. Nicles. Nem o cavalo, que aqui era o mais próximo de amigo que se poderia apontar a ajudou a desenvencilhar-se das coisas assim por aí além.  




Depois há os bónus: os que já falei sobre o sotaque escocês e as paisagens constantes das Highlands, a história ser contemporânea dos contos da Juliet Marillier que eu costumava ler, se ouvir constantemente folclore escocês e os irmãos dela a um ponto estarem a brincar com haggis :D Ah, e tem um bocado de magia, como não podia deixar de ser, e para se poder qualificar como um conto de fadas.

Conto de fadas mas, por tudo o que expliquei, conto de fadas original acima de todas as minhas expectativas. Se a Disney continuar nesta linha vai certamente redimir toda a clichézada que tem na sua história de princesas.

Um grande thumbs-up à Merida ;)






S.


* O ser ruiva por si só não lhe acrescenta nada de originalidade em termos de personagem feminina Disney - a Ariel é ruiva, atenção. É só mesmo porque eu tenho um fascínio por ruivez, um fascínio um bocado aleatório e impossível de explicar. Por isso para mim ela já tinha ganho pontos antes de ver o filme :D

2 comentários:

  1. Vi ontem, por isso guardei este post para ler depois. E gostei imenso do filme, muito bom, tecnicamente, mas com uma história originalíssima. Gostei da coragem de ter duas personagens principais femininas, e muito fortes. Ah, vi a ficha técnica: foi escrito por uma mulher!
    Acho que ias gostar de ler o livro da Tina Fey, Bossypants. Caramba, o que ela fala sobre a questão muito debatida de as mulheres terem ou não graça, da dificuldade de fugir a estereotipos, ser responsável por uma comédia, e como é uma mulher escrever e ser boss num programa com sucesso. Ah, e a amizade entre mulheres no meio.

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  2. Ah, uma mulher a escrevê-lo, diferenças de perspetiva então! Gostei mesmo muito pela questão de género mas não só. Acho mesmo que é uma história original, muito bem conseguida e cheia de detalhes enriquecedores, capaz de agradar a qualquer um.
    Já me tinha deparado com o livro da Tina Fey mas se vem recomendado vai já parar ao Goodreads! Obrigada ;)

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